Ainda lembro bem, nos tempos paulistanos, a espera ansiosa pela musiquinha do Hawaii 5.0 toda sexta-feira à noite para ouvir as notícias do Trip 89 na voz do Paulo Lima.
Saber das novidades dos esportes de ação, previsão das ondas, alguma entrevista maneira com atletas em evidência, saber das últimas dos campeonatos e ouvir um som maneiro.
Sempre dava uma conferida na Star Point de Moema para ver se havia aparecido algum filme de surf novo importado ou algum lançamento nacional com imagens de nossos atletas quebrando em ondas perfeitas ao redor do mundo.
Fora a passada na banca para folhear as caras revistas gringas, ver as fotos alucinantes impressas em papel de alta qualidade e saber os lançamentos dos equipamentos que demoravam anos para chegar ao nosso mercado.
Ir de vez em quando aos campeonatos de surf e ver de perto o que normalmente víamos congelados nas imagens das fotos, era um excelente encontro com a realidade.
Contudo, os campeonatos com a presença de atletas estrangeiros eram poucos e a quantidade dos gringos que vinham também era de pouca expressão.
Os campeonatos de surf não eram televisionados e, raramente, falava-se alguma coisa nos telejornais esportivos brasileiros.
Até então, na concepção de muita gente, os brasileiros poderiam ser campeões do mundo em qualquer situação, poderíam ganhar de qualquer um. Principalmente levando-se em conta o que escreviam os nacionalistas colunistas donos de marcas ou patrocinados por elas.
Os filmes são editados e, às vezes, é necessário filmar por meses ou anos para extrair 45 minutos de filme com boas imagens.
Se o orçamento não permitia adquirir as revistas gringas todo mês, a solução era devorar as brasileiras com as últimas notícias e trips de nossos intrépidos ídolos.
No geral, era assim que, na década de 80 e no início da década 90, ficávamos bem informados do que acontecia no mundo do surf.
Confiar nas palavras dos repórteres e colunistas auxiliados pelas imagens das revistas era um grande risco, gerou um sentimento precoce e errôneo de que ?o Brasil vai ter um campeão mundial do WCT em breve?.
Quando leio o fórum das reportagens e matérias no Waves e algumas cartas de leitores nas revistas, isso é percebido claramente. Se tivéssemos sido mais realistas desde o começo, teríamos feito um trabalho de preparação muito melhor da torcida e, sobretudo, dos atletas.
Mas agora não vale chorar pelo leite derramado, vocês precisam aprender na marra que a realidade é outra. Antigamente tínhamos um quebra-cabeças gigantesco para compôr o cenário, mas a casa caiu!
A internet e as transmissões ao vivo dos campeonatos desmascararam e desmistificaram o que poucos realmente sabiam: como nossos ídolos surfam de verdade nas baterias dos grandes circuitos.
As transmissões estão ficando cada vez melhores. Os replays, os ângulos variados e as entrevistas logo que as baterias acabam são sensacionais. O que precisa melhorar bastante são as narrações, tanto dos gringos como a dos brasileiros.
Os gringos puxam aquela sardinha deslavada em canal aberto, qualquer um que entenda o mínimo de inglês vai perceber que a louvação é explícita. Se compararmos com o futebol, por exemplo, nas transmissões fica difícil saber para qual time o narrador torce, já no surf não.
O gringo dá uma batida na onda e é ?baaaaaaaaang, huuuuuuge?, o brasileiro dá uma batida e é ?nice turn?. Falta profissionalismo e a consciência de que não se trata de uma transmissão local. Mas os narradores gringos, em termos de informação e conhecimento, ainda são melhores do que os brasileiros.
A narração e comentários dos brasileiros cometem alguns pecados básicos que os descredibilizam de ter aquele toque mais jornalístico, ao mesmo tempo em que têm a vantagem de passar algo mais despojado, relax e até engraçado.
##
A diferença de volume dos microfones, a troca constante de nome de atletas, erros de concordância gramatical na narração e algumas músicas da Ivete Sangalo de fundo são alguns pontos que precisam melhorar.
Mas, como no surf a imagem vale mais do que mil palavras, apertar o botão ?mute? pode ajudar na hora de fazer uma observação detalhada das baterias.
