O Furacão Catarina causou estragos no Sul do país. Foto: Neiva Daltrozo/Portal Terra. |
Na última quarta-feira (24/3), fiquei durante boas horas em frente ao meu computador observando a movimentação da ondulação e também conferindo as últimas do tempo nos principais sites do país para montar meus textos de previsões.
Naquela noite tranqüila, jamais poderia imaginar as transformações que estavam para acontecer.
Ainda na quarta-feira, conferi que um sistema de baixa pressão (frente-fria) poderia influenciar, de leve, o comportamento da ondulação para o final de semana.
No site do Cptec-Inpe, a altura significativa das ondas indicava que o mar ficaria em torno de 1 metro nas séries.
A minha segurança com os dados observados foi tanta, que produzi um texto para o 365º informando que as ondas estariam na faixa de 1 metro e na quinta-feira (25/3), durante a gravação do meu quadro ?Diz Aí? na TVBV, que vai ao ar todos os sábados às 10:30h, comentei que o mar não estaria “o bicho”.
No sábado, o pico do Gravatá bombou altas. Foto: Bruno Chemin. |
Sábado (27/03) –
Acordei por volta das 5:30h e me joguei em direção as praias do leste da ilha. Do morro da Lagoa da Conceição, pude notar que mudanças significativas haviam ocorrido durante a madrugada.
Lá do alto, pude ver espumas que deixavam a praia da Joaquina totalmente branca. Cheguei na Mole ainda clareando. O céu encoberto e um ar frio com a temperatura na casa dos 19ºC.
No canto direito da praia do Gravatá, uma série com muito volume quebrava junto às pedras da ponta do Dragão. As quatro ondas seguintes varreram tudo! Como não havia ninguém na água, fiquei em dúvida no tamanho das ondas para poder colocar no informativo que faço via telefone (0xx48 30289494).
Bruno Chemin, fotógrafo do Wavescheck, era um dos poucos que estavam no estacionamento do centro de treinamento da Mormaii e fotografou toda essa série. Conversamos rapidamente e ele seguiu atrás de outras praias. Fiquei por ali, observando atentamente as séries e conversando com a galera que chegava para conferir o mar.
Várias casas foram destruídas. Foto: Neiva Daltrozo/Portal Terra. |
O campeão catarinense de longboard Leandro Silva, irmão da atual líder do WCT, Jacqueline Silva, apareceu por lá acompanhado do Bira Schauffert com a informação que no Camping da Barra as ondas estavam grandes e fechando muito.
Meu telefone não parava. Neguinho ligando de Itapirubá, Brava, Ibiraquera, Santinho. O repórter Rochinha me ligou da praia do Silveira comentando que as ondas estavam bem cascudas, alinhadas e querendo mais detalhes das praias do leste. Naquele momento, todos buscavam maiores informações.
Durante toda a manhã, direitas pesadas rolavam no canto direito da Mole, para alegria geral de quem estava com pranchas grandes e com fome de surf. No meio da praia, a forte correnteza não deixava ninguém parado no outside. Por volta das 11:30h, as ondas já começavam a perder tamanho e as séries estavam mais demoradas.
As ondas chegaram aos 5 metros em alto-mar. Foto: Waves.Terra. |
Na verdade, uma “cabeça d?água” chegou sem avisar, influenciada pelo sistema de baixa pressão, aquele que na quarta-feira indicava que o mar iria apenas reagir.
Quem saiu em busca de surf power, encontrou principalmente nas praias de Garopaba e Imbituba, ondas com boa pressão, porém com formação ruim. O vento sul/sudoeste que soprou durante toda manhã já estava virando mais para maral. O leste era questão de minutos.
Nas praias da ilha (Brava, Matadeiro, Camping da Barra e Ingleses), onde o sul era terral, as ondas entravam alinhadas e fechando muito.
Quem se deslocou para o litoral norte acabou dando com os “burros n’água”. Brava de Itajaí, Palmas e Balneário Camboriu com ondas caídas de 0,5 metro. O swell era mesmo de sudeste/sul e não sudeste/leste, conforme ?especialistas? haviam divulgado.
No final de tarde, o vento leste já soprava forte, e os boletins e emissoras de rádio informavam que a situação estava complicada. A costa catarinense estava na rota de deslocamento do ciclone extratropical. A Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros anunciavam estado de alerta geral.
Por volta da meia-noite, no extremo sul do estado de Santa Catarina e no norte do Rio Grande do Sul, ventos entre 100 e 150 km/h trouxeram pânico e destruição para os moradores dos balneários de Gaivotas, Arroio Silva, Rincão, Jaguaruna, Passos de Torres, e Torres no Rio Grande do Sul. O ciclone extratropical ou furacão grau 1, fenômeno raro, inédito no Atlântico Sul, passou causando inúmeros transtornos.
Domingo (28/3) – Postes caídos, árvores derrubadas, casas destelhadas, inúmeros desabrigados, mortes e destruição. O cenário era desolador naquele domingo de chuva fina e ventos fortes. Mais de 23 cidades foram diretamente atingidas pelo fenômeno. No rádio, pude ouvir relatos de pessoas que perderam tudo ou o pouco que tinham e já contabilizavam prejuízos. Na Mole, agora vazia, sem uma alma viva, pude observar o mar encarneirado, picado, totalmente irregular.
Ao contrário do que se previu, as ondas diminuíram consideravelmente. Logo cedo, uma onda cheia, desarrumada, em torno de 0,5 metro, quebrava no inside enfraquecida pelo vento. Algo de muito estranho aconteceu. A natureza estava se vingando de certa forma! Um final de semana para jamais ser esquecido.
A semana começa com marolas, mas na quinta-feira (1/4), vamos ter mudanças…
Discórdia – O ciclone se formou a cerca de mil quilômetros da costa. Batizado de “Catarina” por meteorologistas de Santa Catarina, o “olho” do ciclone atingiu a costa do Estado por volta das 23:50h do último sábado.
Ele foi classificado pelo Centro Nacional de Furacões dos EUA como “furacão categoria 1” (o mais fraco deles), na escala Safir Simpson (ventos entre 120 e 150 km/h).
Mas o Cptec (Centro de Previsão do Tempo e Estudos Climáticos), do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), rejeita essa classificação e prefere tratar o fenômeno como um ciclone, o que provocaria ventos de 60 km/h a 70 km/h e chuva moderada.
Entre as características raras do ciclone, estaria a presença do chamado “olho”, igual ao do furacão, além da movimentação atípica (do oceano para a costa). De acordo com o Cptec, um furacão registra ventos que chegam a 200 km/h ou 300 km/h.
No ciclone, essa velocidade fica em torno de 100 km/h. Outra diferença é a temperatura do oceano. Para a formação de furacões, a água precisa estar mais aquecida, algo em torno de 28ºC. A chegada do outono desfavorece o fenômeno, pois a temperatura do oceano não passa de 24ºC.