Espêice Fia

Batismo na Laje

0

Estes dias fui batizado na Laje de Jaguaruna, Sul de Santa Catarina. E batizado com uma vaca em minha primeira onda apenas pra acordar, pra ficar esperto. Não que eu subestime qualquer lugar, longe disso, vaquei não porque me arrisquei, mas porque a onda é realmente  difícil  para a remada, tal como foi minha investida e a dos outros amigos que dividiram a session.

 

Amigos novos, que conheci naquela manhã de quarta-feira fria, chuvosa e ondulação de bem volumosa de 6 pés. A turma traduzia-se na Atow-Inj, ou seja, Associação de Tow-in de Jaguaruna. Há cerca de um mês e meio confeccionei uma gunzera 9’6” já visando a temporada havaiana ao final do ano, mas também  pra ter um “barco” para alguma ocasião no Brasil.

 

Falando assim, parece até que sou um big rider! Vish, mas olha que bicho enxerido! No entanto, ao ver aqui no Waves que Atow-Inj havia aberto o período de espera para o Desafio Mormaii de Ondas Grandes, na remada, achei que poderia estar presente por ser co-patrocinado pela empresa.

 

Sem muita pretensão, quero ao menos estar presente, tento uma vaguinha na lista de alternates, pois a oficial já está lotada e lotada de grandes nomes do big surf brasileiro renomados internacionalmente. É só checar lá, Carlos Burle e Danilo “crazy train” Couto encabeçam a fila com 24 atletas.

 

Pico desconhecido, evento de onda grande… No mínimo eu precisava dar uma checada antes do grande dia e, para a minha surpresa, a oportunidade surgiu apenas uma semana após meu contato com o Thiago Jacaré, presidente da Atow-inj. Ao receber sua ligação, contatei o fotógrafo e video maker James Thisted, com quem regularmente faço umas sessions de surf aqui em Floripa.

 

Aliás, havia recorrido antes ao James para tentar o contato com o “Jacaré”, com quem  ele fotografou o pico em algumas ocasiões em outras oportunidades. Às 4:30 despertamos e às 5 da manhã já estávamos na BR 101 Sul, que agora, duplicada em sua maior parte até Laguna, nos levou rapidamente ao pico.

 

No meio do caminho, logo após as obras da ponte em Laguna, passamos por duas caminhonetes com jets em suas carretas e logo imaginei que o dia prometia e que de repente o mar estaria bem grande, afinal, não é todo dia que há transito com jets em carretas.

 

Marquito e Ricardo Amassado eram os pilotos, que logo após nossa chegada em Jaguaruna também encostaram seus autos. Apesar de ondulação pequena para os padrões do pico, as condições prometiam, segundo a galera, até porque a laje, que fica a 5.3 quilômetros da costa, estava espumando desde a tarde anterior.

 

O beach break à frente estava com 6 pés de face, então alguma coisa na laje iria ter. Fui apresentado a todos da turma e aguardamos quando outras duplas com seus jets chegavam. Ao todo, seis jets.

Pega detalhe de um jet aqui, número de habilitação náutica ali …tudo organizado de acordo com os padrões de segurança, pois com a natureza e com as leis, não se brinca. A burocracia foi rápida e logo estávamos desembarcando as máquinas na beira da praia.

 

Pra mim, tudo novidade e estava amarradão, com a adrenalina elevada. Pra falar a verdade, nem sabia tanto o que me esperava, pois nunca tinha realmente visto o total pontecial da “Jagua” nas publicações.  Quero dizer, teria visto, talvez, mas sem dar a atenção merecida.

 

A surpresa foi chegar ao QG da Atow-inj e ter me deparado com gunzeiras havaianas. Logo vi que ali não era lugar para brincadeiras. O trajeto até a laje durou cerca de meia hora, pois não fomos com muita velocidade.

 

Chegando ao pico, Píri, que me dava carona em seu jet, fez para mim aquele reconhecimento do pico, passando da direita para esquerda e me indicando o tipo das ondulações e contando um pouco das histórias no pico e tamanho real de suas ondas.

 

As series demoravam e víamos que não era um dia assim tão propício. No entanto, veio uma série maior e deu pra entender o potencial da onda, pois uma direita volumosa cavou rápido na cabeça de laje.

