Salvador era uma cidade extremamente bucólica no final dos anos 60. Suas praias eram vazias e o crowd se resumia a apenas uma turma de surfistas.
Esta galera também encarava o asfalto a bordo do hang ten, como chamavam o skate por causa do nome da marca fabricante. Já o lendário filme The Endless Summer (1966) era uma das poucas fontes de inspiração da época.
Quem conta essa história é o simpático Daniel Briganti, surfista responsável por desbravar picos conhecidos atualmente como Rio Vermelho, Corsário, Barravento e Farol da Barra.
Quem passa pela sua movimentada banca de jornal, localizada no bairro da Vila Nova Conceição, São Paulo (SP), não imagina que por trás daquele balcão trabalha um dos pioneiros do surf baiano.
Aos 59 anos, Daniel guarda com carinho as lembranças e os amigos que deixou no estado natal. Em um papo rápido, é possível ouvir histórias sobre as pranchas feitas em compensado naval e o medo de tubarões que existia na praia do Barravento.
“Salvador não tinha nada. Nossa rotina se baseava em água-de-coco, surf e acarajé”, diverte-se Briganti, que ganhou sua primeira prancha aos 17 anos, presente do pai recém-chegado dos EUA.
“Era a única prancha de fibra na cidade. As outras eram feitas de compensado naval, com uma quilha enorme, além disso afundavam um pouco. O pessoal até pensava que era um barco”, revela o filho de franceses e ex-praticante da capoeira de Angola.
“Nesta época também começou a passar Endless Summer, o único filme de surf que existia. Até pintamos em nossas camisetas o símbolo do filme: um sol ao fundo com um surfista e sua prancha na cabeça”, afirma Daniel, sem esquecer dos perrengues da época.
“Tinha uma saída de esgoto e dava muito tubarão no Barravento. A água era turva e atraía os animais. Enquanto uns surfavam, outros ficavam na proteção de pedra para gritar se avistassem os bichos”, diz Briganti.
Na cidade de São Paulo, Daniel diz que deixou o surf de lado. Pai de família, hoje ele é dono de uma banca na zona Sul paulistana e frequenta ocasionalmente a praia de Mongaguá.
“Abandonei o surf porque vim pra São Paulo trabalhar. Posso não pegar mais ondas, mas o surf fica na veia. Sempre acompanho tudo o que rola. É como se fosse um imã”, finaliza o bom baiano, leitor assíduo da revista Fluir e do site Waves.