Espêice Fia

Barca em família

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Visual de Playa Hermosa: lugar paradisíaco com ondas tubulares. Foto: Arquivo Pessoal.

Fábio Gouveia aproveita o passeio no pico. Foto: Arquivo Pessoal.

Ian Gouveia desbrava alguma esquerda do país. Foto: Arquivo Pessoal.

O casal é formado, a família se constitui com os filhos e aí a vida segue. Quando eles são pequenos, estão sempre colados aos pais, porém, quando crescem, geralmente cada um vai seguindo seu caminho.

Na fase adolescente caminhando para a adulta (fase em que meus filhos se encontram) cada um já passa a ter seus próprios programas, logo aquela coisa de passear com “painho e mainha” vai ficando mais distante.

Durante muito tempo, correndo as ondas do circuito mundial de surf, viajei com minha esposa e nossos filhos. Mas depois que eles cresceram, ficou difícil.

 

Com os compromissos escolares, as únicas datas passaram a ser no meio do ano, que geralmente coincidia com eventos na África do Sul, ou nas férias escolares de fim de ano, quando estava no Hawaii.

Já fazia algum tempo que não conseguia juntar a família para uma surf trip, pois, cada um com seu compromisso, dificultava juntar todos em uma data para uma viagem. Passei uns quatro meses articulando a viagem relatada aqui, já que Ian – nosso filho que buscou o surf como profissão – vem tendo cada vez mais um calendário constante de eventos e viagens para a prática do surf em ondas de qualidade.

Igor tem seu curso de Meio Ambiente e Ilana segue finalizando o ensino fundamental. Porém, na última semana, encaixamos uma trip em família para a Costa Rica – com o apoio da Nivana Turismo – para fazermos um vídeo promocional para a agência.

Enquanto um swell aproximava-se do país, dei um gás para organizar tudo de última hora, já que com passagens gratuitas só poderíamos embarcar se houvesse lugar no voo. Correria total e lá estávamos no avião da Taca Airlines rumo a San José.

 

Já em terra, nosso primeiro destino era Pavones! Esquerda longa e de enorme potencial, Ian só falava nela. Para chegarmos até o pico, pernoitamos em Playa Hermosa, um beach break potente e que funciona perfeitamente para tirar o ranço da viagem e ansiedade do surf.

 

Swell bombando, com cerca de 2 metros, e manhã ensolarada. Caí ao amanhecer junto com Igor. Ian não teve vontade pro surf, já que vinha de um evento Pro Junior na Bahia e estava bem cansado.

Surfamos com o mar em transformação e, mesmo em constante melhora, saímos para tomar aquele café e seguir estrada. Nesta “session” consegui pegar um ótimo tubo, mas o mar ficou bom mesmo enquanto tomávamos nosso café, regrado ao prato típico: “gallo pinto criolo” (o nome sempre causava risadas em todos) com “jugo de naranja”.

O terral passou a bater forte e alguns tubos eram completados por um gringo, que lembrava bastante um competidor do circuito mundial nas antigas, Jimmy Hogan. Ficamos meio pendentes para pegar aqueles tubos e Ian arrependeu-se de não ter caído, porém precisávamos partir se quiséssemos pegar o swell em Pavones. Cinco horas de estrada de tudo quanto era jeito e chegamos a Pavones depois do almoço.

 

Cansados, almoçamos, nos acomodamos e partimos pro surf. O mar estava lindo, séries maiores de 1,5 metros no primeiro pico entravam marchando na bancada de pedras arredondas, tipo pedras de sabão. Sabia que nesta época do ano as chuvas eram constantes no país, porém não contávamos que rapidamente aquele solzão fosse dar lugar a um dilúvio.

Enquanto montava o tripé e arrumava o foco da câmera, Igor e Ian entravam rapidamente no pico. Logo foram pegos por uma série linda e arrastados mais para a seção do inside, que na real ainda poderia ser chamada de outside, de tão longa que era a onda.

Quando cheguei ao outside foi que me toquei da “tormenta” que iria entrar. Depois da minha segunda onda, pingos grossos começaram a cair e só vi minha esposa, que nos filmava da areia, fechar rapidamente o tripé e correr para nossa habitação. Foi uma pena não conseguirmos filmar esta “session”, pois muitas ondas longas entraram para nosso delírio. Ficamos até escurecer e, ao final, já estávamos sem enxergar nada e continuávamos surfando linhas após linhas.

