Espêice Fia

Dança das pranchas

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Fabio Gouveia e sua prancha mágica Swell Lines produzida por Paulo Bala, no OP Pro de 1986. Foto: Arquivo Pessoal.

Kelly Slater exibe pré-shape com rabeta diferente. Foto: Arquivo Pessoal.

As décadas vão passando e os outlines vão mudando. Esquisitices à parte, depois de um tempo percebi que a primeira prancha triquilha shapeada para mim tinha algo diferente na época.

Embora eu só tenha ficado antenado e escutado falar uns dois anos mais tarde sobre o tal do “needle nose” (nariz de agulha), o bico de minha Swell Lines feita por Paulo Bala era muito estreito. Rabetão double wing swallow e o bico bem estreito, talvez uns 10 1/4 de meio ou menos, parecia uma “gota”.

Mas a prancha era mágica. Por ser estreito, o bico era fácil de ser deslocado com bastante rapidez. Isso traduzia-se em batidas retas, radicais e também em fácil decolagem. Naquela época as pranchas do Nordeste eram um tanto diferentes das pranchas do Sul e Sudeste, pois nessas regiões – pelo fato de as ondas serem mais volumosas e em sua grande maioria mais fortes – usava-se mais área na produção da prancha.

Sinto que hoje, com as máquinas de shape e a invasão das pranchas estrangeiras, está tudo mais próximo, apesar de que no Nordeste muitos ainda estão usando bicos mais estreitos. No Dream Tour, muitas ondas são tubulares, quesito esse que requer um outline diferenciado para que se tenha uma melhor performance. Penso que um volume extra na parte frontal da prancha ajude a ter mais estabilidade, gerar mais velocidade. Mas é claro, tudo vai também de acordo com fundo, quantidade e colocação de quilhas.

No passado perdi baterias em ondas tubulares por estar com o bico da prancha estreito, pois eu – que depois de certa maturidade mudei um pouco minha base, levando o peso pra frente na hora dos tubos – ficava afundando e não conseguia fluir, nem sair de alguns barrels, já que o bico em algumas horas ficava na água. Mas tem a ressalva também de cada um ter uma base, uma pisada diferente.

De bicos, passando pra fundos e estilos de rabetas: hoje tudo está em alta, o experimentalismo está em alta, seja na competição ou, é claro, no free surf. Tava cheio de nego voando nas ondas havaianas quando estavam pequenas. Lembro de ter visto alguns modelos pequeninos da Tomo Surfboards, outros da Fire Wire. Pranchas sem bico, rabetas estrambólicas. A junção disso resultava em velocidade e aéreos diferenciados.

Kelly Slater vem buscando coisas novas há tempos. Na última semana vi uma foto em seu Instagram na qual posicionava em um pré-shape um outline de rabeta swallow. A rabeta já riscada com um round surgiu na forma de bat tail, tal como foi intitulada. O bicho botou lá a hashtag #ProbablyWontWork (provavelmente não vai funcionar). Bom, no pé dele funciona qualquer coisa e saindo das mãos dele também logo vai estar se popularizando caso ele encarne na tal rabeta.

Desenhei essa mesma rabeta há cerca de dois anos em uma 5’0. A tampinha de privada voou. Mas, é claro, o conjunto do fundo e quilhas completou a soma. Neste momento em que se encontra o surf mundial, com os juízes julgando cada vez mais a performance dos atletas sem se importar muito com o estilo da prancha que está sendo surfada, tá ótimo, pois só assim se acelera a evolução.

 

Fábio Gouveia
Campeão brasileiro e mundial de surfe amador, duas vezes campeão brasileiro de surfe profissional e campeão do WQS em 1998. É reconhecido como um ícone do esporte no Brasil e no Mundo. Também trabalha como shaper.