ISA Games

O rei de Santa Catalina

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O panamenho Ricardo “Ponky” Icaza gosta de ficar sentado na varanda de sua casa, localizada no alto de uma pequena montanha, ler um bom livro e observar a praia de Santa Catalina. 

 

Quem olha para aquele homem, de aproximadamente 70 anos, não imagina que ele faz parte da história do surf mundial. 

 

Ponky está forte, feliz e com os cabelos pintados de preto. Este senhor, de feições latinas, casado com uma mineira de Belo Horizonte, foi o primeiro surfista a desbravar as ondas de Santa Catalina. 

 

Nascido na Cidade do Panamá, Icaza estudou na Universidade da Califórnia (EUA) durante a década de 1960. 

 

Foi onde ele que começou a escrever sua história nas páginas do surf. E, é nesta época, que Ponky iniciou suas viagens para o Hawaii. 

 

“Surfava desde 1954 nas praias da Cidade do Panamá. Mas, foi durante os estudos na Califórnia que fiz amizades com surfistas famosos. Pegava onda antes de ir para a sala de aula e por oito anos viajei para o Hawaii quase todos os meses”, conta Icaza. 

 

O primeiro Mister Pipeline, o americano Charles “Butch” Van Artsdalen, uma lenda na história do surf, recebeu Ponky de braços abertos no arquipélago. “Vivia com ele, surfava, comia, só não dormia junto”, brincou o panamenho. 

 

Entre estes fenômenos do surf, o maior prazer, e isso ele fala de boca cheia, é ter conhecido e convivido por alguns anos com o havaiano Eddie Aikau. 

 

“Fui muito amigo do seu irmão, o também salva-vidas do North Shore, Clyde Aikau”, disse Ponky, observando nas paredes de sua casa uma foto de Eddie, que aparece com duas pranchas embaixo do braço. “Esta é uma relíquia”, completa. 

 

Além destas lendas, por volta de 1970, Icaza conhece um dos seus principais professores de surf em ondas grandes, o americano Ken Bradshaw.

 

Este mesmo surfista, em 1998, bateu um recorde ao encarar na bancada de Waimea Bay um mar gigante

 

“Ele não tinha medo e conseguia lidar com a adrenalina como nenhuma outra pessoa”, descreve Ponky. 

 

Gerry Lopez foi outro grande amigo do panamenho. Esta lenda não só fez de Pipeline a onda mais importante do mundo, como também fez o tubo ser o prêmio máximo no surfe.

 

“Não faz muito tempo, acho que no meio da década de 1980, ele me ligou e convidou para um surf de tow-in. Gerry dizia que ficava muito mais fácil para pegar as ondas. Nunca gostei muito disso, pois na minha época não existia este tipo de coisa. Recusei”, comentou o conservador Ponky, que até hoje não usa computador,  tampouco tem e-mail.

 

Nestas idas e vindas para Hawaii, Icaza também conhece o australiano George Greenough.

 

George não subia numa prancha de surf desde 1954, mas é creditado como a inspiração para a moderna prancha de surf que conhecemos hoje e para a fotografia dentro da água, principalmente dentro de tubos. 

 

“Para ter uma idéia desta figura revolucionária, os músicos da banda Pink Floyd utilizaram suas imagens de tubo para um dos clips ou shows, não me lembro muito bem. Ele também aproveitou o gancho para utilizar músicas da banda inglesa em alguns de seus filmes”, conta Ponky. 

 

Este é só um pedaço da história desta figura do surf panamenho e mundial. Icaza, depois de terminar a universidade, resolveu desbravar as ondas da América Central. 

 

Em 1968, ele iniciou com um colega americano, sua expedição rumo ao Panamá. Foram dois anos de estradas, descobertas e muitas ondas surfadas. 

 

Icaza conheceu praias do México, Guatemala, Honduras, El Salvador, Nicarágua, Costa Rica e Panamá. 

 

Ao voltar para casa, ouviu de alguns amigos locais que havia um pico ainda inexplorado no litoral Sul do Pacífico.

Sem pensar duas vezes, reuniu mais três amigos – Ricky Fábrega, Max Castellón e Freddy Deetz – e iniciou à viagem. 

