Espêice Fia

Noronha atípica

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Swell chega na hora certa em Fernando de Noronha. Foto: Fábio Gouveia.

Esta temporada foi atípica no arquipélago de Fernando de Noronha. As ondas apareceram praticamente durante o Hang Loose Pro Contest 2012.

Fazia tempo que não via a ilha tão seca e com tanta areia em picos como Boldró, Cachorro e a própria Cacimba do Padre.

O calor é costumeiro. Aliado a má alimentação, ingestão de líquidos devido às horas de surf ao sol e quase que em tempo integral, muitas vezes derruba o cabra.

Este ano não foi diferente. Entre os que visitaram o hospital local e tomaram boas doses de soro estavam Tiago Bianchini e Marcos Sifu, que fazia a locução para a internet.

Tantos tubos, ondas cavadas, fechadeiras e crowd, muitas vezes os acidentes também acontecem. O próprio Bianchini levou pontos na cabeça, Bernardo Pigmeu no pé e Cristiano Spirro entre os dedos da mão.

Também hospedado na pousada da Tia Zete, onde sempre fico em Noronha e em pleno café da manhã, um médico surfista paulistano, em seu segundo ano consecutivo, contava os causos depois de ter virado a noite no plantão.

O engraçado era que o cabra botava pra baixo nas morras, pra dentro dos tubos nas fechadeiras, no entanto, tremia nas bases para uma simples anestesia: “E aí doutor, vai doer?”.

Durante a semana do evento, o crowd aumenta e em determinados momentos fica bem difícil achar um lugarzinho para o drop tranquilo. Impressiona também a fome de onda dos mais novos. Dos que chamaram atenção, Medina e Camarão. Os caras remam muito e de um lado para o outro. Pegam uma, duas e não se cansam. Nada diferente do que eu era há 22 anos.

É que agora como estou mais tranquilo, a observação me aparece e muitas vezes até admiro a força e rapidez da turma, pois estes quesitos os levam a vencer muitas baterias. Para se fazer um evento ali, são muitas as dificuldades. Internet lenta nem se fala. Mas é aquela coisa, não tinha nada, mas já que tem nos dias de hoje, fica difícil aceitar cerca de dez minutos ou mais para se abrir uma página.

Era engraçado quando estava em meu quarto, depois do surf, deixava a página do Waves abrindo, tomava banho e quando saía, pronto, ela estava aberta. Mas daí navegar, eram outros minutos e acabava desistindo.

Mas se fazer o evento é complicado por toda logística, fica o resultado final: ondas maravilhosas traduzidas nas fotos dos que ali estavam. Fotógrafos mais que competentes capturaram ângulos incríveis e fizeram despertar a galera ao longo da semana. E que semana! Todos os dias despertando às 5 horas da matina com direito a visual de tubarão no inside da Cacimba antes de entrar no mar. Uma foto do “bichano” circulou na internet logo nos primeiros dias e durante a semana a cena repetiu-se.

Certo dia, ao clarear, um dos Hobgoods (não consigo lembrar quem é quem dos gêmeos) saiu da água correndo avisando que havia visto o bicho. Mas como havia muita sardinha, ele apenas entrou em outro lado para logo depois ser seguido por outros surfistas. No dia seguinte foi a vez de meu filho Ian avistar o “tutú” e, quando me chamou atenção, consegui ver o frenesi no meio dos peixes ali no inside.

Na primeira série que tomei na cabeça, confesso que fiquei grilado quando era arrastado pela corrente no inside, pois ali havia risco de trombrar com o “Tiburon”, já que o único registro de choque “tubaracional” que teve na ilha, foi do surfista Rodrigo Trajano, há muito tempo, quando o mesmo caiu em cima de um cardume e o tutú estava lá alimentando-se.

Na real foi só um susto, porém gerou o ferimento. De qualquer forma, a cadeia alimentar ali segue firme e forte. O aumento de turistas é uma constante, mas as leis ambientais são seguidas ao pé da letra por muitos. Digo por muitos, porque no quesito liberar o line up às 18 horas estava praticamente impossível, ou seja, apenas quando os fiscais apareciam para tirar a galera do mar.

Explico, devido à desova das tartarugas ao escurecer, durante o evento todos eram convidados a se retirarem da praia depois deste horário. Alguns saíam, mas como outros não, muitos que gostariam de sair acabavam ficando um pouco mais. Era difícil ver a turma pegando altas, fazendo material fotográfico e ficar de fora, deixando de dar retorno para os patrocinadores.

Mas no geral é mais tranquilo, apenas em semana de evento é que fica o caos. E crowd no estacionamento também. A grande maioria buggies, que vez ou outra eram encontrados também largados no meio da estrada. hora quebrados, hora sem gasolina. Geralmente a turma aluga com o tanque andando só no cheiro. Como nego não quer nem perder tempo indo ao posto no final da BR, é comum faltar combustível. Uma zuera só.

Meu aniversário de casamento sempre coincide com Noronha, foram muitas as vezes que comemorei ali com minha esposa. Desta vez não foi diferente e o jantar foi na Tejuaçú. Segurando vela estavam o fotógrafo Clemente Coutinho e Pigmeu comandando as boas risadas. O pescado com arroz de castanha estava o bicho!

E por falar em rango, cada ano que passa, o festival gastronômico do Zé Maria continua delicioso. Este prato é simples perante os demais outros tantos deliciosos ali disponíveis, mas fico doido mesmo é no arroz de jaca. Vai gostar de arroz assim lá…em Noronha! Vai uma colherada?

Churrasco para finalizar o evento no sábado à noite foi pura diversão. Pupo e Jean da Silva já deviam ter comemorado quando cheguei tarde da noite. Com todos os presentes na ilha convidados ao banquete, lá pelas onze, as geladas já haviam acabado. Nem pra comprar tinha, só água! E como água é bom demais em Noronha, hidratação e cama!

Visando novamente o dia seguinte. Ótimas ondas, menos crowd, e não tem viagem perdida para a Esmeralda do Atlântico. Mesmo que se vá para o evento e perca de cara na primeira bateria.

Inté a próxima!

Fábio Gouveia
Campeão brasileiro e mundial de surfe amador, duas vezes campeão brasileiro de surfe profissional e campeão do WQS em 1998. É reconhecido como um ícone do esporte no Brasil e no Mundo. Também trabalha como shaper.