Perdido no Hawaii

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Demorou, mas chegou! Aos 34 anos pisei nas ilhas pela primeira vez! 25 anos surfando é tempo suficiente para alimentar o imaginário de qualquer surfista que se preze, com relação à mística do famoso arquipélago.

Embora eu tenha algumas temporadas de Peru, México e EUA, esperei com muita ansiedade este dia chegar, pois o surfe é o motor de minha vida.

Sei que não vim ao mundo somente a passeio, e como todo bom brasileiro que se preze, tive que batalhar bastante para adquirir alguma autonomia e estabilidade na vida… mas… chegou a hora de viajar pelo mundo de forma rotineira… pendurando no bico, de preferência dentro dos barrels… e o primeiro lugar escolhido para inaugurar esta nova fase foi o Hawaii.
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Rumei para lá completamente só. Eu e minha tonelada de bagagem, 999 quilos de pranchas e 1 quilo de cuecas, bermudas e escova de dente. Que puta roubada!

Cinco longboards enormes amontoados em uma capa de prancha muito, mas muito maior que o sarcófago de todos os faraós juntos!

Só vendo pra acreditar na minha ingenuidade, ao pensar que com o meu físico de jogador de baralhos eu conseguiria dar conta daquela maldição longboardiana.

A viagem foi tranquila… Hawaii via Canadá. Saída às 23 horas, somente uma hora para a virada do milênio. Depois de sei lá quanto tempo… 10, 12 horas talvez, aterrizamos em Toronto – Canadá.
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O imbecil que vos fala trajava bermuda, chinelo havaiano e camiseta regata.

A adrenalina e a emoção eram tantas, que esqueci que eu estava a apenas umas poucas quadras do pólo norte.

Juro pra vocês, que quando eu abri a porta do aeroporto para dar uma espiadinha lá fora… BUUUOOOMMMM !!!!

Foi como um direto de direita do Tyson, bem no focinho! 20! eu disse 20 graus abaixo de zero! E o besta aqui fantasiado de polinésio calorento, quase peladão na terra do Papai Noel.

Dei meia volta meio cambaleante e procurei meio sem jeito um pedaço de chão bem fofo para passar as próximas 10 horas esperando a conexão para as ilhas… 10 longas… longas horas!
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Finalmente pousei nas ilhas às 23 horas do dia 2 de janeiro, e ao ouvir as palavras do comandante meus olhos se encheram de lágrimas!

Não dá pra segurar! É uma puta emoção para qualquer surfista na terra.

Caralho! Eu estava no Hawaii e ia colocar meu surfe realmente à prova. Medo, adrenalina e um “go for it” se misturavam num coquetel interessante.

A hora da verdade se aproximava. E outro pesadelo também. Só saí do aeroporto às 00:00 horas devido a alguns embaços polinésios e para minha surpresa… 30 graus positivos… E o estúpido que vos fala agora trajava um modelito esquimó!

Como foi difícil arrastar aquele sarcófago, que pesava 999 quilos, pelas ruas do Hawaii. Eu puxava o trambolho por 10 metros, parava e reclamava 20.
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Eu suava como um gambá e não tinha um mísero plantador de abacaxi para me dar uma mãozinha.

Sem poder me conter, as lágrimas voltaram novamente… mas desta vez era de puro ódio. Eu queria matar qualquer um que se aproximasse de mim… podia ser até o Jonny Boy Gomes!

Cheguei no North Shore às 7 da manhã e me alojei na casa do Fast Eddie, somente o dono da ilha… Manda prender, manda soltar… se arrepende e manda prender novamente… e sabe quem me arrumou a boiada…

Picuruta é claro! Quando eu cheguei na casa do Fast, falei que eu era amigo do Picuruta, e ele caiu na gargalhada… olhou para mim e perguntou. But… are you sure that Picuruta has a friend? (Mas… você tem certeza que o Picuruta tem um amigo?)
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E é assim nas ilhas como em qualquer outro lugar do mundo… Picuruta planta o terror e semeia o pânico até entre os Black trunks mais casca grossa.

