O jornalista Antônio Zanella acaba de lançar o documentário Uma Luz no Fim do Tubo, que conta a história de superação de Elias Diel, mais conhecido como Figue, um promissor surfista amador que teve a carreira interrompida aos 16 anos em um terrível acidente de automóvel que tirou-lhe a visão
Ao documentar esta trajetória inspiradora, Zanella (também vítima de deficiência visual na infância) consegue a proeza de cativar públicos de todas as idades e esferas sociais.
Mais do que qualquer aspecto técnico, como fotografia ou imagens de ação, o filme sustenta-se na força do personagem principal e seu exemplo de vida.
Recém chegado do Festival de Cinema de Aventura e Turismo em Socorro (SP), onde conquistou prêmio de melhor roteiro, o jovem diretor catarinense conta sobre toda a produção do filme e toda a repercussão positiva que ele alcançou.
Como surgiu a ideia de produzir o documentário Uma Luz no Fim do Tubo?
Eu precisava definir um tema para meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). Já sabia que o formato seria vídeo, pois trabalho desde os 17 anos com filmagens e edição de surf. Procuro dizer que quando fazemos algo que realmente gostamos, o produto fica 200% melhor porque o envolvimento e dedicação são maiores. E assim defini a prioridade: surf.
Queria mostrar à sociedade, que sempre relacionou o surf como um esporte de maconheiro e vagabundo, exemplos de reabilitações sociais. Nasci com 4% da visão esquerda e depois de muitas cirurgias consegui recuperar toda a minha visão. Sofri muito na infância com brincadeiras e piadas. A partir dali comecei a idolatrar ainda mais os deficientes visuais.
Pesquisei se havia algum surfista cego ou trabalhos que explorassem isso. Fiquei sabendo de voluntários na praia da Atalaia (SC) que davam aulas para deficientes visuais. Marquei um horário com um dos voluntários em um domingo.
No dia anterior, como rolou umas ondas em Balneário Camboriú (SC), antecipei minha ida para lá. Estava rolando as famosas direitas no Maramba e quando surfávamos, meu irmão ouviu um cara instruir o Figue, ficou curioso e foi perguntar o porquê daquilo. Fiquei fascinado e a cada dia me impressionava mais com a sua história.
Foi difícil convencer o Figue a aceitar contar sua história no filme?
Depois de muita conversa, provando minha honestidade e meu verdadeiro objetivo, Figue topou gravar. Hoje somos da mesma família, o pai dele me trata como filho e cada segundo juntos é um empurrãozinho na vida.
Fiquei imaginando um nome ideal pro filme por muito tempo. Assim como o resto do roteiro, músicas e ideias para o documentário, minhas imaginações e inspiração sempre eram surfando ou no outside esperando a série. Procurava alguma coisa que traduzisse o Figue. Acho que o título uma luz no fim do tubo representa bem a proposta.
Fale um pouco sobre a repercussão do filme, onde foi exibido, quais os prêmios que conquistou e as reações que tem recebido do público.
Cara, isso é o mais animal. Eu só queria acabar logo, apresentar e ir embora. Quando um dos integrantes da banca me deu nota 7, me deixou para baixo e com sentimento de dever não cumprido. Assim, meio que engavetei o projeto e só exibia a amigos. Mas via nos olhos de quem assistia uma emoção que me arrepiava e estimulava a passar a mensagem do filme adiante.
Foi então que surgiu o convite para ir a Santos (SP) representar o Figue no quinto Paratodos, em novembro de 2008. Ali recebi um carinho enorme de famosos e anônimos e iniciei uma maratona de prêmios: finalista no Prêmio Unimed (SC) 2009, finalista da Mostra PUC Rio de Janeiro2009, Mostra Paralela Gramado Cine Vídeo 2009, Mostra Paralela Festival Brasileiro Curtas Universitários e finalista no Festival de Cinema de Aventura e Turismo, em Socorro (SP), onde, entre feras do ramo e filmes milionários, ganhei na categoria Melhor Roteiro.
A reação do público foi o que mais me chocou com certeza. Ver nos olhos das pessoas, receber um abraço ou um elogio não tem preço. No World Tour deste ano, o Neco Padaratz me disse que adorou o filme e chorou do início ao fim.
