Viagem

Surf trip também é cultura

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Viagens reservam muitas surpresas e tesouros como este Secret mexicano. Foto: Arquivo pessoal Christian Moutinho.

Quando viajamos estamos sujeitos ao inesperado. Pode dar tudo certo ou pode dar tudo errado. Se der certo, terá os melhores momentos de sua vida. Se errado, a melhor lição. Esse é o espírito da viagem, ser surpreendido por qualquer adversidade, boa ou ruim, e extrair o máximo de proveito delas.

 

Quando viajamos para outro país para surfar esperamos realizar nossos sonhos. O máximo de ondas com o mínimo de pessoas surfando. Se possível só os amigos que compõem a barca. Queremos ver o desenho do rodapé do caderno da escola se tornar realidade. Ondas perfeitas, sol, coqueiros, tubos e água fresca.

 

Mas viajar também não é só surfar altas ondas, é aprender lições para a vida. Não há uma viagem em que nosso ponto de vista sobre diversas coisas não mude. Referências novas que ampliam nossas idéias, nos faz refletir sobre o que somos, o que temos, aonde vivemos, o que precisamos e o porquê das coisas.

 

O contato com outras culturas, conversar com pessoas com uma educação diferente é a grande lição de viajar. Ouvir suas histórias, diferentes pontos de vista, aprender sobre a política, história e cultura de outros países, ouvir de um estrangeiro sua imagem sobre o nosso país, faz parte dessa aula.

 

Assim criamos senso crítico e podemos nos situar melhor como cidadãos do mundo. Noções de respeito, dignidade e humanidade acima de tudo. Ficamos mais conscientes, implantando em nosso cotidiano atitudes diferenciadas, lutando pelas coisas boas, denunciando as coisas ruins.

 

Lembro de minha primeira queda em águas australianas, com a prancha embaixo do braço, rumo à praia, sonado e avoado pelo fuso horário, ao pisar na faixa de pedestres para atravessar a rua, o senhor que guiava seu carro parou imediatamente.

 

A essa altura eu estava estático em cima da calçada esperando que o carro continuasse seu trajeto. No ?deixa que eu deixo?, que durou vários segundos, um olhando para o outro feito primeiro contato de extraterrestres, o motorista acenou para que eu cruzasse a sua frente, o que fiz agradecendo pela boa vontade daquele senhor, o que o deixou sem entender nada.

 

O que era um costume para ele, para mim, um paulista que foge dos carros ao invés de trocar de calçadas, se tornava o primeiro contato com a educação de um país civilizado. Hoje, continuo fugindo dos automóveis, mas quando estou dentro do carro sempre paro para que pedestres tenham a preferência.

 

Ao me deparar com a corrupção dos guardas rodoviários peruanos constatei que a pobreza dos países latinos é generalizada.

 

Houve um dia em que, dirigindo pela Rodovia Pan-americana, fomos parados cerca de quatro vezes em menos de uma hora. E os guardas com a mesma ladainha, dizendo que estávamos desrespeitando as leis peruanas e teríamos que pagar uma multa diretamente a eles pelo ocorrido.

 

No fim, as coisas se acertavam com cópias das camisetas da seleção, mas ficavam as marcas da corrupção, da falta de recursos, seriedade governamental, e da maneira como nossa América foi colonizada. Conseqüências práticas da história.

 

As roubadas são o ponto máximo de qualquer viagem. São delas que saem as maiores risadas, pelo menos depois da ?trip?.

 

Sem esses perrengues os avôs não teriam o que contar para os netos. Por mais cascudo e sofrido que tenha sido o aperto, depois vira gargalhada, histórias de boteco e assunto de ?outside?.

 

Sobreviver a essas dificuldades em uma viagem é evoluir como homens, como seres humanos. Faz parte de nossa inteligência, que é a capacidade do indivíduo de se adaptar a novas condições de vida.

 

Fazer amizades, controlar situações de raiva, desespero, saudades, mesmo saber dosar nossa sede em direção ao pico e sorrir para o local chato que te rabeou pela terceira vez. Assim como devemos nos impor com as injustiças cometidas em nossa casa ou enfiar o rabo entre as pernas e pedir desculpas quando erramos. É tudo sobrevivência e vivência.

 

Como em qualquer viagem, chega a hora de voltar, deixar o paraíso, o sonho realizado e voltar para o cotidiano.

 

Pular novamente para dentro do carrossel e voltar a trabalhar, continuar pagando as parcelas da passagem e se contentar em matar as saudades dos lugares e das ondas somente olhando a foto emoldurada pendurada na parede, como se fosse um troféu.

 

Retornando ao Brasil, ainda temos de superar a ?depressão-pós-viagem-com-altas-ondas?, que bate toda vez que vamos surfar em nosso litoral. Ondas fracas, cada vez mais escassas e sem qualidade fazem parte de nossa realidade, o que ao menos nos deixa motivados para começar a planejar a próxima barca.

 

Para compensar, em nossas areias temos as mulheres mais lindas, em nossas cozinhas as comidas mais saborosas, em nosso povo o astral com mais energia, e isso tudo aliado ao melhor clima sem tufões, terremotos e tsunamis.

 

Isso vale a pena em viajar, aprender a valorizar e lutar por nosso país abençoado por Deus e bonito por natureza.