Segunda parada do WCT concluída, e tudo segue quase que sem graça de tão previsível. Se não fosse por episódios tragicômicos que marcaram esta etapa, como a performance desastrosa do visivelmente desanimado tricampeão mundial Andy Irons nas quartas-de-final, quando conseguiu a façanha de somar 2,80 ao final de uma bateria, arriscaria dizer que estamos prestes a presenciar mais uma temporada apenas de confirmações, mas definitivamente distante de fortes emoções e renovação no quadro da elite mundial.
Depois das fases iniciais e repescagem, recebi uma enxurrada de e-mails, scraps e torpedos. A grande maioria questionando o julgamento de algumas baterias, e o quanto uma avaliação tendenciosa ou equivocada poderia comprometer o desempenho de um atleta durante sua bateria e até alterar um possível resultado surpreendente. Então, vamos lá.
Alguns resultados da primeira fase poderiam e muito ajudar a quem tanto palpita a respeito da integridade e competência dos árbitros, a criar critérios mais apurados de avaliação e comparação, afinal um ?figurão? como o garoto prodígio, ídolo nacional e número um da equipe do principal patrocinador do evento, Mick Fanning, rodou de maneira incontestável para o novato, mas nada pouco experiente, Adrian Buchan.
Numa bateria em que não faltou onda boa e muita competitividade por parte de ambos, Mick foi solidamente derrotado por Adrian e ainda, de lambuja, foi deixado para trás pelo convidado Stuart Kennedy, a quem depenou sem dó nem piedade na repescagem.
Ainda na primeira fase, somente Rodrigo Dornelles entre os brasileiros conseguiu carimbar o passaporte para o round três. Numa bateria muito bem surfada por ele e seus oponentes, Pedra despachou dois grandes favoritos naquelas condições, o havaiano Roy Powers e o aussie Luke Stedman, que vinha surfando muito nas sessões matinais de free surf.
Rodrigo não teve a maior nota da bateria, surfou apenas três ondas, mas com muita consistência e precisão arrancou da cabine de julgamento o necessário para avançar direto ao round 3.
Todas as honras mais uma vez a Adriano de Souza, que novamente teve um duelo duríssimo com Kelly e quase manda o careca à repescagem para pensar na vida.
Mineiro liderou quase toda bateria, mas faltando sete minutos para o final, assistiu a Slater surfar de forma impecável uma das melhores ondas do campeonato, arrancando um 9,50 e deixando o brasileiro e o mero coadjuvante Troy Brooks correndo atrás do prejuízo.
Quem assistiu às fases iniciais, especialmente primeiro round e repescagem, teve a oportunidade de identificar como os juízes estavam avaliando as performances e ajustando os critérios de julgamento para as fases seguintes.
Isso é razoavelmente fácil de se perceber, especialmente se você consegue deixar de lado o gosto pessoal por um determinado estilo ou um excesso de fanatismo patriótico, e assiste com ?olhos de ver? ao trabalho de árbitros profissionais, preparados para assistir a um espetáculo e premiar aquele que no fim do ato foi o melhor em cena.
Infelizmente não são todos os atletas que conseguem enxergar e perceber isso, e alguns insistem em permanecer no erro, achando que um repertório pobre de manobras, aliado a uma leitura medíocre da onda, vai ser considerada pelos árbitros como bom surf, e saem distribuindo sopapos a 3×4 em qualquer brecha que aparece na onda.
Aí, no fim dela, quando já está exausto de tanta bordoada, consegue levantar a cabeça e enxergar a possibilidade de um ?floaterzinho?que acaba salvando os respectivos árbitros de lançar mais um score pobre em sua papeleta.
Tudo no trabalho de julgamento é baseado em parâmetros de comparação, direcionados por critérios claros de avaliação da performance de um surfista durante a bateria. Surfar com velocidade, precisão e força é o que mais arrecada scores excelentes dos árbitros, principalmente se essas qualidades forem observadas na parte crítica ainda nas primeira e segunda seções da onda.
Não importa a quantidade de manobras executadas ou extensão de onda surfada, não se trata de nenhuma quebra de recorde ou de torneio de quem surfa a onda mais longa ou quem consegue fazer o maior número de manobras numa mesma onda. Isso já era ridículo na década de 90, mas assistir a alguns atletas nos dias de hoje, e pior, numa competição do nível de um WCT insistirem em pensar assim é lamentável.
Seguindo na competição, ficou ainda mais claro o que era um surf excelente a partir do round quatro, onde infelizmente os últimos remanescentes tupiniquins acabaram deixando a competição e ocorreu uma das baterias mais questionadas quanto ao julgamento, a disputa de número 4, entre Adriano de Souza e Mick Fanning.
Adriano, para mim, é o atleta brasileiro mais bem preparado para o tour na atualidade. Surfa com precisão e muita qualidade no repertório das manobras que escolhe para aplicar na onda, mas infelizmente não conseguiu mostrar tudo o que sabe na bateria contra Mick, que também teve uma performance pobre, mas conseguiu superar Mineiro, principamente por surfar com mais velocidade e precisão na conexão da sua seqüência de manobras aplicadas.
Posso até concordar que a nota 8.0 que Mick Fanning recebeu nesta bateria não estava na minha escala de avaliação quando assisti ao duelo, mas apenas dois juízes concordaram com minha escala. Outros três definiram a onda como “excelente surf”, mas isso definitivamente não alteraria o resultado da bateria, muito menos o resultado final do campeonato, uma vez que Fanning continuou não encontrando o melhor do seu surf nas quartas e foi mandado de volta pra Gold Coast por um inspiradíssimo Bobby Martinez.
Um fator que evidentemente faz com que os juízes olhem com mais atenção para determinado atleta é o quanto esse atleta é comprometido com os critérios de avaliação do surf de competição no circuito mundial, seja no WCT masculino ou feminino, ou ainda nas divisões de acesso como os WQS e Pro Junior.
Um atleta que surfa de maneira inteligente, que estuda o adversário antes e durante a bateria, que sabe o que e como aplicar numa onda para buscar a nota que está precisando, terá sempre a atenção e a reciprocidade por parte dos juízes na hora de ter sua onda avaliada.
No final, o que pareceu surpresa para muitos não deve ter chocado quem realmente aprecia surf de qualidade. O segundo pódio consecutivo de Kelly Slater nesta temporada é um indicativo do que mais é apreciado por quem julga o espetáculo e, conseqüentemente, premia o melhor artista.
Aos 35 anos de idade, mais careca e rico do que nunca, Slater iniciou a temporada ameaçando parar, dizendo não ter mais o mesmo ritmo de competição dos mais novos, mas continua fazendo escola, especialmente para quem gosta de estudar, em vez de sentar choramingando a falta de sorte de não ter tido boas notas.