Bom de bico

Brasil, potência do longboard

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Picuruta Salazar leva a melhor na etapa baiana. Foto: Lima Júnior.

O longboard brasileiro consolida-se cada vez mais como potência mundial. Prova disso foi a realização de duas etapas do circuito qualificatório (Longboard Qualifying Series) no Nordeste (BA e PE), entre os últimos dias 17 e 27/9. Os eventos distribuíram US$ 15 mil cada.

 

Uma legião de longboarders de todos os cantos do mundo, incluindo surfistas da Argentina, Peru, Venezuela e Estados Unidos, compareceu para disputar duas importantes vagas destinadas ao WLT 2010 (World Longboard Tour).

 

Além do mundial LQS, os dois eventos valeram como a segunda e terceira etapa do circuito brasileiro profissional feminino, sem falar que a CBS homologou todas as demais categorias amadoras (Júnior, Adulto, Master e Super Master).

 

Deca reina em Maracaípe (PE). Foto: Lima Júnior.

Foi assim que o Nordeste brasileiro transformou-se na capital do longboard mundial, mesmo que apenas por duas semanas.

Pena Bahia Longboard International – O campeonato rolou em Jaguaribe, tradicional pico do longboard soteropolitano. Até o começo da semana as ondas estavam bastante consistentes e me arrisco a dizer que tinha altas, mas quando o campeonato começou as condições ficaram complicadas, principalmente na maré seca.

 

As primeiras fases mostraram a qualidade dos surfistas que pleiteiam uma vaga na elite (WLT). Destaque para o paulista Jefson da Silva (Jejé) e o carioca André Luiz “Deca”, que literalmente passeavam no bico das pequenas ondas que quebraram na capital baiana.

 

No terceiro round, os tops do WLT esperavam pelos guerreiros que vinham das primeiras fases. É impressionante o nível técnico de um campeonato de longboard no Brasil. Vários surfistas que estão chegando provam a cada etapa que os tempos são outros e vêm mostrando isso com sólidas apresentações.

 

Por exemplo: Rodnei Costa, Geraldo Lemos, Deca, Jejé, Aladin, Abolição, Leco Salazar, Alex Leco, Adriano Lima, Jonas Lima, Kleber Silvano, Matheus Cunha, Robledo Oliveira, Jeferson da Silva, Diguinho Sphier, Gabriel Nascimento, Rodrigo Saci e o explosivo baiano Rogério Vasconcelos.

Qualquer um deles pode surpreender como o Deca e o Diguinho fizeram recentemente.

 

A partir da quarta fase, as baterias homem-a-homem pegaram fogo e assim foi até a final. Nas oitavas, eu e o Mulinha fizemos uma bateria memorável. A cada onda surfada a liderança mudava de dono. Até que nos segundos finais, achei minha onda salvadora com o “Nilo” já na areia. Nem acreditei!

 

Roger Barros vinha embalado, esbanjava categoria no bico, assim como o americano Tony Silvany, que abusou dos truques do surf clássico e faz um dos maiores somatórios da competição. Nas quartas, o Phil e o Picuruta mostraram que queriam o título e eliminaram os nose riders Roger e Tony.

 

Essa bateria (Gato x Tony), foi a melhor do campeonato. Altíssima performance dos dois surfistas e show para baiano levantar da rede e aplaudir de pé. Logo depois, o Jejé e o Deca eliminaram, respectivamente, eu e o Bahia.

 

As semifinais foram boas, mas o mar não ajudou. Mesmo assim o Phil fez o suficiente para superar o Deca, que não conseguiu o mesmo desempenho das fases anteriores. Na outra semi, alguém tinha que tirar o Jejé do campeonato, porque do jeito que ele vinha parecia que ninguém conseguiria brecá-lo. Ninguém melhor do que o Gato véio para assumir essa missão. No fim, Picuruta e Phil na final.

 

E que final! Digna de circuito mundial. Uma bateria na qual tudo poderia acontecer. E o Picuruta não decepcionou. Mostrou muita fluidez e energia para vencer o atleta carioca.

 

O ponto alto foi o julgamento, que valorizou perfeitamente o surf de longboard. Ao perceber isso, as manobras de nose foram bastante exploradas pelos competidores. Vale ressaltar também a locução do Taiu, que elevou o evento a outro patamar com seu conhecimento sobre a história do esporte e a vivência de um surfista completo.

 

Confesso que andava preocupado com a forma de julgamento que vem acontecendo no WLT, mas nessas etapas do LQS foi muito gratificante ver o nose sendo valorizado como deve, bastava pendurar os pés no crítico com velocidade e as notas saíam com facilidade, remetendo às lembranças de quando competíamos com os mestres Joel Tudor e Kevin Connelly.

 

O fator negativo foi a necessidade de uma cirurgia de emergência no Eduardo Bagé, que sofreu forte crise de apendicite. Ele veio diretamente da França para competir no Brasil, mas infelizmente foi impedido por esse imprevisto. Fica nossa solidariedade com o “Pagé” e a esperança de vê-lo na próxima etapa do circuito brasileiro que rola em Santos (SP) nos próximos dias 10 e 11 de outubro.

 

Faltou banheiro público para os atletas. Na praia mais popular da capital baiana, ficar sem banheiro público foi constrangedor. Fica o alerta.

