No mundo do surf, várias famílias de surfistas consagrados marcaram épocas, deixando verdadeiros legados, passados de geração pra geração, varando a barreira do tempo, e contribuindo imensamente para o crescimento e a evolução do esporte. Uma família, em especial, na minha opinião, merece destaque: os Fletchers.
Ainda em meados dos anos 60, o nome da família Fletcher começou a aparecer no cenário do surf quando Herbie, um jovem competidor californiano de apenas 17 anos, chegou à semifinal da World Surfing Championships, apresentando um surf arrojado e moderno para aqueles dias.
Com a revolução das pranchinhas mini-models, Herbie Fletcher ficou fora da mídia por alguns anos, mas, local assíduo do North Shore havaiano, continuou apostando no surf de longboard e, em franca evolução, fez a capa da revista Surfer em 1976, mandando um noseride com muito estilo em um direitão, sobre seu pranchão vermelho. Primeira capa da Surfer Mag desde 1968 e última até 1997 com um surfista de longboard, resgatando o interesse dos leitores pelo longboard.
Ainda em 1976, Herbie comprou a empresa Astrodeck, do também californiano Jim Van Vleck (que estava desenvolvendo um spray de uretano para ser aplicado no bico das pranchas e facilitar os noserides) e criou o até hoje usado e consagrado grip adesivo que substitui o uso da parafina, tornando a Astrodeck umas das maiores empresas de surf entre o final dos anos 70 e anos 80. Invenção, diga-se, utilizada por quase todos os surfistas, mundo afora, até os dias de hoje.
Já no início dos anos 80, Herbie começou a ensinar o esporte para as suas crias, Christian e Nathan, que, desde muito cedo, surfaram, diariamente, as ondas de San Clemente/California e foram evoluindo, a cada ano.
Em 1985, Herbie, por meio da Astodeck, deu início a uma das mais marcantes sequências de filmes de surf de todos os tempos, a série “Wave Warriors”, que apresentava um surf muito moderno para a época, com uma trilha sonora eletrizante! Quem não viu, tem que ver (todos)!
Nesta mesma época, sempre buscando inovação, Herbie realizou um sonho que vinha cultivando há alguns anos, no Havaí, e comprou um jet ski, com o qual começou a explorar todos os outer reefs do North Shore, tanto nos dias flat como nos dias de ondas gigantes, chegando a dropar ondas de 25 pés, em Waimea, com seu jet ski, o que chamou a atanção de muitos, mas a verdadeira carta na manga com o jet ainda estava por vir.
Em 1987, lá veio Herbie com mais uma significativa contribuição para o futuro do esporte. Em um swell de 12 pés, em Pipeline, Herbie convenceu o jovem Martin Potter, Tom Carroll e Michael Ho a rebocá-los com seu jet ski e uma corda em morras da terceira bancada de Pipe. A imagem de Potter sendo puxado por Herbie rodou o mundo e foi, acredito eu, o primeiro registro de tow-in surfing, na história. Memorável.
A essa altura do campeonato, o filho mais velho de Herbie, Christian, já adolescente, despontava como umas das maiores promessa do surf californiano.
Herbie, por sinal, aproveitou muito bem a série “Wave Wariors” para mostrar ao mundo o surf revolucionário de Christian Fletcher, pai do surf aéreo, juntamente com Matt Archbold e Potter, imagens estas que se entranharam nas mentes de milhares de jovens e influenciaram todo o rumo que o surf veio a tomar, nos anos seguintes.
Infelizmente, os juízes da ASP, na época, não estavam preparados para o surf explosivo e aéreo de Christian e subjulgaram suas performances, o que acabou prejudicando a sua carreira como competidor (muito à frente se seu tempo), mas não foi capaz de impedir o legado do surf aéreo deixado por ele para as gerações que viriam, em seguida.
O reconhecimento da comunidade do surf, entretanto, foi imediato. Absolutamente extasiada com o surf aéreo de Christian, a revista Surfer, em 1988, fez uma capa histórica com Christian voando alto e a legenda: “The anti-standard issue”!
No ano seguinte, em 1989, Christian Fletcher teve a sua maior atuação no surf competição, aos 18 anos, em Lower Trestles, quando o anti-herói levou o título após deixar todos os tops para trás (começando nas triagens) com seu surf aéreo e inovador. Essa não foi simplesmente uma linda vitória de Christian, foi uma vitória do surf.
Ainda em 1989, Herbie lançou o quarto e talvez o melhor filme da série “Wave Warriors”, onde de uma vez por todas conseguiu chocar o mundo com o surf aéreo de seu filho Christian, exibindo manobras aéreas e uma trilha sonora de punk rock que marcou gerações.
Herbie Fletcher também deu as caras como surfista em “Wave Warriors IV” e, surfando direitonas tubulares como Backdoor e Off the Wall, com seu longboard, foi um dos primeiros – ou o primeiro – a deixar a rabeta da prancha derrapar no drop e depois se ajeitar com maestria na cavada para encaixar nos tubos. Técnica esta muito utilizada, até os dias atuais, por surfistas de pranchinha, principalmente, em drops muito atrasados. Bruce Irons adora fazer isso, por exemplo.
Impossível deixar de falar do caçula de Herbie, Nathan, que, embora não tenha despontado no surf competição, mesmo sendo dono de um talento peculiar, recentemente, ganhou o respeito de toda a comunidade do surf com performances insanas nos maiores swells do mundo, mas, sobretudo, nas bombas de Teahupoo/Tahiti.
Não é à toa que, em 2011, foi capa da Revista Surfer dropando uma morra inimaginável, em Teahupoo, com a legenda: “The Heaviest Wave Ever Ridden”!
Enfim, a família Fletcher, formada por surfistas autênticos e com muita personalidade, embora não tenha um troféu de campeão mundial na estante da sala, prestou contribuições imensuráveis e deixou um legado que continuará influenciando jovens de todo mundo pelas próximas gerações. O que, sinceramente, vale mais do que qualquer troféu.
Os caras, simplesmente, inventaram o tow-in, o grip pra prancha, o surf aéreo, fizeram uma das mais memoráveis séries de filmes de surf de todos os tempos e pegaram umas das ondas mais pesadas da história. Tá bom ou quer mais?
Parabéns, Fletchers, pela contribuição. O surf agradece.