Charles: o primogênito dos Padaratz

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Charles Padaratz é o mais velho de três irmãos que encontraram no surfe a chave para o sucesso profissional e a felicidade. Foto: Arquivo pessoal.
“Longe dos olhos, mas perto do coração”. Esse é o lema dos irmãos Charles, Flávio e Percy Padaratz, velhos conhecidos dos admiradores do surfe brasileiro, que têm uma relação bastante harmoniosa.

 

Ex-surfista profissional, Charles, o mais velho, foi um dos pioneiros da família nas competições, ao lado de Flávio “Teco”. Porém, a incerteza de sucesso no concorrido mundo do surf o levou a abandonar as pranchas como instrumento de trabalho e a procurar um outro meio para se sustentar.

 

Hoje, trabalhando com exportações em uma empresa catarinense, Charles está tendo a oportunidade de conhecer diversos picos ao redor do mundo que ele nunca havia tido a chance de viajar quando vivia do surf.

 

Ele também ajuda a cuidar da carreira profissional do irmão mais novo, Neco, ao lado do empresário Pardal. Freqüentador assíduo do Fórum do site Waves, com comentários e argumentos muitas vezes polêmicos, conversamos com o “chefe” dos Padaratz para saber mais sobre a curta carreira dele no surf profissional, sobre os irmãos famosos e o que ele acha do surf brasileiro no contexto internacional. 

 

Nome: Charles Espíndola Padaratz
Idade: 33 anos
Picos prediletos: Parcel, Brava (Balneário), Balneário Camboriú e Moçambique (SC)
Surfistas favoritos: Teco, Neco, Tom Curren, Tom Carroll, Martin Potter, Mark Occhilupo e Kelly Slater.

 

 

Quando você começou a pegar onda?


Em 83, no Balneário Camboriú (SC).

 

 

Charles teve uma curta carreira como profissional no surfe, mas mostrou que também levava jeito pra coisa. Foto: Arquivo pessoal.
Você foi o pioneiro da família Padaratz nas competições?


Não. Eu e o Teco começamos juntos, em 84, competindo no Circuito Catarinense e nos eventos da Anocas (Associação Norte Catarinense de Surf).

 

 Quais os principais títulos que você conseguiu em sua carreira como surfista?


Fui vice-campeão catarinense duas vezes na categoria Junior e uma vez vice na Open. A vitória mais alucinante da minha vida foi meu primeiro campeonato como Profissional, na praia Brava, em Guaratuba, Paraná. Na semifinal fiz uma nota 10 surfando contra o Cico Braga (um dos melhores surfistas que o Paraná já teve e que hoje infelizmente não está mais entre nós, que Deus o abençoe) e fui para final contra o Ícaro Cavalheiro. Às vezes converso com o Ícaro e lembramos daquela final, onde acabei levando a melhor. Foi demais, pois o Ícaro foi o cara com quem mais competi e somos bons amigos até hoje.

 

Como foi a onda nota 10?


Foi alucinante, lembro como se fosse ontem. O Saulo Lyra, meu grande amigo, havia perdido para mim nas quartas e ficou na praia me dando uns toques na semi. Na época não tinha esta moleza de nota anunciada no auto-falante e você tinha que confiar em alguém na praia. Ele estava acompanhando e me dizia, a cada onda que eu pegava, que a bateria estava empatada e eu precisava de uma nota maior. Eu já havia surfado umas cinco esquerdas alucinantes, o mar estava com 1,5 metros sem vento e perfeito, então resolvi mudar e peguei uma direita em direção ao canal. A onda levantou um pico e na primeira virada bati forte e rasguei com pé de trás com toda a força que eu pude. A prancha descolou a rabeta, invertendo com o bico para espuma, encostei a prancha na espuma e com o impulso dela fui projetado para frente com muita velocidade.

 

 Dei outra virada e mais uma batida de frente. Quando saí da batida, eu adiantei sem perder velocidade e larguei um cut-back batendo na espuma novamente. A prancha parecia não querer parar, pois não perdia velocidade. Quando voltei do cut, vi a junção da onda se formando e mandei mais uma batida com a força que ainda tinha. A prancha descolou a rabeta novamente e voltei, meio desequilibrado.