 

Em 1970, Ponky chegou a Santa Catalina. Ficou impressionado com as ondas perfeitas e o visual paradisíaco do lugar. 

 

“Era quase impossível chegar aqui. Não tinha placas, estradas, muito menos luz. Era um lugar muito perigoso também. No dia em que pisamos aqui pela primeira vez, a maré estava baixa e cheia de pedras. Ninguém tinha coragem de encarar o surf. Entrei primeiro e o resto do pessoal esperou para ver se eu sobrevivia”, conta Ponky. 

 

Durante muitos anos as ondas da praia de Santa Catalina permaneceram em segredo. 

 

Icaza nunca mais foi embora. Montou uma pequena cabana em frente ao mar e por muitos anos viveu isolado do mundo, ao lado de alguns pescadores que viviam do outro canto da praia. 

 

Foi no final da década de 70 que ele começou a recepcionar surfistas de outros lugares e montou um surf camp, onde hoje acontece o ISA Games 2013.  

 

Nesta mesma época, começou a trabalhar em uma grande empresa alimentícia americana na Cidade do Panamá, mas em  todos finais de semana seguia viagem para Santa Catalina. “Não conseguia viver daquela maneira. Estava viciado em ondas, queria sair do escritório o mais rápido possível”, ressalta Icaza.

 

O percurso da Cidade do Panamá a Santa Catalina durava cerca de 12 horas – hoje o tempo de viagem não ultrapassa seis horas. “Não tinha pontes, as estradas eram horríveis e, por muitas vezes, fomos obrigados a abrir caminho. Quando o rio subia, ninguém entrava nem saía”, explica. 

 

Aos poucos, a vida foi melhorando, e, no começo dos anos 80, ele mudou novamente, desta vez para uma ótima casa – hoje abandonada por conta de deslizamentos causados pelas ondas – na beira da praia, em uma pequena colina com vista para o mar.

 

Foi neste lugar que recebeu muitos amigos. imagens destes encontros estão guardadas com carinho em um álbum de fotografias. 

 

O carioca Rodrigo Resende está entre os ilustres surfistas que se hospedaram na casa de Ponky. 

 

Inclusive, foi com Resende, que o panamenho descobriu mais uma onda perfeita no Panamá. “Pegamos um barco até Playa Grande e tivemos a belíssima surpresa de encontrar ondas tubulares. Tinha que ser bom para surfar estas ondas, mas nada muito difícil para meu amigo brasileiro”, comenta Icaza.  

 

Hoje, Ponky mora em outra casa, em cima de uma pequena montanha. Vive ao lado da mulher Márcia Souza Pani. 

 

As paredes da sala, quartos e outros locais da casa estão cheias de fotos e lembranças de viagens e amigos feitos ao longo dos anos. 

 

Desde que se casou, ele vai ao Rio de Janeiro (RJ) todos os anos. “A família de minha esposa é toda do Rio. Quando vou para o Brasil gosto de assistir aos jogos de futebol. Mas já surfei na Barra da Tijuca, Arpoador e Saquarema”, disse. 

 

Sob de uma pequena mesa, no meio da sala, Ponky deixa guardada uma maleta repleta de revistas de diferentes nacionalidades, que contam um pouco da história de Santa Catalina. Muitas matérias utilizam nomes fictícios – um pedido pessoal aos autores – para impedir à chegada de outros surfistas. 

 

O panamenho nunca surfou profissionalmente. Sempre optou pelo free surf e pelas expedições em praias ainda desconhecidas. “Há muitas ondas para serem descobertas por aqui (América Central). Há muitas ilhas escondidas. Sei de algumas por aqui, mas não vou contar”, revelou Ponky, com um sorriso malandro no rosto. 

 

Sempre que pode, ele ainda surfa nas ondas de Santa Catalina. Mas hoje, prefere lugares mais tranqüilos. “Já não tenho idade para ficar dividindo onda com ninguém”, disse. 

 

O ISA Games 2013 é realizado na antiga propriedade de Ponky. Algumas casas – a maioria em ruinas – servem de abrigo para comerciantes e turistas que acompanham o evento.