 

Pena Pernambuco Longboard International – No melhor estilo reggae roots, sem ondas, a caravana do longboard foi chegando aos poucos na velha Maracaípe. Depois de rever os amigos, passear pelas piscinas naturais e literalmente “pagar” de turista, um bom swell encostou e fez o clima esquentar.

 

Mas no dia que as baterias começaram as condições haviam voltado à estaca zero, com ondas pequenas e fechando, o que prejudicou bastante a performance dos longboarders.

 

Alguns resultados tiveram grande influência do mar, mas o maior destaque foi o sempre perigoso Marcelo Freitas. Mesmo afastado das competições, ele continua com um surf moderno.

 

Os finalistas da etapa baiana ficaram pelo caminho. O Sphier eliminou o Picuruta nas oitavas e o Roger segurou o Phil na fase seguinte com uma atuação de primeira e noseridings que fizeram a diferença. Fato curioso naquelas condições de mar que favoreciam o “power surf” do Phil.

 

Mais uma vez Mulinha e eu fizemos uma bateria equilibrada, numa situação bem parecida com a da etapa anterior. Garanti minha vaga na semi com uma onda salvadora no final. Ele vinha se destacando com notas acima da média e essa vitória aumentou bastante minha confiança.

 

Mas não adiantou a confiança adquirida, pois peguei pela frente o predestinado André Luis, o Deca. O cara surfou, remou, deu todo o gás possível e conquistou o seu primeiro título como profissional.

 

A final foi alucinante, contra o não menos talentoso e aguerrido Carlos Bahia. Com dois high scores surfados no final da bateria, o resultado só foi dado quando ambos estavam na areia, carregados pelos seus amigos, num gesto que mostrava a verdade daquela situação: qualquer um poderia ter vencido.

 

Uma cena emocionante, amparada na estreita relação de amizade e união entre a tribo do longboard brasileiro, num local que há cinco anos recebeu a caravana do pranchão e que se transformou num palco tradicional da modalidade.

 

O ponto negativo foi o fato do Alex Leco não poder competir em Maracaípe devido a um forte mal-estar que durou a semana toda. A causa foi investigada, mas não identificada. O ponto alto foi que Leco acabou convidado pela organização para participar da locução do evento, mostrando porque é um cara considerado no meio. Sua locução enriqueceu os detalhes técnicos sobre os competidores. Lequinho fez análises perfeitas, de quem realmente entende do assunto.

 

Em nome dos atletas, agradeço nossos amigos Bu, Duda e Dudu, que fazem a melhor pizza de Maracaípe. Ao Mano Brow, ao Magro, ao Davi e Daniel (filhos do Cesar Molusco) e toda comunidade de Maraca que sempre apoiou a família longboard.

 

Feminino – Vale destacar um fato inusitado que aconteceu na categoria Feminino. A princípio, ela valeria pontos para o LQS Feminino. Mas o número de atletas inscritas foi muito baixo e as meninas correram o risco de ter as etapas canceladas, uma vez que o número não passava de nove.

 

Algumas atletas alegaram não ter interesse em competir no circuito mundial, que pagaria US$ 5 mil por etapa, premiação recorde para a categoria. O interesse seria maior no circuito brasileiro, que paga apenas R$ 5 mil.

 

A organização resolveu então transformar os dois LQS Feminino em duas etapas do circuito brasileiro profissional, para que mais atletas participassem e para não prejudicar quem já havia comprado passagem e feito a inscrição.

 

De fato houve uma maior procura e os campeonatos aconteceram, mesmo pagando bem menos do que seria pago inicialmente. Uma atitude difícil de entender por parte de algumas atletas e uma grande oportunidade perdida de se fazer não apenas uma, mas duas etapas épicas na história do longboard feminino no Brasil.

 

A experiência falou mais alto e a baiana Aline Chaves, ex-atleta profissional de pranchinha, venceu as duas etapas e acirrou a briga pelo título brasileiro. A atual bi-campeã brasileira, Mainá Thompson, que venceu a etapa de abertura no Guarujá, agora acumula mais dois segundos lugares.

 

Com apenas três anos de surf, a paranaense Fernanda Daichtman, fez três terceiros lugares no circuito e aparece como a terceira colocada no ranking brasileiro. Ela tem tudo para brigar pelo título no ano que vem, assim como a jovem promessa Chloé Calmon, ausência sentida nas etapas nordestinas.

 

Junto com Thiara Mandelli, esses são os cinco nomes que irão disputar títulos em 2010. É nítida a evolução das manobras na hora que são exigidas, mas algumas surfistas ainda precisam amadurecer muito em relação ao entendimento geral do que é uma competição de surf.

 

Algumas meninas se preocupam em fazer joguinhos e marcação com ajuda das amigas e esquecem que o surf é um esporte individual, onde quem falar menos e surfar mais é que vai se dar bem.

 

De qualquer forma, vemos uma evolução positiva dentro da água, mas falta material humano para solidificar o circuito. O futuro do longboard feminino está nas mãos das praticantes. Ou vai, ou racha!

 

WLT no Brasil – O governador da Bahia, Jaques Wagner, garantiu em alto e bom som durante a premiação na etapa baiana do LQS, a realização de uma etapa do World Longboard Tour em Salvador para o ano que vem.