Surf seco

Garra e determinação

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Neco Padaratz no Vodafone Open 2006: vitória da garra e da determinação. Foto: Mailman / Vodafone Open.

Na terra de Mark Richards, Neco Padaratz vira o rei do Vodafone Open 2006.

 

Se alguém tem o poder de surpreender e superar obstáculos, esse alguém é o senhor Neco, para quem eu tiro o chapéu.

 

Num ato absurdamente fantástico, animal ou mesmo sobre-humano, ele arrasou todos os adversários durante uma semana, venceu 11 baterias desde a segunda-feira no início da triagem e surfou o seu melhor nas finais, em ondas de 3 metros em Merewheater Beach.

 

Quantas situações adversas este camarada já passou.

 

Quase morreu afogado depois de ficar enroscado na bancada de Teahupoo em plena bateria; sofreu uma grave lesão nas costas e ficou afastado, sofrendo críticas; conseguiu voltar vencendo duas vezes o WQS; e recentemente perdeu a classificação, os pontos no ranking e o lugar na elite por causa de uma polêmica suspensão por uso de doping.

 

Agora, seu novo desafio é reconquistar seu lugar da maneira mais difícil, que é competir desde a primeira fase da triagem em boa parte dos eventos do WQS.

 

Da maneira como ele competiu e venceu o campeonato, fiquei chocado e orgulhoso de ver alguém com tanta garra, tanto surf de manobras radicais e fluidas, tanto feeling e competitividade.

 

Na bateria em que venceu a lenda local Mark Occhilupo, Neco mostrou profundo respeito e educadamente se explicou ao ídolo: ?Mark, estou reconstruindo minha vida?. O ídolo respondeu: ?Vai fundo?. Que essa performance inspiradora sirva de exemplo para os atletas da nova geração.

 

A recente comparação feita pelo presidente Lula do astronauta brasileiro com o campeão do automobilismo Ayrton Senna não faz tanto sentido como a vitória de Neco, que largou na última fila e chegou em primeiro. Grandes campeões se superam.

 

Nas finais, dia que o mar estava maior, Neco arrasou. Com uma prancha maior e uma disposição animal, ele arrancou vários noves dos juizes.

 

Na onda decisiva ele estava posicionado mais para o inside, percebeu que o adversário, o australiano Jarrad Howse, não foi e levou a espuma de uma onda de 3 metros nas costas, dropou deitado, levantou na base sem perder velocidade, fez a cavada e botou pra dentro.

 

A onda rodou bonita e ele saiu seco da sessão, dando aquela comemorada típica de um bom filho brasileiro. Nisso a onda armou uma junção monstruosa e Neco não aliviou, acertou o lip, voltou voando no floater e caiu no meio do repuxo, tomando o maior caldo numa atitude insana.

 

Os juizes adoraram e deram nota 9,93. Só não foi dez porque tecnicamente ele não completou a manobra ? mas era impossível. A atitude dele naquele momento decisivo da bateria fala por si só.


Eu vi o Neco competindo em ondas gigantes nas Pitangueiras, Guarujá (SP), na final da categoria Mirim do circuito brasileiro em 1988. Era um garotinho de uns 12 anos que fez a final e mostrou atitude. Caramba, aquele moleque virou um monstro.

 

Eu também acho que o Mark Richards deve ter ficado empolgado com as performances dele no dia da final. Neco valorizou o esporte dos reis e venceu um campeonato que eu nunca mais vou esquecer, porque o mar também ajudou.

 

Ahhhh Muleque!!!!