Fome de vitória

Brasileiros no jejum

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Neco Padaratz foi o último brasileiro a vencer uma etapa do WCT, em 2002, Hossegor, França. Foto arquivo: Ellis / ASP.

Existe uma pergunta que sempre alimentou debates, discussões, fóruns e que todas as pessoas envolvidas com o surf tentam responder, cada qual com sua opinião, porém absolutamente ninguém irá se colocar como o dono da verdade ou detentor do conhecimento.


Isso se deve ao fato de ser uma pergunta que não tem uma resposta única e objetiva, envolver paixões e, principalmente, ser um assunto que reúne diversos fatores, alguns até subjetivos.


A pergunta que não quer calar é “por que o Brasil não tem seu campeão mundial do WCT?”

 

Talvez uma maneira de tentar chegar perto de uma resposta, ou pelo menos encontrar pistas das razões para esse fato, se é que existem razões específicas, seria analisarmos a evolução e o desempenho dos surfistas brasileiros, desde que despontam como jovens valores promissores, até o momento que já como profissionais consagrados tentam o título máximo do surf mundial.


Será possível identificar em que ponto de suas carreiras e porque nossos atletas não conseguem acompanhar os resultados de australianos, havaianos e americanos?


Recentemente uma matéria muito interessante, redigida pelo assessor de imprensa da ASP South America, João Carvalho, mostrava claramente a predominância dos surfistas brasileiros dentro dos eventos profissionais da ASP, que poderiam ser considerados como a base da pirâmide profissional.


Nos 16 anos de divisão WQS e WCT, o Brasil venceu oito vezes o WQS, deixando os outros 8 títulos divididos entre as demais nações do mundo.


Da mesma maneira, nos campeonatos mundiais Pro Junior, que podem ser considerados uma projeção do melhor teremos no surf profissional mundial nos próximos anos, temos uma hegemonia brasileira. Das nove edições realizadas, os brasileiros venceram quatro.

 

Portanto, a primeira conclusão, óbvia, é que a preparação dos surfistas brasileiros para adentrarem na vida profissional está sendo bem feita.


As competições realizadas pelas federações estaduais filiadas à CBS, assim como o Circuito da própria CBS, têm as mesmas regras que as utilizadas pela ASP, assim como critérios de julgamento.


Não se verifica uma defasagem entre nossos jovens surfistas com relação aos estrangeiros, em seu primeiro momento como surfista profissional.


Os números acima demonstram clara e inequivocamente isso. Em absolutamente qualquer tipo de competição internacional, seja ASP, ISA ou Pan-americana, os resultados de brasileiros amadores ou profissionais jovens não deixam nem um pouco a desejar com relação a qualquer país do mundo.


Então, onde poderíamos encontrar a bifurcação ou o ponto em que nossos surfistas começam a ficar em desvantagem, na luta pelo título ou etapas do WCT?


Muito se fala sobre julgamento, mas em sã consciência fica difícil argumentar que um julgamento que define campeões mundiais brasileiros no WQS, Pro Junior, ISA e outros, passe a prejudicar nossos atletas quando a história é WCT.


Também não é muito coerente se pensar que os critérios possam mudar dentro de uma mesma entidade. Uma das respostas mais naturais e óbvias é o tipo de onda onde o WCT é disputado.


Um tipo de onda não disponível facilmente em nossa costa e, portanto, quer queiram ou não, e salvo raríssimas exceções, um tipo de onda que não fez parte da escola e da formação do ?DNA? do surfista brasileiro.


Podemos até arriscar dizer que somos os melhores do mundo em beach breaks, mas a realidade é que o WCT definitivamente não é um circuito de beach breaks.


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Fábio Gouveia faturou quatro etapas do WCT, recorde entre os brasileiros. Foto arquivo: Caio Guedes / Solto.

A questão não é aprender a surfar bem em point breaks. Isso eles já o fazem. A questão é fazê-lo melhor que os gringos, que se já não nasceram nestas condições, têm barreiras econômicas e culturais muito menores do que os nosso bravos atletas têm, para treinar e se colocarem à vontade e competitivos nessas condições.


Desnecessário falar sobre a diferença de condição econômica e de facilidades que um gringo e um brasileiro enfrentam. Vamos, por exemplo, pegar os dois últimos campeões mundiais Pro Junior: Jordy Smith e Pablo Paulino. Os melhores profissionais do mundo com até 20 anos de idade em 2006 e 2007.


Seria interessante a gente rastrear que tipo de onda foram e serão surfadas pelos dois no último ano e no próximo ano.


Quantas horas de treino em ondas grandes, tubulares e em fundo de coral ou pedra. Vamos contabilizar para o brasileiro e para o sul-africano?


Seria coincidência que os resultados brasileiros no WCT começaram a ser menos significativos, quando a entidade passou a priorizar as disputas em locais de características que não são as que nossos surfistas têm suas melhores performances?


Neste ponto se faz necessário frisar que não estou dizendo aqui que o surfista brasileiro não consegue surfar bem nesse tipo de onda, mas sim que fica bastante difícil derrotar os gringos em uma condição que é mais familiar e freqüente para eles.


Finalizando, existem vários fatores e principalmente etapas a serem observadas e cumpridas neste árduo caminho, que deve ser percorrido para que nossos atletas tenham melhores resultados no WCT.


Estes fatores e etapas compreendem cada um dos estágios pelos quais um surfista passa, até chegar ao WCT, e isso envolve associações, federações, CBS, ABRASP, ASP South America, mídia e patrocinadores.