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Carta aberta a Adriano de Souza

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Adriano de Souza conta com todo o apoio da comunidade do surf brasileiro. Foto: Cesar Torales / Torales.com.

Prezado Adriano,

 

Resolvi escrever esta carta, sou surfista há 31 anos e nunca estive tão próximo de ver um brasileiro ser campeão mundial do WCT.

 

Sei que não vai ser fácil.  Você terá que enfrentar gigantes como Kelly, Joel e Mick para chegar lá. Sei também que um Pipeline de problemas no meio do caminho não será suficiente para segurar a sua grande vontade de vencer. Estaremos todos aqui em casa torcendo por você até o último segundo.

 

Comprei alguns fogos para soltar quando você for campeão. Pretendo incomodar a rua inteira para que o pessoal saiba o que está acontecendo. Mas não se preocupe, não se sinta pressionado, se não der neste ano uso os fogos para comemorar a permanência do meu Fluminense na primeira divisão.

 

Aliás, por falar em pressão, livre-se da pesada mochila de cobranças que tanto colocaram nas costas de outros surfistas brasileiros que ingressaram no circuito mundial.

 

Você sabe. Muita gente boa por aqui fica dizendo que quando um surfista brasileiro for campeão mundial tudo vai mudar. A grande imprensa passará a nos dar valor.

 

Sonham com a musiquinha do Ayrton Senna e o histérico Galvão Bueno gritando “Adriano de Souza do Brasil!”.

 

Imaginam você deitado feliz em uma bóia na Ilha de Caras enquanto mais e mais criancinhas vão procurar as já abarrotadas escolinhas de surfe.

 

Acreditam que as grandes marcas de surfe, a cada aparição sua na Globo, irão faturar muito mais milhões do que já faturam, e a tal da inédita “busca da onda perfeita” vai virar o mais novo slogan da Coca-Cola.

 

Engraçado, acreditam que o seu resultado será a causa para uma grande mudança. Que tudo será resolvido como num passe de mágica. Ora, sempre achei que resultados são frutos, conseqüência de algo realizado. 

 

Acham que no Brasil não tem onda. Que nossas pranchas são inferiores. Já ouvi até gente falando que o nosso problema é que o leite daqui é ruim e que não comemos Corn Flakes quando éramos crianças.
 
Que doideira, né? Devem achar que você é uma espécie de mágico, o salvador da pátria que vai mudar tudo. Como podem acreditar que um cara, vindo de um país que não dá onda, que se desenvolveu com pranchas inferiores, que nunca tomou leite gringo e não comeu Corn Flakes quando era criança, tem condições de se sagrar campeão mundial do World Tour?

 

Não faz sentido, não é verdade? Mas não se preocupe. Muita coisa por aqui não faz sentido. Se você ganhar este título que tanto torcemos não será uma causa ou um ponto de partida para se chegar a algum lugar.

 

Além do mais, você não está só nesta história. Fomos campeões várias vezes do WQS, campeões mundiais amadores, de ondas grandes, longboard, campeões mundiais juniors e WQS feminino. Não adianta, mesmo que você vença vão inventar alguma teoria para justificar os royalties culturais, desvalorizar o nosso suposto pedigree.

 

É claro que seu título vai ajudar, será uma contribuição enorme para que possamos continuar. A gente sabe muito bem o quanto você lutou para se tornar um dos melhores surfistas do mundo. O quanto é difícil se manter nesta disputa. Você merece, não por questões de patriotismo ou justiça, mas porque seu surfe convence. Mas será um resultado e não uma causa.
 
Resultado este, caro Adriano, que também é fruto de muito trabalho de diversas pessoas que dedicaram suas vidas para que você pudesse chegar até aí. Foram várias gerações empenhadas na construção do surfe brasileiro.

 

Não foram apenas aqueles que se formaram na tradicional escola da sua cidade como Paulo Tendas, Rabello e Kid, os irmãos Mattos, Taiu, Tinguinha e tantos outros. Foi gente de todo o país que por quase quatro décadas empurrou esta porta sem muitas vezes ter o reconhecimento que merecia.

 

Gente como Cauli, Valério, Picuruta, Pedro Muller, Fabinho, Teco, Piu, Vitor, Renan, dentre tantos outros que partiram sem armas e condições suficientes para lutar de igual para igual nesta batalha.

 

Quando entrar na água, pense nas pessoas bonitas e brasileiras como você que durante todo esse tempo acordaram às 5 da manhã para fabricar a surfwear e os equipamentos que usamos e vendemos para financiar esta viagem.

 

De empresários como Alfio (da Hang Loose), Zé Roberto (da Town & Country) e Mauro Taubman (da Company) que apostaram muito no nosso esporte. De gente que abriu mão de carreira promissora em jornal famoso para trabalhar em nossa mídia especializada, pessoas que suaram a camisa na organização de nossos campeonatos, e de nossos dedicados shapers como o Ricardo Martins e tantos outros que nunca pararam de produzir surfistas como você.

 

Gente que você nunca ouviu falar, mas que discretamente foram imprescindíveis para que o surfe brasileiro chegasse, em tão pouco tempo, a disputar um título mundial.

 

Leve tudo isto pra água, Adriano. Não como um peso, mas como uma energia muito forte de tantas pessoas que fizeram parte desta história e estarão torcendo por você.

Vai com tudo moleque… um abraço,

Ricardo Lobo