Diante de uma enxurrada de exibições de trailers que vejo diariamente nos sites especializados em surf, finalmente um conseguiu me surpreender positivamente.
O trecho de 5 minutos e 18 segundos do documentário Titan Kids, do surfista profissional cearense André Silva e da francesa Lee-Ann Curren (filha do legendário tricampeão mundial Tom Curren), exibe uma “película” com conteúdo riquíssimo e de grande relevância social.
Isso sem falar no aspecto técnico. Com Mano Chao na trilha sonora e uma fotografia maravilhosa, o filme narra um pouco da história de André Silva, sob a ótica dele mesmo e de Lee-Ann Curren, por meio da realidade da favela do Titanzinho, Fortaleza (CE), e de personagens locais.
Personagens que vivem às voltas com a falta das condições mais básicas de sobrevivência, mas que nutrem o sonho de uma vida melhor pelo surf.
De acordo com declaração de André Silva, no Waves, o trailer será exibido agora em junho em um festival na Europa e o lançamento, na íntegra, acontece entre os dias 7 e 10 de julho, em Anglet, França, durante o International Surf Film Festival.
Pode parecer muita pretenção alguém querer fazer uma análise de um filme por meio de seu trailer. Mas, diante do que vejo normalmente nas produções de surf, Titan Kids é um achado, uma pérola. De um modo geral, gosto da fotografia, da plasticidade, das performances e, às vezes, na trilha sonora dos trabalhos ligados ao esporte. Mas, na sua maioria, eles esbarram em uma mesmice antológica. Em termos de conteúdo, que me agrade de fato e me sensibilize, são raros.
Confesso que as imagens e os pedacinhos de histórias que assisti nos pouco mais de cinco minutos de exibição de Titan Kids conseguiram me passar uma sensação parecida com a que tive quando pisei na favela mais surf do Brasil em 2005.
No Titanzinho é possível ver e sentir de perto o que existe de mais preocupante em matéria de realidade social e de mais nobre em se tratando de valores humanos.
Há miséria, muito consumo de drogas pesadas, abandono, alto índice de marginalidade, carência de infra-estrutura e taxas de desemprego (92%), segundo dados publicados pelo Governo do Ceará no início deste ano.
Mas existem valores incalculáveis, que poucos lugares possuem. O farto sorriso e a alegria da molecada com suas pranchas em baixo dos braços e a presença de pessoas obstinadas para mudar a realidade e proporcionar vida digna aos jovens, a exemplo de João Carlos Sobrinho “Fera”, são coisas que só se vê no Titanzinho.
Sem falar em Fábio Silva, Tita Tavares, Lucinho Lima, Martins Berbardo, Pablo Paulino, entre outros. Eles são pessoas talentosas como atletas e extremamente dignas como seres humanos, que saíram daquela difícil realidade para vencerem na vida e percorrerem o mundo como surfistas profissionais.
Fórmula A fórmula de documentários que unem personagens e imagens ligados ao surf, riqueza de informações, criatividade e boa narrativa, fatalmente consegue tocar as pessoas (ligadas ao esporte ou não) e tem boas possibilidades de sucesso.
Não foi à toa que Fábio Fabuloso, de Pepê César, Ricardo Bocão e Antônio Ricardo, ganhou diversos prêmios e foi uma unanimidade entre todos os que o assistiram.
Uma história de vida fantástica de um personagem engraçado, criativo e irreverente; um trabalho de pesquisa impecável; imagens alucinantes; e uma das narrativas mais sensacionais do cinema brasileiro (quem quiser que discorde, mas acho que é isso mesmo). Fábio Fabuloso é um filme que recomendei para diversas pessoas fora do meio do surf, inclusive para ser exibido em aulas de jornalismo, e a maioria dos que assistiu afirmou: “Foi um dos melhores documentários que já vi”.
No cenário nacional, vale citar ainda Nalu – O Filme (de Everaldo Pato Teixeira e Fabiana Nigol), Cambito I e II (também de Pepe César) e as duas versões de Surf Adventure (Roberto Moura). Lógico que existem outros poucos, que meu HD não consegue processar neste momento.
Voltando a Titan Kids, em poucos minutos de trailer a obra de André Silva e da filha de Tom Curren consegue mostrar todos os aspectos do Titanzinho e deixar uma impressão muito forte que aquele lugar respira surf. O casal exibe muito talento na primeira produção e por isso não deve parar por aí.
Tomara que se dedique, evolua e invista em mais documentários, pois o mercado cinematográfico de surf agradece.
Depois de tecer tantos elogios, espero que Silva e Curren não me decepcionem quando eu assistir ao filme na íntegra. Mas tenho certeza que isso não vai acontecer, assim como acredito que eles vão faturar uns premiozinhos.
Yordan Bosco é jornalista.
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