 

A família Gouveia viaja para a Costa Rica a convite de Nivana, Taca Airlines e Adobe Rent a Car.

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Ian, Elka, Igor e Ilana Gouveia: família unida até nos perrengues. Foto: Arquivo Pessoal.

Crocodilo só à espera de um vacilo. Foto: Arquivo Pessoal.

Igor Gouveia também faz a mala e manda um snap. Foto: Arquivo Pessoal.

O crowd, que era pequeno, já tinha saído e deu pra sentir o gosto de Pavones. Fomos dormir instigados, porém durante a noite passei mal devido a algo que havia comido e talvez não tivesse batido muito bem.

 

Acordei meio indisposto e não consegui entrar de madrugada. As ondas tinham baixado, mas algumas séries mais demoradas ainda entravam com bom tamanho. Os moleques vinham acelerando e a todo momento mandando manobras aéreas.

Igor acertou alguns varials e Ian completou vários aéreos 360. Eu vinha sempre buscando a linha da onda e, como optei por ficar mais ao outside possível, vinha sempre acelerando ao máximo para que a onda não fechasse em minha frente, já que o swell não era dos mais certos para a bancada e as ondas corriam mais que o normal, segundo os locais do pico.

Com o mar mais baixo, na maré cheia foi a vez de Elka surfar de bodyboard. Ela começou entrando na manhã e ao final já estava encaixando mais no pico e seguindo deslizando as ondas em cutbacks e alguns el rollos no final, já que ali quase não tinham pedras.

Ilana já surfou mais, mas em plena época “teenage”, mas vale uma “chapinha” do que uma manhã de surf. Consegui tirá-la da “habitación” para provar um pouco de Pavones.

Não havíamos trazido seu fun board 7’4”, logo ela estava bem relutante de surfar com uma fish 5’7” biquilha, que eu havia feito para quando rolasse esta viagem. Ela acabou estranhando bastante.

 

Demorava a entrar na onda e eu tinha que dar aquele empurrãozinho. Na primeira tentativa passou reto e reclamou que a prancha era ruim. Na segunda deu uma bombeada, passou reto, reclamou que a prancha era ruim, mas voltou pro outside. Na terceira, passou reto, começou levemente a cortar a onda e caiu. A cordinha se soltou e perdeu a prancha.

 

Pronto, foi a gota da água para sair do mar e não entrar mais em nenhum dia até o final da viagem… 1 x 0 para a chapinha.

 

Sol de manhã, dilúvio à tarde novamente. Foi aí que me lembrei do cara que nos recebeu na locadora Adobe. Ao perguntar sobre o tempo, ele havia dito: “amigo, sabes o que?”. De dia às vezes sol. “Pero en la tarde, quase siempre mucha chuvia”. Manhã seguinte o sol retornou, as ondas baixaram mais um pouco e decidimos surfar em um pico próximo.

Nestas alturas já tínhamos nos tocado o quanto a Costa Rica é bela e entendemos o porquê da saudação “Pura Vida”, não só pelo fato da excelente hospitalidade do povo local, mas pela beleza natural do país. “Playa de Punta Banco”, indicou Julio, caseiro da propriedade na qual alugamos uma aconchegante casa. “Ustedes vão por aca, passon por una puente e sieguen por la playa”, disse Julio, com seu sorriso hospitaleiro.

Aproveitando a dica do senhor, arriscamos um palpite que recebera via e-mail do fotógrafo Kalani Brito, que uma vez, tendo morado por cerca de quatro anos na Costa Rica, sabia de todas as quebradas e picos secretos. Mas na nossa prática foi mais difícil que pensei, pois não achamos o pico indicado pelo Kalani e acabamos tendo que usar a nossa tração nas quatro rodas.

Ufa, quase nos ferramos, a montanha era muito íngreme, esburacada e escorregadia. Preferimos dar meia volta pra não ficarmos em uma grande roubada. Mas valeu o visual e a aventura. No caminho de volta, caímos em uma onda em frente a uma placa que indicava rancho Tiskita.