Na Gold Coast não restaram dúvidas de que Mr. Slater esteve endiabrado. A estrela do ?ET? brilhava com a força de quem tem oito canecos na estante de casa, o surf apresentado foi simplesmente irretocável.
O estilo perfeito, ao mesmo tempo que único, a variação das manobras, a fluidez, a velocidade e a precisão dos movimentos, espantou a todos, tenho certeza disso.
Quem achou que Slater estava mais para relaxar e ver se ainda tava no pique de seguir o Tour, teve sua resposta.
Quem assistiu às baterias do Slater sabe que, das poucas vezes em que ?quase? complicou-se foi na primeira fase, onde Pedra ?quase? mandou o careca para a repescagem, e quando ?quase? Mineirinho tira uma segunda nota alta (precisava de 8.83) para eliminá-lo nas oitavas.
O surfista brasileiro que chegou mais perto dos mestres do estilo, força, variação, velocidade e precisão foi, sem dúvidas, o apresentado por Adriano de Souza. Bastante concentrado desde a primeira rodada, o brasileiro errou pouco e transpareceu que o garoto-prodígio, campeão Pro Jr, está cedendo lugar ao homem adulto do WCT.
Em recente entrevista à revista australiana Waves, um dos fenômenos da terra dos cangurus, Josh Kerr, de 23 anos, revelou sua insatisfação e despreparo para correr o WCT.
Acha que os surfistas muito novos que entram nos Top 44 perdem a magia de surfar com irreverência, de ousar nas manobras justamente por terem o compromisso com a precisão. Ele cita Bruce Irons como exemplo: ?ele agora é só mais um competidor no mix?.
Esse parênteses foi para ilustrar que Adriano de Souza não fraquejou e não se abateu como Josh Kerr, que tem um tipo de surf mais voltado para o free surf do que para as competições. O australiano preferiu sair de cena da frente dos palanques e optou por ser free surfer na frente das câmeras dos videomakers.
Tim Curran também declarou que perdeu o interesse pelas competições e cansou de ocupar posições intermediárias no circuito. “Todos que estão ali querem ganhar, mas não é simples enfrentar Andy, Slater, Taj, Parko e Fanning. Cansei dessa frustração”. Curran optou pela música e também voltou-se para o free surf.
Mineirinho segue firme e forte como competidor nato. Meu toque é que o brasileiro reflita positivamente sobre os dizeres de Kerr e Curran e não perca o go for it nem a irreverência mágica dos atletas mais jovens.
Heitor Alves foi muito bem de backside debutante! Surfou com estilo e personalidade de alguém com fome de seguir em frente. Na derradeira derrota para Super Slater ? o carrasco dos brasileiros em Snapper ? pareceu que o super-herói (ou seria vilão?) colocou kriptonita na lycra de nosso super cearense, ou seja, a prancha atolou, a velocidade faltou, a estratégia de competição desligou e o sonho acabou.
Leo Neves foi bem pelo resultado e pelo surf consistente, mas não passou por nenhum atleta de expressão. Foi só pegar Fanning (que nem precisou mostrar tudo que sabe) para dar adeus a Gold Coast. Passou por Tiago Pires e Neco Padaratz, nada de muito novo. Vamos ver em Bells, tomara que ele relembre o que aprontou e Sunset no fim do ano passado.
Neco Padaratz decepcionou. Caiu em ondas fáceis e não mostrou nada daquele tal ?foco? que declarou em sua entrevista ao site Waves. Na última semana, andou treinando para o WQS de Soldiers pelas bandas de Sydney. Quebrou a vala num pico chamado Surf Rock, em Collaroy, alguém conhece?
Rodrigo Dornelles sucumbiu perante o americano Ben Bourgeois, de 29 anos, que mostrou um surf mais rápido e moderno do que o brasileiro, mas o confronto foi decidido nos detalhes.
Acredito no Pedra nos mares mais cascudos e maiores. Snapper é leve e perfeito demais para alguém que carrega uma pedra no apelido.
Já ia me esquecendo de Jihad Khodr, nossa outra novidade promissora no Dream Tour. Mas, alguém pode me responder: Jihad veio para a Gold Coast?
Bells Beach falta pouco para começar, continuaremos na torcida e nas alfinetadas construtivas.
Será que algum de nossos atletas pode tocar aquele sino do troféu?