Os irmãos Teco (esq) e Neco são o grande orgulho de Charles, que muitas vezes faz o papel de pai dos dois. Foto: Tostee/ASP World Tour.
Pensei: “nossa que onda!”. Quando olhei, a onda abriu de novo no inside para a esquerda e fui dando mais algumas rasgadas até cravar as quilhas na areia. Olhei para frente e vi o Saulo correndo em minha direção. Perguntei: “E agora, deu?”. Ele disse: “A onda foi um high-score, mas acho que tu precisas de mais uma destas”. Mandei o meu amigão pro inferno e voltei pro fundo pensando: “Não posso fazer mais nada”. Resultado: ganhei a semi por 10 pontos de diferença do Cico Braga e disse pro Saulo: “Tu estavas viajando, hein mano?!”. Ele me respondeu que se me contasse que eu estava bem na bateria eu iria relaxar e poderia até perder.

 

Hoje posso dizer que vivi grandes momentos no Paraná, um Estado às vezes pouco valorizado no surf, mas que oferece altas ondas (Matinhos, Ilha do Mel, Guaratuba – direita atrás do Cristo e Brava), excelentes surfistas (Peterson, Maicon, Cico, André de Paula Soares, Pinga, Jamil, etc) e pessoas bastante receptivas. Eu, meus irmãos e nosso amigo Fabiano Fisher fazíamos questão de correr o Circuito Paranaense todos os anos.


Por que parou de competir?


Foi uma questão de escolha. Eu sabia que meus irmãos tinham um futuro brilhante, mas eu não tinha certeza com relação a mim. Talvez eu fosse um top no Brasil, o que na época não me transmitia uma segurança futura. Então resolvi estudar e trabalhar com outras coisas fora do surf.

 

Qual o seu trabalho atualmente?


Há 9 anos trabalho com exportação. Hoje faço a parte comercial de exportação para uma empresa aqui de Santa Catarina. Além disso, cuido dos assuntos do Neco em geral, exceto negociação de contratos, pois ele tem o Pardal, que faz um excelente trabalho.

 

A união faz a força: Charles, Neco e Teco Padaratz no Sundek Classic, em 88, Ubatuba (SP). Foto: Arquivo pessoal Renato Oliveira.
Quais os picos que você já teve oportunidade de surfar ao redor do mundo?


É engraçado, pois quando eu era somente surfista não tive grandes oportunidades de viajar pelo mundo, somente pelo Brasil, onde peguei altas ondas em todo o litoral do Rio de Janeiro até o Rio Grande do Sul. Hoje, trabalhando com exportação, eu viajo muito mais pelo mundo e tenho oportunidades de surfar todo ano na Australia, África do Sul e Chile. Surfei também boas ondas na Califórnia, desde Santa Cruz (Steamer Lane) até Imperial Beach, na divisa com o México. Para o próximo ano, estou planejando uma viagem para algum lugar com altas ondas, mas ainda não decidi onde.

 

Como é sua relação com o Teco e o Neco? Vocês se dão bem?


Cara, às vezes nem parecemos irmãos. Soa estranho, mas é que temos um relacionamento tão forte e bonito que parece pai e filho. Eu sou o mais velho, teoricamente eu seria o pai. Mas às vezes o Teco toma esta postura, puxando minha orelha quando faço besteira, ou até mesmo o Neco dá bronca na gente por alguma coisa. Isto porque nos preocupamos uns com os outros. Temos um lema: “Longe dos olhos, mas perto do coração”. Afinal a vida deles é corrida e a minha também, estamos sempre viajando e para nos reunirmos é um problema. Outro dia fiquei com as filhas do Teco no fim de semana, porque ele estava viajando com a esposa. Quando ele chegou da Europa entreguei as filhas a ele no aeroporto, e disse tchau, pois eu estava indo viajar para a Austrália e África, a trabalho. Foi uma coincidência engraçada. Saí no mesmo avião em que ele chegou.