 

Havia uma direita no outside e entrei junto com Ian, que nessas alturas dizia: “vamos cair logo pai, senão a gente não surfa hoje!”. Então eu, que também não gosto de ficar rodando muito pra surfar, disse: “só se for agora!”. Chegamos ao outside e a onda era mais difícil de encontrar do que olhando da beira da praia.

Pegamos umas três, quatro razoáveis, e partimos para Pavones. Passando por trás das ondas, vimos que tinha uma condição, 1 metro com uma ou outra série maiorzinha. Elka aproveitou para filmar de um ângulo diferente e ficou bonito, pois aparecia a parede da onda vista de trás.

 

Igor quis insistir em uma rara direita que vinha fechando, pois o ângulo ficava bom caso conseguisse pegar uma boa. Não vi nenhuma e dei o toque pra ele surfar as esquerdas, pois ali era um pico de esquerda. A real foi que já era hora de partirmos rumo a outro pico, Matapalo.

Um grupo de brasileiros havia nos alertado que um dia antes as ondas haviam baixado neste pico, mas como queríamos conhecer, fomos teimosos de irmos até lá. Resultado: umas cinco, seis horas de estrada de tudo quanto é jeito, e chuva de tudo quanto foi jeito, afinal, durante a tarde o mundo desabava. Mas fomos naquela de surf trip, aventura…

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Ian Gouveia segue os passos do pai e decola nas boas ondas da Costa Rica. Foto: Arquivo Pessoal.

Visita ao vulcão Arenal dá uma animada na turma. Foto: Arquivo Pessoal.

Fábio Gouveia faz uma nova amizade no hotel. Foto: Arquivo Pessoal.

Decoração Old School de restaurante em Playa Dominical. Foto: Arquivo Pessoal.

Chegamos a Matapalo escurecendo, só aí que entendemos a roubada em que estávamos. Tudo havia sido muito cansativo até chegarmos ali, mas piorou quando ainda no fim da luz vimos que o mar estava flat.

 

Nosso “crazy” GPS nos botou em uma estrada cabulosa e mais uma vez o 4×4 entrou em ação e nos tirou da roubada. Um pouco perdidos na escuridão, encontramos um resort com pinta de abandonado, mas na real não tinha era hóspede, pois estávamos totalmente fora de temporada e me pareceu que ali só se era esperado alguém com reservas.

 

Um senhor meio “pancadão” apareceu na escuridão a fim de ver quem eram aqueles aventureiros. Fomos olhar os preços e a surpresa, US$ 100 por cabeça. “O quê? Vou pagar US$ 500 nada”, respondi. O simpático atendente, que fora chamado pelo senhor pancadão, nos deu um desconto: “75 dólares, ok?”. Agradeci e disse que nossa viagem ia continuar e não dispunha de tanto dinheiro para uma noite.

Mesmo assim ali não teria refeição para nós, pois como disse, o resort estava trabalhando com reservas e não esperavam ninguém naquele momento. Nossa opção foi regressar em pleno dilúvio em estradas de lama, passando por rios cheios e 4×4 ligado. Duas horas depois estávamos comendo uma deliciosa pizza em Porto Jimenes, onde havia muitas hospedarias baratas.

Playa de Santa Teresa era nosso próximo destino, mas no caminho até lá iríamos pernoitar em Playa Hermosa, Jacó. Antes que chegássemos lá, paramos para conhecer e fazer um surf em Playa Dominical. Vilazinha puro surf, com certeza uma bela praia e encontramos boas ondas de mais de 1 metro no beach break.

Desta vez a chuva não atrapalhou as filmagens, pois Elka conseguiu uma torre de salva-vidas para se proteger. Ao sair do mar, conhecemos um surfista local gente fina chamado Jorge, que tinha uma lojinha logo ali, em frente ao pico. O cara ficou relatando as boas ondas que rolavam no local e em alguns outros picos mais secretos.

Deu água na boca, mas aquele surfzinho ali pra conhecer Dominical já valeu. E completou com um bom rango no bar e restaurante San Clemente. Entre uma fajita de pollo e um gole de coca light, dava espiadas nas muitas pranchas antigas que compunham a decoração do local, que aliás devia bombar durante a noite, tal o espaçoso salão no meio do estabelecimento e luzes coloridas espalhadas por todos os cantos.