 

A essa altura o Alexandre Magrinho, praticante de Sup, já remava pra cima e pra baixo a fim de pegar a primeira onda. Não demorou muito pra que viesse rapidamente em uma por trás do pico. A chupada na pedra era grande e fiquei ali analisando.

 

O swell era pequeno, no entanto volumoso, como dissera. A real era que a turma esperava mais do dia, porém, quando a brisa do maral de Sul diminuía, entravam algumas séries espaçadas de duas ondas. André Paulista, com sua 10 pés e não sei mais quanto, pegou uma, Marquito com seu barco de três longarinas coladas também pegou outra e resolvi entrar, até porque já estava começando a ficar com frio em cima do jet.

 

Assim que entrei, me coloquei para o drop e, quando a onda veio, remei forte. Achava que estava bem na fita, mesmo tendo remado mais ao rabo da onda. Foi tudo muitíssimo rápido e quando vi, já estava voando. Ao bater na superfície, não segurei o tranco e o caldo foi demorado, a ponto de ter de escalar a cordinha tamanho de 10 pés.

 

Quando subi, a galera já dava risada e ao mesmo tempo olhava apreensiva, mas o batizado estava consumado. A estas alturas, Magrinho estava solto em seu Sup, sempre remando atrás do pico. Sua forma de surfar já mostrava conhecimento do pico, pois estava bem atirado.

 

Na água, a turma relatava sobre as ondas que dão ali e só fiquei imaginando um dia grande, pois nessa onda oceânica, a semelhança com o Hawaii não é mera coincidência. Naquele momento, uma série entrou mais alinhada e Magrindo dropou atrasado.

 

Só vi os gritos da galera quando ele completou o late take off. O momento foi radical, mas para sua infelicidade, a onda de trás que também passou por nós, que estávamos um pouco fora do pico, quebrou em sua frente, bem em cima de seu sup.

 

Magrinho ainda soltou a cordinha, mas não teve jeito, o bichinho deu cria. Duas partes iguais. A partir dali, Magrinho passou apenas a acompanhar a session. Jacaré entrou na água com a gunzeira do André Paulista e, quando as ondas começaram a piorar, pegaram a prancha de tow-in e foram brincar.

 

André foi o primeiro a ser rebocado e ali tive a certeza do que ele me disse: “Salvo as esquerdas, a onda é especial para ser rebocado”. Em sua primeira investida, Thiago Jacaré já o puxou em uma boa onda, em que passou por baixo do lip.

 

O que tentávamos fazer em duas horas, o cara fez no primeiro minuto. Fiquei apenas olhando, apesar de ter sido convidado para ser rebocado. Bom, minha recusa fora pelo fato de nunca ter feito tow-in na vida e não era ali que queria aprender.

 

Acho que o tempo de pegar a corda eu até teria, mas achar o tempo do pico seria mais difícil.  Bom, deverei achar uma forma de fazer algum treino para uma outra oportunidade.

 

Durante a session, Napoli, um amigo da galera que estava treinando em seu jet para as ações na laje, começou a marear. Aliás, este fato é corriqueiro pra muitas pessoas que ficam ali por longos períodos nos lombos do jets balançando.

 

Plínio, que pilotava o jet ajudando no resgate, acompanhou juntamente com Píri o retorno de Napoli até a praia em nome da segurança. Dito e feito, o jet de Napoli deu pau e os caras tiveram que rebocá-lo até o inside.

 

Depois de três horas em alto mar, retornamos à base. Não sei quanto ao nível de curtição da galera, mas pra mim tinha sido um dia maravilhoso, cheio de adrenalina e um novo conhecimento, o de saber que no Brasil tem realmente onda de potencial havaiano.

 

 

E olhem que eu não vi nada doque o pico tem a oferecer. Na areia, haja trampo pra botar os jets nos carrinhos e depois de ver a turma jogando jatos de água em tudo quanto era buraco das máquinas me fez pensar; quanta função! Acho difícil um dia eu ser adepto do tow-in, mas de fato, quando se está com tudo pronto e dentro d’água, a diversão é maior e mais constante.

Fábio Gouveia
Campeão brasileiro e mundial de surfe amador, duas vezes campeão brasileiro de surfe profissional e campeão do WQS em 1998. É reconhecido como um ícone do esporte no Brasil e no Mundo. Também trabalha como shaper.