Rip Curl Pro

Juiz, profissão de risco

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Luli Pereira na entrada da sala de juízes do Rip Curl Pro: “Ninguém gosta de perder”. Foto: Alexandre Versiani.

Integrante do quadro de juízes da ASP Internacional, o catarinense Luli Pereira, 35, é o único brasileiro que participa do julgamento de todas as etapas do World Tour 2011.

 

Ex-competidor, hoje ele é referência para os juízes da nova geração brasileira e, apesar da pouca idade, vem da mesma escola de precursores da profissão como Renato Hickel e Xandi Fontes.

 

Neste domingo, durante o intervalo das primeiras chamadas para o início do Rip Curl Pro em Supertubos, Portugal, Luli bateu um papo exclusivo com a reportagem do Waves.

 

O catarinense falou sobre a expectativa de boas ondas para a prova, os critérios de julgamento usados pela ASP, além de achar natural e até ver um lado bom na reclamação dos espectadores brasileiros.

 

Assim como o surfista, quando há a expectativa de um bom swell para a etapa, os juízes também ficam ansiosos?

 

Sim, estamos na expectativa de que Supertubos apresente as condições que realmente esperamos. A praia é famosa pelos tubos e pela condição bem pesada, um beach break em que a maioria das ondas quebram tubulares, então esperamos que aconteça isso.

 

Existe um critério de julgamento estabelecido para cada tipo de etapa, já que são realizadas em condições de ondas diferentes?

 

A regra diz que o julgamento varia conforme as condições de cada localidade e conforme as condições mudem durante o dia. Quando o mar está grande e tubular com certeza a gente foca nesse principal aspecto, que é o grau de dificuldade destas ondas. Ou seja, o quanto radical foi o drop, a profundidade em que o surfista fica no tubo e o tempo que ele percorre lá dentro.

 

A última coisa que queremos é botar um limite na performance do surfista, porque o surf, primeiro de tudo, é um esporte livre, diferente de qualquer outro que tenha plataforma ou quatro linhas. O surf é bem livre para que eles possam realmente se expressar em uma onda. E como cada uma é diferente da outra, a gente gosta de deixar que a criatividade e a habilidade de cada surfista aflore.

 

E até que ponto o tamanho da onda influencia na nota?

 

Nosso critério não traz nada específico sobre o tamanho da onda, mas o grau de dificuldade. Quem é surfista sabe que fazer grandes manobras em uma seção grande é mais difícil do que pegar uma onda menor ou intermediária. Então a relação é direta, tamanho da onda, dificuldade do drop, seção. Isso está diretamente relacionado ao grau de dificuldade.

 

Vemos muitos espectadores brasileiros reclamarem da nota dos nossos atletas. Você acha que falta ao público saber mais sobre os critérios de julgamento?

 

É normal esta reclamação, entende? Porque hoje em dia, muito mais do que anteriormente e até bem poucos anos atrás, o nível ficou bem mais alto com a redução do número de surfistas na elite mundial. Anteriormente o número de atletas que se destacavam era bem menor e hoje em dia é praticamente o grupo inteiro. São vários atletas que podem chegar ao topo e vencer uma etapa. Então as diferenças de nota são cada vez menores. Ainda tem essa batalha de gerações diferentes para transformar o critério, que já é subjetivo. Reclamações são normais e a gente atende elas sempre com bastante atenção, principalmente tentando ver o lado do atleta.

 

É diferente assistir uma bateria ao vivo e pela internet?

 

O julgamento ao vivo é outra coisa. Com a distância você perde aquele impacto, aquela emoção de ver uma onda da série chegando. Quando se assiste online essa espécie de terceira dimensão se perde.

 

Mas estas reclamações têm um lado bom, que o pessoal está prestando atenção no evento. Hoje em dia, a cada onda, a interação online é muito maior e a cada bateria nosso trabalho está sendo discutido. Isso não acontecia anteriormente, sempre esperavam o final do campeonato para fazer a cobertura.

 

Mas estamos tranquilos com o critério que a gente segue. Se analisarem friamente verão que ele segue um padrão. O que acontece com os atletas brasileiros em um dia, acontece com os outros no outro. Ninguém gosta de perder, ainda mais por poucos pontos.

 

Hoje você é o único juiz brasileiro em todas as etapas do mundial da ASP. Acha os juízes do nosso país são capacitados para assumir o cargo no World Tour?

 

Sim, o Brasil está na vanguarda do julgamento desde o início dos anos 80, quando os mundiais começaram a chegar no país. Tanto que temos expoentes desde o princípio como Renato Hickel, Xandi Fontes, entre outros. Sinal de que o trabalho está sendo feito no Brasil e em todos os estados. Isso reflete nos nossos atletas mais jovens, que chegam cada vez mais cedo à elite do surf mundial. Acredito que o julgamento no Brasil ainda é de vanguarda e está fazendo escola.

 

E como você avalia o bom momento do surf brasileiro? Podemos ter em breve um campeão mundial?

 

Eu gosto de acreditar que sim, é tudo resultado desta competitividade extrema que temos no país. Essa gana foi criada nos atletas brasileiros e nossa estrutura competitiva, tanto de associações, de federações em geral, assim como o trabalho da ASP South America nos último 20 anos, é maravilhosa.

 

Nunca deixamos de ter uma estrutura forte para que os atletas sempre possam sair com um bom seeding. Então a expectativa é grande para que realmente o esporte se torne o que a gente espera, com reconhecimento grande no Brasil. Para mim não há momento melhor para ser juiz da ASP do que agora, assistindo a tudo isso de perto.