 

De buchos cheios, partimos pro final de tarde em Hermosa, porém o que interessava mesmo era o surf da manhã seguinte. Para nossa sorte, o sol apareceu no período da manhã. Surf de meio a 1 metro terral e tubular. Surfei um pouco e parti para filmar a molecada de “go pro”. Conseguimos encaixar um bom tubo em duplo ângulo do Ian, pois peguei na cara de dentro da água e Elka havia filmado da beira.

 

Antes disso, também havia pegado um bom tubo, fazendo-me acreditar que Hermosa sempre tem um fogo pra queimar, ou melhor, ondas pra rolar. Depois desta “session”, tivemos que partir para levar Ian ao aeroporto de San Jose, pois ele tinha de se apresentar no quartel para o alistamento militar. Quando ele embarcou, a “mamuska” Elka ficou triste e a solução foi conhecer o vulcão Arenal para dar uma animada na bichinha.

Com uma altitude de 1.657 metros, o Arenal era considerado extinto até o ano de 1968, quando entrou em erupção depois de 400 anos de inatividade. Não tivemos a sorte de ver lavas escorrendo, mas o visual do vulcão soltando gases já foi magnífico. Sem contar o banho nas águas termais, onde a temperatura varia entre 30 e 45 graus, às vezes mais.

 

Depois do belo passeio, dentro do nosso passeio em si, descemos até o ferry boat de Puntarenas rumo à Santa Teresa, Malpais e adjacências. Mais uma vez muito chão até o pico incluindo o visual da chegada no porto de “Paquera”. Estávamos chegando a tempo para o fim de tarde, mas havia um trator trabalhando na recuperação da estrada danificada em virtude das fortes chuvas e acabou formando-se uma fila enlamaçada de carros.

 

Enquanto ficávamos parados esperando a liberação do trecho, ouvíamos os sons da mata. Não sei se eram algumas espécies de pássaros, acho que estavam mais para macacos, pois os urros eram bem altos. Aí valia algumas lendas para espantar Ilana e tornar sua viagem um pouco mais atrativa, já que a bichinha não aguentava mais andar de carro… kkkkkk….

 

Chegamos a tempo de ver o pico, porém deixamos o surf para o dia seguinte e fomos dormir esperançosos, pois havia boas ondas. A vila de Santa Teresa e Malpais também respira surf e fiquei imaginando como deve ser aquele local na temporada.

 

Deve bombar demais com a turistada, pois o local é mais um paradisíaco na Costa Rica. Mas como era época de chuvas, desta vez nossa manhã seguinte só o terral nos contentou. Tardamos o surf para tomar um café e esperar a forte chuva passar.

 

Fui com Igor fazer a digestão olhando algumas valas que pareciam melhores do que na frente do hotel em que nos hospedamos. O visual da chegada, depois de uma ruela coberta de árvores, foi de uma série de mais ou menso 1,5 metros entrando perfeita. Nem olhamos muito e fomos correndo buscar as pranchas e Elka para nos filmar.

 

Ao entrarmos no mar, vimos que as condições estavam maiores, pois algumas vezes entravam séries de 2 metros. Logo, se surfássemos até a praia, para vararmos novamente era meio complicado. Vi isso quando me empolguei em minha segunda onda e fui até o inside manobrando bastante. Quando ia voltando, Igor, que já tinha tido uma entrada complicada por uma série grande no início, vinha vindo a todo vapor rumo à beira.

 

Nem preciso dizer que ficamos muito tempo para varar novamente. As ondas estavam realmente boas e quase saio de um tubo espetacular de backside, porém não sei se fiquei muito deep ou se a onda fechou, só sei que estava indo bem e de repente… já não via mais nada…kkkkkk…

 

O surf estava bom, porém a chuva voltou e uma brisa de maral começou a entrar. Igor já havia saído e peguei minha última até a beirinha. Alguns gringos surfando bem ainda achavam boas ondas no outside e partimos vendo aquele visual da ruela fechando um tubo de árvores, ou seja, um tubo de Pura Vida na Costa Rica.

 

A família Gouveia viaja para a Costa Rica a convite de Nivana, Taca Airlines e Adobe Rent a Car.

Fábio Gouveia
Campeão brasileiro e mundial de surfe amador, duas vezes campeão brasileiro de surfe profissional e campeão do WQS em 1998. É reconhecido como um ícone do esporte no Brasil e no Mundo. Também trabalha como shaper.