 

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Charles ressalta os dois títulos mundiais conquistados por Teco no WQS, um circuito quase tão disputado como o WCT. Foto: Ricardo Macario.
O Neco teve alguma motivação extra do meio para o fim do ano de 2002, já que ele conseguiu uma seqüência impressionante de resultados no WCT?


O Neco é um cara que se supera quando está sob pressão. Ele não se abala, mas fica irado dentro d’água. Ano passado, depois de todo o problema de saúde, onde alguns profissionais da medicina chegaram a dizer que ele não poderia mais competir, ele perdeu várias etapas importantes e todo mundo começou a falar um monte de besteira do Neco sem ter conhecimento do que estava acontecendo. Isso o deixou chateado. Então o Dr. Sergio Zylbersztejn, de Porto Alegre, solucionou o problema do Neco e ele pôde voltar. Perguntei a ele se queria ir à imprensa dar uma explicação, mas ele disse não. Só me pediu para enviar os relatórios e laudos médicos para a ASP e para seus patrocinadores, informando qual era seu problema e que ele estaria voltando. “Para a imprensa vou informar dentro da água, alcançando os pontos necessários para a classificação no WCT”, ele disse. Fizemos os cálculos para elaborar uma estratégia de competições e acabou sendo melhor do que prevíamos. Ele ainda não está 100%. Após a temporada havaiana ele vai fazer alguns exames de rotina para determinar o tratamento final, para que este ano possa vir com tudo e tentar brigar pelo título mundial.

 

Qual a sua opinião sobre as críticas que o Neco recebe de que é “merrequeiro”?


O pessoal tem razão em falar, pois nem todo mundo sabe o que houve neste dois anos. Em 2000 ele tomou aquele caldo terrível no Tahiti, que o deixou realmente com o pé atrás por alguns dias naquele pico. Mas três dias depois ele teve que entrar novamente e ficou com uma tremenda dúvida. Perguntou ao Teco o que ele achava. “Se você não enfrentar e entrar agora você nunca mais vai querer voltar aqui. Esta é a hora para enfrentar o que você está sentindo”, disse Teco. Ele pensou por alguns minutos e caiu. Na primeira onda, outro caldo daqueles, mas desta vez ele não ficou preso nas pedras. Recuperado, ele quase passou a bateria, foi por muito pouco mesmo e surfou muito bem.

 

 

Segundo Charles, apesar dos consecutivos problemas de sáude, o caçula Neco fez duas finais no WCT 2002 e provou que pode brigar pelo título mundial. Foto: Ricardo Macario.
Em 2001 ele quebrou uma costela em Margareth River, na Austrália, antes de ir para o Tahiti, e teve de voltar às pressas ao Brasil para fazer exames e repousar, perdendo as etapas de Teahupoo e Ilhas Fiji. Este ano foi o problema na coluna ocasionado por um caldo no Hang Loose em Noronha. Foi para a Austrália, mas não suportou as dores e voltou ao Brasil. Vamos deixar o Neco responder aos seus críticos dentro d’água este ano. No Hawaii, no final do ano passado, já foi um treino, pois fez uma semi em Sunset variando de 8 a 12 pés. Quando o mar subia, ele ia treinar com uma prancha 9’2″ em Waimea para o campeonato. As pessoas perguntam porque ele e os brasileiros no WCT não vão para Jaws ou Maverick’s, mas eles estão concentrados nas competições e estes tipos de onda são diferentes e não são boas para treinar. Equipamento diferente, onda diferente, tudo muda. Você não vê nenhum top do WCT nestas ondas, então por que cobrar dos brasileiros? Acho que eles não precisam provar mais nada, pois somos os únicos representantes do terceiro mundo em um esporte extremamente caro, com o suporte de nossas próprias empresas.

 

O que está faltando para que seus irmãos cheguem ao trono do surf mundial?


Bem, o Teco já chegou duas vezes no WQS. Todos menosprezam este circuito, mas esquecem que, até completar 70% do ano, 90% dos atletas do WCT correm o WQS para garantir pontos em caso de problemas no WCT. Chegar ao topo no WCT é uma questão de tempo.

