Mick Fanning acabara de surfar a sua melhor onda na final da França. Ainda de pé na prancha, o aussie abre os braços, como quem cobra uma resposta convincente dos juízes. A nota não demora a sair: 8,8 e a inapelável virada sobre Gabriel Medina, a poucos instantes do fim.
O brasileiro vinha fora da curva, era talvez o melhor surfista do evento, ao lado do conterrâneo Filipe Toledo. Aéreos de rotação completa, velocidade, rasgadas potentes. Na final, executou seu conhecido repertório. Sim, isso mesmo, conhecido. Não quer dizer desgastado.
O australiano virou com um surfe irretocável. Aproveitou todas as brechas da onda, executou movimentos clássicos com precisão suíça, explorou cada milímetro oferecido. Apresentou ao público o seu conhecido repertório. Sim, isso mesmo, conhecido. Não quer dizer desgastado.
Entre dois surfistas de alta qualidade, venceu o mais convencional, num mar com ondas francesas de meio metro. Mick tem a linha mais refinada, sem arestas, mas é menos moderno. Nitidamente. Garotos e veteranos são capazes de perceber isso.
A mensagem não é nova: depois do surto de modernidade em 2011, a ASP se arrependeu e deu passos atrás. Decidiu recuperar movimentos clássicos – que são fundamentais, diga-se – talvez para prolongar a vida útil de ídolos caros ao surf.
Para além dos critérios randômicos da ASP, há, em todos os esportes que dependem de árbitros, certa benevolência com grandes nomes.
Anderson Silva, no MMA, vencerá possíveis embates duvidosos. É um pouco difícil dar pênalti em lance polêmico contra o time da casa, com estádio cheio. Shaun White entra num half pipe de neve com alguns flocos de vantagem sobre seus adversários.
Quanto menor a deferência, maior a credibilidade do esporte. O que acontece, no surf, é que talvez esse limite de deferência esteja um pouco acentuado demais. Fora do tom. Na França, o caldo parece ter entornado um pouco.
Marc Lacomare, competindo em casa, atropelou sem perdão Joel Parkinson no round 2. Perdeu, inexplicavelmente. Depois, foi a vez de Kai Otton cair, notadamente surfando melhor, para o mesmo figurão.
Na final, de alguma forma, Mick também foi elevado a uma condição especial. E ele sabia disso. Por isso, na primeira janela, assim que surfou de maneira irretocável uma onda um pouco melhor, abriu os braços, sem qualquer constrangimento.
Friso aqui o de “alguma forma”, porque Medina perdeu para seus próprios erros táticos. Deixou solto, ao longo de toda a bateria, um especialista em tirar leite de pedra, um surfista que sabe usar com maestria todas as brechas existentes, um super competidor.
Por isso, quando Fanning finalizou, de forma irretocável, a sua melhor onda, mesmo o torcedor mais fanático, diante das notas apresentadas ao longo da bateria, sabia da virada. Talvez não com o exagerado 8,8 pontos, dado depois dos braços abertos, mas com média suficiente para que o australiano levasse a final.
Passado o evento, as questões permanecem. O risco, para a ASP, é perder credibilidade ao referendar resultados discutíveis. No site da entidade, começam a pipocar, com cada vez mais frequência, comentários vindos de outros cantos do mundo, sobre o tal julgamento confuso, muito distante da opinião do público, tanto na praia quanto na web.
Reproduzo um deles aqui, no original em inglês mesmo, postado pelo leitor americano Matthew O´brien na matéria sobre a etapa da França, publicada no site da ASP: “That final was a joke right? I just watched heat review and the judges are telling us (and surfers) that Mick’s 6.1 was .4 less than Medina’s 6.5!? Seriously? Medina did 3 airs on one wave – with function – and Mick did two backside snaps! Then Mick’s 8.63 was seriously better than Medina’s huge full rotator? Seriously, is there a punch line I am missing? I also find it hard to believe that any of Mick’s waves were actually surfed better than Medina’s two scoring waves due to the fact that he mistimed most of his turns. I am in complete shock! Did I watch the wrong heat review? Was that a different final that the one Mick won? WOW… that is B.S.!! If you don’t believe me, go re-watch it AND tell me I am wrong. Also just a sidenote: No way Parko beat Kai. NO WAY!”
Mas há quem defenda o julgamento da ASP, com o argumento da suposta previsibilidade de Medina. Disse o leitor Lach Mcalister: ”I liked Medina when he came into the ASP at the back the end of 2011. But his surfing has become damn predictable. Every heat racing through steep carvable sections to punt an air. Air reverses are good but so many non-professional groms can punt them now it’s ridiculous. The power surfing, flow, and ability to stay in the pocket and complete multiple turns on waves, that would only offer 1 big turn to us average joe’s is really what separates the elite. Thats how scores are being awarded and that’s how it should stay.”
O que salva a ASP da morte é a incrível subjetividade do surf. E você, o que acha?