O tempo dos surfistas se difere do tempo dos homens, do tempo do mundo. A natureza ou Deus criou a noite, o dia, o percurso do sol e o trajeto da lua, mas não criou as horas, minutos e segundos. Tais referências para quantificar o tempo são ficções humanas.
Os homens fracionaram o tempo transformando-o em matemática capaz de fiscalizar suas próprias vidas. Conseguiram medir o tempo que levam trabalhando, dormindo ou correndo.
Inventaram uma unidade de referência apta para quantificar o tempo, mas ineficiente para qualificá-lo. Por isso não conseguem medir ou entender o tempo do surfe, não conseguem compreender os surfistas. Tem razão quando dizem que os surfistas vivem em outro mundo, em seu próprio tempo.
O tempo é uma abstração. Os desorientados surfistas ignoram o tempo dos homens. Nada os impede de revogar o tempo dos homens e criar o seu próprio tempo.
Não faz sentido levar um relógio para o mar. Não se cronometra o tempo de uma onda ou quantos segundos um surfista fica dentro de um tubo. Quando um surfista entuba, o tempo em que ele vive naquele momento se dá com muito mais profundidade do que os mesmos segundos vividos por um homem fora d’água.
O momento de um tubo é muito intenso e único, não há como fracioná-lo em segundos. Um momento único e esticado, superdimensionado.
Marcado pelo tempo dos homens, um tubo de 5 segundos não condiz com a realidade que o surfista vive lá dentro. Fora do tubo 5 segundos não é nada. O que podemos fazer em cinco segundos? Nem dá tempo do sinal abrir.
Dentro do tubo, 5 segundos também não existem. O momento correspondente a este desprezível tempo, lá dentro, pode significar uma eternidade. Algo que um surfista jamais esquecerá.
São realidades tão distintas que a tentativa de cronometrar o tempo de um tubo revela-se como total insensatez humana. Uma desesperada tentativa dos homens em racionalizar o intenso universo vivido pelos surfistas.
Assim como o tubo, a onda como um todo também não dá para ser mensurada pelo tempo dos homens. A linha que os surfistas desenham na onda é a unidade de referência mais adequada para sentir o tempo de uma onda.
Cronometrar o tempo que uma onda leva para quebrar, a princípio, não serve para nada. A onda também é uma criação da natureza, mas o seu tempo é uma criação dos surfistas.
De quê adianta a precisão dos relógios se numa mesma onda um surfista de longboard pode desenhar uma linha intempestiva enquanto um surfista profissional pode promover uma tempestade? Esticam ou abreviam as suas linhas, criam o seu próprio tempo de acordo com os seus sentimentos.
Pobre dos homens reféns de seu próprio tempo. Incapazes de livrar-se da ficção que tanto fraciona suas vidas. Aceleram em sua corrida tecnológica em busca de ferramentas mais eficientes para vencer o seu próprio tempo.
Orgulham-se de seus computadores cada vez mais rápidos. Tentam esticar seus dias abreviando desencontros em seus sofisticados telefones. Vivem cada vez mais lentos em suas grandes cidades engarrafados em seus velozes automóveis.
Quanto aos surfistas… Seguem surfando o seu próprio tempo.