Bem… mas vamos às ondas. Segundo a lenda, este foi o inverno mais constante dos últimos 15 anos, o Hawaii parecia uma máquina de ondas.

No início é meio complicado fazer a transição Brasil – Hawaii. O Power é intenso… a força das ondas é descomunal, e… o surfe é “ligado” o tempo todo.

Surfei todos os picos possíveis neste mês que fiquei por lá. No Hawaii existem ondas por todos os lugares…

Entretanto, se você for arriscar as caídas nos picos mais famosos, esteja disposto a pagar o preço da disputa ferrenha entre o crowd… e que crowd.
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Teve um dia que cheguei a contar 152 cabeças entre Off The Wall e Pipeline. Quem conhece sabe do mísero line up que existe entre esses dois picos.

Lá você se preocupa em não vacar de cabeça no coral, em não rabear, em não ser rabeado, em não atropelar o muro de bodyboarders que se posicionam no inside…

Acrescente a isso o fato de estar surfando de longboard uma das ondas mais pesadas do planeta e o pesadelo esta completo.

Pipeline me consumiu 20 horas de line up e quatro ondas surfadas. 2 vacas históricas e horrorosas, uma rabeada medonha e o tubo da vida.

Ponto final.
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Mas existiram momentos bem legais em Sunset Point (para mim a onda mais sinistra, ameaçadora, traiçoeira e alucinante de minha vida).

Ao surfar Waimea 15 pés de longboard, minha prancha balançava mais que caminhão de bóia fria…

Leftover, Velzyland, Rock Point, Laniakea, Backyards, e muitos, muitos outros são picos alucinantes.

Tubos inesquecíveis, caldos sequelantes, finais de tarde que me levavam a afirmar que nós necessitamos de muito pouco para sermos verdadeiramente felizes…

MUITO POUCO!
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Como sou um surfista professor, no período em que estive no Hawaii, fui a inúmeros centros de estudos, mochos e livrarias.

Me interessa a cultura polinésia como um todo. Os havaianos são gentis e simpáticos. Um povo cordial que lutou para resgatar o seu passado, destruído por um bando de colonizadores mesquinhos.

No processo de resgate da cultura polinésia esta o projeto Hokule’a, que a partir da década de 70 resgatou do povo havaiano a sabedoria da navegação sem instrumentos.

Hoje, inúmeras crianças navegam na lendária Hokule’a (uma réplica das antigas canoas polinésias de navegação sem instrumentos) falando polinésio e lendo as informações contidas nas estrelas, nos ventos e nos vôos das aves.
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Os havaianos se orgulham do seu passado. A nota triste é a bad vibe que rola na água quando se está surfando!

O localismo é intenso e impiedoso e, salvo alguns surfistas que realmente honram a cultura havaiana, a maioria discursa que é filho da terra, mas, desconhece quem foi Nainoa Tompson (Um dos havaianos participantes do projeto de resgate cultural).

Para mim, este foi o único ponto negativo de toda a trip… Perceber que de todos os polinésios, os surfistas são os mais rudes e agressivos, e que esta agressão aflora durante episódios banais…

Mas, isso não difere em nada do que estamos acostumados a ver pelo mundo…
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Para mim… este grupo pequeno não tirou a glória dos verdadeiros polinésios, que vivem e nutrem sua alma do néctar do oceano, repartindo com os irmãos de água salgada a eterna felicidade de se dropar uma onda com o sorriso estampado no rosto.

Caras como Peter Cole, Bonga Perkins, Kanoa Dahilin entre muitos outros, merecem e merecerão para todo o sempre serem chamados de havaianos, pois ser havaiano é pertencer ao mar e sentir-se parte de um todo maior, e neste aspecto, até mesmo alguns de nós, brasileiros, podemos nos considerar havaianos…

Aloha a todos vocês e muito obrigado a toda a galera da Nivana, que fez parte de mais um sonho vivido.

Marcello Árias#