 

E os outros brazucas? Fale dos seus favoritos e o que eles necessitam…


Sou fã e amigo de todos eles. Alguns são melhores em um tipo de onda, outros em outro tipo. O Fabinho tem uma técnica fenomenal, me lembro de um episódio onde ele e o Teco estavam brincando de quem dava mais aéreos, e a vitória foi esmagadora para o Fabinho, completando 32 aéreos em uma sessão de surf. Mas, como tem poucos filmes brasileiros, ninguém vê isto. Todo mundo vê filme de gringo e acha que tudo o que eles fazem num filme de 45 minutos foi em uma seção de 45 minutos de surf. O pessoal esquece que um filme é feito em um ano ou mais onde são escolhidas as melhores imagens de milhares.

 

Charles aos 19 anos, ainda amador, num campeonato em Floripa. Foto: Arquivo pessoal Renato Oliveira.
O Herdy é o melhor tube-rider do Brasil. O Peter (Peterson Rosa) enfrenta o lip de Sunset de frente, como se estivesse em Matinhos. É diversão para ele, e são poucos que encaram Sunset como o Peter encara. Antigamente qualquer brasileiro poderia ser campeão mundial. Tivemos alguns campeões mundiais gringos que realmente não impressionavam ninguém, mas eram regulares e chegaram lá. Hoje, com o novo sistema de somar as duas melhores notas, só quem faz a diferença pode chegar lá, pois as notas são mais altas. O cara que surfa regular tem menos chances. Na minha opinião, o Teco, o Neco, o Peter, o Herdy e o Fabinho são os que têm mais chances, pois conseguem high scores com mais facilidade que os outros. Para atingir este nível, os demais brasileiros precisam de mais apoio financeiro para viajar e surfar outros tipos de onda.

 

Por que o Neco e o Teco não se interessam muito em correr o Circuito Brasileiro?


Não é uma questão de interesse, mas de tempo. São oito meses do ano dedicados ao WCT e WQS, então sobra pouco tempo. O Peter foi o único que tentou e conseguiu esta proeza, mas foi uma loucura a vida dele naquele ano. Ele corria na Europa, pegava um avião três horas depois de perder uma bateria. Vinha ao Brasil, corria e voltava à Europa três dias depois para correr uma etapa do Mundial. Viajar é ótimo, mas neste ritmo em que o Peter fez nos anos em que foi campeão Brasileiro é loucura. Tiro o chapéu para ele, pois conseguiu. Este cara é um guerreiro e sou um grande fã dele.

 

E o que você pensa a respeito do famoso “fórum” do Waves? 


 

O primogênito dos Padaratz vira na base com estilo, característica genética da família catarinense. Foto: Arquivo pessoal.
Sem dúvida a melhor cobertura do Circuito Mundial é do Waves e o fórum é uma maneira de todos participarem deste mundo, que às vezes é tão distante. Mas acho que deveriam pôr um filtro para as palavras de baixo nível. Sou a favor da liberdade de expressão, mas o respeito deve ser priorizado. Conheço um pouco de informática e é perfeitamente possível criar este filtro.

 

Você já surfou em diversos países. Como você analisa o tratamento dos gringos com os surfistas brasileiros?


As divergências sempre existiram e não sei quando vão acabar. Paulistas e cariocas, catarinas e gaúchos, gringos e brasileiros, havaianos e o resto do mundo. Infelizmente, o ser humano ainda não evoluiu o suficiente, mas chegaremos lá. Tem brasileiro que sai para viajar e esculhamba com tudo, arruma confusão, briga, etc. Mas é uma minoria. Os brasileiros que têm uma boa atitude não têm problema com ninguém no mundo, pois somos um povo alegre, de fácil relacionamento, e os gringos gostam disso. Respeito tem que ser conquistado, e não imposto. O Teco é um dos representantes dos atletas junto a ASP há muitos anos porque é um dos caras mais respeitados no Circuito. Ele conquistou isso durante seus 14 anos como profissional, e não botando a galera para fora da água na Mole, Joaca ou Camboriú.