Mas o que mais me marcou foi uma senhora em Santos, aparentava uns 80 anos. Logo que sai do palco na apresentação do filme ela me puxou no canto e disse: “Filho, você me fez viver. Hoje ainda fui na padaria reclamando de dor no meu joelho, dos meus calos, cheguei a falar que não sairia mais de casa por causa da dor. Me fizeste enxergar que dor seria se eu desistisse de comprar meu pão assim como o Figue não desistiu de surfar”.
Quais foram as principais referências que inspiraram este trabalho?
Sempre fui fã de carteirinha do Taylor Steele, tento sempre captar alguma coisa dos seus filmes. Também me inspirei muito no Shelter, principalmente na parte do cara que surfa sem perna. Vi alguns documentários e trabalhos universitários locais com um ritmo diferente, mas gosto de destacar o filme do Fabinho (Fábio Fabuloso) porque é gostoso de assistir.
Caras que sempre me inspiraram foram o Pablo Aguiar, sempre com seu estilo arrojado e inovador. No filme Um novo olhar, Pablo prova que veio para ficar e deixará muito gringo com inveja. Gosto muito dos trabalhos e da criatividade do Mickey Bernadoni, valendo destacar também o fera Léo Felippi. O Léo da Milkie tem um portfólio invejável. Ele inventa planos, artes, sequência, sempre dando vida aos seus vídeos.
Como o Figue reagiu com todo este sucesso e interesse despertado pelo filme?
Ele jamais esperou fazer tanto sucesso, até porque ele não gosta muito disso. O Figue quer apenas viver e não gosta de ser tratado como coitadinho ou super-herói. Porém, com o retorno positivo da raça e de muita gente desconhecida, ele foi aprovando a divulgação do documentário. Agora estamos vendo se conseguimos fechar com uma empresa palestras pelo Brasil, além da exibição do filme.
Lembro quando fui para Santos e o pai do Figue deu a ideia de gravarmos com os atletas paraolímpicos uma mensagem para mostrar ao Figue no hospital. Gravamos com Daniel Dias, Terezinha Guilhermina, André Brasil, e outros, todos muito emocionados e com um brilho nos olhos mandando uma mensagem para ele. Quando exibimos aquilo, só o áudio foi suficiente para o Figue cair em lágrimas (nunca tinha o visto chorar) e ele falou chorando muito: “Cara eu só vivo minha vida!”
O que o surf representa na sua vida?
Acho que não representa “na vida”, representa “a vida”. O espírito de paz, tranquilidade e êxito que o surf traz completa um dia, ou transforma um dia triste, estressado em um dia irado. E isso é o que o surf representa para mim. Só quem já surfou um dia com altas ondas, perfeito e com amigos sabe a felicidade que você vai dormir.
Como diz o irmão do Figue no documentário: “O prazer do surf é tu deixar a onda para o teu melhor amigo.” Estou me recuperando de uma operação no joelho e só volto a surfar em dezembro ou ano que vem e nestes oito meses parado eu vi o quanto eu amo o surf e o quanto ele faz falta na minha vida.
Quais os planos para o futuro? Pretende seguir carreira na área audiovisual?
Vou te falar que andava meio indeciso e muito desanimado. Me desiludi muito com o mercado e comecei outra graduação (Direito) contra vontade própria. Sei que um curso vai agregar a outro e vice-versa mas minha paixão é o jornalismo, ainda tenho esperanças de seguir carreira como jornalista.
Nestes festivais conheci muita gente boa da área de cinema que me botaram para cima, elogiando o documentário e me guiando para outros caminhos nos quais não fazia idéia. Estou pesquisando sobre as leis de incentivo porque tenho em mente fazer outros documentários sobre surfistas deficientes e pretendo ainda escrever um livro mais abrangente sobre o Figue.
Abandonar a área audiovisual, jamais! Não tem preço você apertar play em um filme seu com a sala lotada e ver o sorriso e a emoção nos olhos da galera. É o meu combustível diário para não desistir de um ramo abandonado por empresas e autoridades.
PS: Enquanto você, leitor, aprecia esta matéria, Figue curte uma temporada de altas ondas no Peru…
Fonte Surf e Cult