Depois de dezesseis horas de viagem, oito de vôo do Rio de Janeiro até a Cidade do Panamá e oito na rodovia que corta o país sentido Norte rumo à Costa Rica, o Jamanta (apelido dado ao motorista da van que levava a galera) soltou aquela gargalhada sinistra e fez um comentário que naquele momento ninguém queria escutar: “brasileiros malucos esta praia fica no fim do mundo”.
O fim do mundo era o Surf Camp de Morro Negrito situado ao Norte do Panamá, mais precisamente, no Golfo de Chiriqui. A barca organizada pelo ex-surfista profissional Ricardo Tatuí, que já havia estado em Morro Negrito em 2006, contava com uma galera multidisciplinar em busca de ondas perfeitas e aventura.
Já na chegada, ainda dentro do bote, nos deparamos com dois picos de ondas pequenas, porém perfeitas, Emily e The Point. Na empolgação alguns nem se acomodaram e partiram para dentro d’água. A perfeição das ondas em Emily e o cansaço da longa viagem quase fizeram com que todos ficassem por ali mesmo, porém a pilha dada pelo Steve, anfitrião do Surf Camp, e algumas doses de guaraná em pó nos deram gás para que seguíssemos rumo a ilha, um verdadeiro secret point.
Já no caminho dava para sentir que a ondulação aumentava de tamanho conforme nos aproximávamos do local. Mortos de cansaço, depois de um dia inteiro de viagem, enfim avistamos o que queríamos. Esquerdas de 2 metros quebravam em cima de uma bancada de pedras. Ondas que percorriam quase os 1,5 quilômetros de comprimento da ilha.
Na empolgação preparei minha caixa estanque e pilhei uma parte da galera para cair onde as ondas estavam maiores, P-Land era o nome deste primeiro pico. Os outros caíram em Left Over, onde as ondas estavam menores, porém bem mais longas.
Todo o cansaço naquele momento havia desaparecido. Água quente, translúcida e ondas perfeitas saciavam a secura de todos. Dentro d’água, depois da adrenalina baixar, pude contemplar a paisagem onde eu me encontrava, a ilha parecia desenhada à mão, tudo estava em seu devido lugar.
Areia branca com pedras escuras combinava com a vegetação nativa e em frente da bancada onde quebravam as ondas, num simples casebre, um único privilegiado telespectador sentando lá no alto observando tudo como se fosse o dono daquele lugar mágico.
Depois de boas horas de surf o cansaço voltou, mas agora já com aquele gostinho de vitória. Todos embarcamos no bote e rumamos de volta ao Surf Camp.
No dia posterior retornamos à Ilha, as ondas estavam mais baixas, com pouco mais de 1 metro. Estava clássico, com esquerdas perfeitas de doer a perna ao final da onda. O crowd causado pela galera da barca com mais alguns gringos nem incomodava, o conjunto da obra valia todo o esforço de estar ali.
Mais um dia se passou e a esta hora já com a cabeça feita de surf e cheio de fotos na minha Nikon, pude reparar ainda mais a beleza da ilha. Ao retornar fomos contemplados com um fim de tarde mágico onde a ilha parecia atrair toda a energia da natureza. Sol, chuva, raios, arco íris, ondulações, todos os elementos da natureza pareciam atraídos por aquele lugar.
Na manhã seguinte, a previsão era que este seria o último dia de ondas naquela semana, rumamos novamente para a Ilha, só que neste dia eu e o Tatuí resolvemos explorar a ilha a pé. Já na praia, onde o bote nos deixou fomos recebidos pelos locais da ilha, uma família. Um deles nos acompanhou pela trilha até em frente ao pico de Nestles, uma direita forte que pudemos experimentar no último dia antes de partirmos de Morro Negrito.
Um senhor com cerca de oitenta anos e com um rosto muito marcado pelo sol nos recebeu e nos apresentou sua “casa” e o seu quintal – ele era o dono da Ilha, o seu “Silva”.
De sua casa podíamos ver todos os picos da ilha quebrando e várias piscinas naturais. As pupilas dos meus olhos se dilataram e eu queria ficar ali absorvendo toda energia daquele lugar por pelo menos mais alguns minutos.
Com a alma renovada fomos embora da ilha e nos dias restantes da viagem, ainda conseguimos surfar algumas pequenas ondas no pico de El Toro em Morro Negrito e em Santa Catalina, pico de surf mais tradicional do Panamá.
Toda surf trip tem sua roubada. É cansativo, pessoas entram em divergências, lutamos contra o tempo, os imprevistos, mas nada nos faz sentir tão vivos quanto lutarmos para chegar até o “fim do mundo”, ou melhor, até a Ilha “Silva” e lá encontrar o que realmente queríamos: o espírito de superação e aventura do surf e lembranças que vão ficar para sempre na memória.