O carioca Rick Werneck sempre foi um homem ligado ao surfe e às artes, seja como fotógrafo, designer, criador e, recentemente, como músico.
Agora ele ataca como o mais novo colunista do site Waves.Terra e mostra que ainda pode surpreender aqueles que não acreditam na pluralidade de talentos de um profissional.
Casado há mais de vinte anos com Laila Werneck, uma das maiores incentivadoras do surfe feminino atualmente, ele busca inspiração justamente nesse renascimento para estrear com pé direito sua participação no Waves.
E para conhecer melhor a história desse já imortalizado personagem do surfe brasileiro, ninguém melhor do que o próprio para descrever, com emoção e ritmo, como em suas músicas, sua trajetória de vida:
“A minha primeira foto de surfe foi tirada em abril de 1981, na praia Vermelha, em Ubatuba. Foi uma foto de dentro d’água, que é minha grande paixão, com uma pequena Minolta a prova d’água. No final daquele mesmo ano, comprei uma tele 200mm com um conversor para 400mm e embarquei numa viagem pelo litoral brasileiro, saindo do Rio e indo até Paracuru, no Ceará.
Foram 45 dias de viagem, mas fomos assaltados num posto de gasolina, em Itabuna, e dancei no equipamento. Depois comprei outro equipamento e retomei a fotografia. Na volta da viagem, fui trabalhar na Cristal Graffiti, pintando os airbrushes das pranchas. Acabei me tornando um dos sócios e fiz o famoso logotipo CG torcido, que mudou radicalmente a cara das sedas de prancha.
Em 1986, quando quase ninguém conhecia o potencial do nosso Hawaii, fui para Fernando de Noronha. Naquela época, só havia quatro surfistas na ilha e surfávamos a Cacimba sem ninguém. Na volta, além de fotos em anúncios da Cristal, acabei publicando a matéria no extinto jornal Staff. De quebra, ganhei passagem e hospedagem para cobrir o histórico Lightning Bolt com ondas enormes, no Guarujá.
No final do ano, fui para o Hawaii de férias e acabei fotografando o campeonato mundial de bodyboard. Na volta ao Brasil, negociei as fotos por um dinheiro e mais uma viagem ao Peru. Dois meses depois, voltei a Noronha de barco, com uma rápida parada no Atol das Rocas. Desde então, esta tem sido minha meta de vida: viajar para fotografar e surfar lugares remotos do planeta.
Assim já conheci Peru, Chile, Costa Rica, Panamá, Trinidad e Tobago, México, EUA, Fiji, Taiti, Austrália, Nova Zelândia, Indonésia, Portugal, Espanha, França, Ilhas Canárias, Maldivas. Gosto de viajar também para conhecer outras culturas, mesmo que o lugar não tenha ondas.
Por isso, já visitei também Argentina, Canadá, Noruega, Suécia, Dinamarca, Alemanha, Holanda, Bélgica, Luxemburgo, Áustria, Suiça, Itália, Grécia, Iugoslávia (hoje Bósnia Herzegovina, Sérvia e Montenegro), Hong Kong (hoje China), Singapura, Coréia do Sul. Quando posso, levo minha família. Meus filhos Luke, de 8 anos, e Xande, de 10, já conhecem a Califórnia, o Hawaii, Fiji, Chile, Costa Rica e Panamá, além de duas viagens para Fernando de Noronha.
Em 1989, deixei a Cristal Graffiti e fui morar na Austrália, onde permaneci até 1992, desenhando logotipos para marcas de pranchas e surfwear como Insight, Egan Surfboards, Peter McCabe, Gunther Rohn, Peak Wetsuits e fazendo fotos ocasionais para as revistas Surfing Life, Waves, Surfing Snaps e Tracks. Na época, acabei me casando em Bali, com a Laila, numa cerimônia local, no pé de um vulcão, com todo o vilarejo convidado. Mais de duzentas pessoas e só um arranhava o inglês.
O amigo Xandinho eternizado no Tahiti. Foto: Rick Werneck. |
Em 1992, durante uma viagem a Portugal, acabei sofrendo um acidente de carro e o meu melhor amigo, o bodyboarder Xandinho, acabou morrendo nas minhas mãos, enquanto estávamos presos às ferragens do carro. Meu filho mais velho se chama Xande em homenagem a ele, a quem eu já havia prometido ser o padrinho. O curioso é que ele morreu exatamente no dia em que minha mulher descobriu que estava grávida.
A partir de 1984, trabalhei durante cinco anos e meio na Redley como gerente de produto, depois gerente de exportação e finalmente gerente geral da marca. Em 1999, passei um ano e meio em São Paulo como diretor de marketing da Hawaiian Dreams, promovendo a renovação da marca.
Em 2001, durante minha segunda viagem às ilhas Maldivas, comecei a fazer músicas, paixão que entrou no meu sangue como a fotografia. Atualmente, divido a minha vida entre minhas fotos, meus trabalhos de designer gráfico; minha banda, a Santa Máfia; o DVD sobre a surfista profissional Andréa Lopes, que estou produzindo desde o início de 2002; e agora a minha coluna ‘Mar Doce Lar’.“
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Uma das maiores expoentes do surf feminino brasileiro, Tita Tavares prepara as meninas da nova geração. Foto: Rick Werneck. |
A princípio a idéia era escrever sobre fotografia, mas acabei achando que tinha coisas mais interessantes para falar do que apenas de obturadores, diafragmas e ângulos inusitados.
Devo confessar que muito me inspirou a beleza das palavras do meu grande amigo, o ex-campeão carioca de surfe e vencedor de uma etapa do WQS em 1993, Julio Adler, que sempre me emociona com seus textos. Ele é a pessoa que melhor exprime em palavras as minhas fotos e um grande companheiro de viagens.
Enfim, falava eu de fotografia, mas fotografias falam por si só. Na verdade, gostaria de poder contar histórias, falar de lugares onde estive e principalmente de pessoas que conheci nestes 23 anos dedicados a mostrar, através das inúmeras lentes e máquinas que já tive, a minha visão do surfe.
E para falar de pessoas, mesmo correndo o risco de ser tachado de lobista, começo falando sobre a iniciativa de uma das pessoas que eu mais conheço nesta vida, minha mulher Laila.
Acabo de chegar de uma semana de surfe e descanso na Praia do Francês, após cobrir o Circuito Petrobrás de Surfe Feminino idealizado por ela, em homenagem a Deborah Farah, e me peguei pensando sobre como esse circuito, já no seu terceiro ano, começa a pavimentar o caminho do surfe feminino como alternativa de vida através do esporte.
Jéssica Marques mostra linha e estilo de gente grande. Foto: Rick Werneck. |
E não me venham com aquela velha história de que não é esporte e sim estilo de vida porque há muito tempo que o surfe já é os dois – embora não para todos – atraindo além de novos praticantes, seres periféricos com interesses puramente comerciai$$$!
Mas falava do esporte surfe e suas perspectivas e me veio à mente uma bateria que muito me emocionou, lá mesmo no Francês.
Num mar de “um metrão”, quatro meninas de no máximo dez anos disputavam com vontade o título Grommets da etapa. De todas, somente a pequena Gabriela Ramos, de apenas seis anos, era ajudada pelo pai. As outras três, Natalie Paola, Isabela Lima e Jéssica Marques, encaravam as séries, sozinhas, sendo que Isabela já é apontada pela profissional Brigitte Mayer como uma possível “big rider”, devido a sua atitude em mares maiores.
Antes de entrarem ouviram com atenção os conselhos da atual campeã brasileira, a “pequena notável”, Tita Tavares, que, impossibilitada pela ASP de participar por ser competidora do WCT, compareceu ao evento apenas para atuar como técnica das caçulinhas.
Naquele momento me dei conta de como este circuito – na verdade, um movimento que se ainda não chegou à sua praia, com certeza vai chegar – contribuiu para criar novas perspectivas para uma categoria que sempre esteve relegada ao segundo plano, em meio a campeonatos “masculinos”.
Isabela Lima também mostrou atitude no Francês. Foto: Rick Werneck. |
Não precisam mais esperar o mar baixar ou o maral entrar para correrem suas baterias, muito pelo contrário, agora elas só surfam quando o mar está bom. Esta preocupação da Laila – carinhosamente chamada de “Mamuska” – com o bem estar das competidoras é muito importante e a evolução é notável.
Um comentário da eterna campeã Andréa Lopes resume o ponto de vista de todas. “Agora somos tratadas como merecemos. Temos todas as condições de nos concentrar apenas na competição”. Por conta disso, o número de inscritas tem permanecido na casa de cento e cinqüenta por etapa e a cada ano apresenta valores cada vez mais precoces.
No primeiro ano o circuito revelou um dos maiores talentos dos últimos tempos, a cearense Silvana Lima, então com 17 anos, que fez três finais, faturou duas, levando o título, e logo depois ganhou uma etapa do WQS na Europa. No ano seguinte ela faturou o título do circuito de novo.
No ano passado a revelação foi a paraibana Diana Cristina, de apenas 13 anos, que dominou a categoria Mirim – não levou o título porque não foi à primeira etapa – e nesta temporada já ganhou uma etapa da Open.
A pequena Gabriela Ramos, de apenas seis anos, está no caminho. Foto: Rick Werneck. |
Além delas, surfistas como Gabriela Teixeira e Marina Werneck, também reveladas no circuito, já aparecem com destaque em campeonatos nacionais. As duas inclusive já representaram o Brasil em competições no exterior, ajudando o país a consolidar sua posição de potencia mundial do surfe.
Com o apoio de um patrocinador forte e um circuito feito sob medida para elas a renovação me parece garantida. As meninas de hoje têm tudo para se transformarem nas campeãs de amanhã… Nas mulheres do futuro.