Espêice Fia

Batismo no tow-in

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No último feriado, fui convidado mais uma vez por Luciano Burin para participar das gravações do documentário “A Pedra e o Farol”. Com grande ondulação em alto-mar, a turma do surf de ondas grandes do sul de Santa Catarina já estava a postos e antenada no que poderia ocorrer. É sempre muito gratificante a hospitalidade da galera da Atow-inj, que tem sua base em Jaguaruna, em frente à famosa laje de “Jagua”.

 

Na quarta-feira, Thiago Jacaré já havia trocado vários telefonemas com Burin, e por volta da meia-noite e meia, chegamos a Jagua para encontrar André Paulista, que nos aguardava para receber baterias extras para as câmeras que captariam as imagens no dia seguinte.

 

A previsão era de ondas grandes, mas o vento sul forte estaria presente para talvez complicar nossa empreitada, segundo Paulista. Madrugada fria, deitamos ansiosos sob o forte barulho das ondas. O amanhecer estava bonito, sol raiando, mas vento apertando e estragando as condições. Fomos atrás de outras ondas e essa session será contada em outro capítulo. Quando cheguei da última temporada havaiana, confeccionei uma gunzeira 10’4”, pois queria aproveitar aquela sensibilidade de ter usado pranchas grandes para poder fazer um bom trabalho. A prancha seria para a temporada 2014 / 15, mas iria passar primeiro pelo teste na laje de Jaguaruna.

No dia seguinte, aquele “ventoso” amanheceu ainda mais frio, no entanto com uma ótima brisa de terral. Na serra marcava temperatura abaixo de zero. Bem-vindos ao inverno que, aliás, trazia o aniversário do dia do surf! Sol raiando, mais uma vez lindo! Luciano quis captar o visual de cima das dunas que ficavam logo atrás das casas. No horizonte avistávamos a laje da Jaguá, cerca de 5 quilômetros e meio da costa. O mar havia baixado, mas espumeiros espaçados poderiam ser vistos facilmente. Diferente do dia anterior, as ondas pareciam mais emparedadas e, é claro, mais perfeitas. Mas isso era o que nós tentávamos deduzir, pois nossos olhos não nos proporcionavam uma visão nem minimamente exata, pois o negócio é longe!

 

Já na base da Atow-inj, encontramos uma galera já se preparando quando Thiago Jacaré sai pra encher os galões de combustível para botarmos autonomia nos jets. Encontrei ali João Capilé, figura carimbada na laje quando as condições prometem. O caldo era engrossado por  Luis Sapão, Marcos Cabral, pelo videomaker Lucas Barnis e Julinho.

 

“Galera, vamos agilizar, pois aqui na frente baixou, mas lá fora pode ser tudo diferente”, relata Jacaré. Estava bem ansioso. Botei meu long e um colete flutuante, já que a turma ali só cai toda inflada. Pra mim tudo é novidade e não via a hora de estar remando e tentando pegar aquelas ondas grandes. Depois de todo o ritual de arrumar as parafernálias, já estava eu sendo levado por Capilé em seu jet para esperar o resto da turma ser transportada para depois da arrebentação do beach break.

 

O big rider Fabiano Tissot já estava ali esperando a turma em seu Stand Up Paddle onze e sei lá mais quantos pés. Pedi emprestado seu remo para ver se conseguia remar com minha gunzeira. Mesmo com 22 polegadas e meia, com 3 e meio de flutuação, não consegui transformá-la em um SUP.

 

Desisti quando a turma toda com os quatro jets chegava para sair em caravana rumo à laje. Depois de cerca de 20 minutos, íamos nos aproximando quando avistamos algumas embarcações e suas redes montadas a poucos metros do pico, afinal estamos em plena temporada de pesca da tainha. Rondamos a área enquanto esperávamos ansiosos por uma série. Para a nossa sorte, os pescadores pareciam estar recolhendo as redes e teve um entendimento mútuo. Da última vez que fui à laje, não consegui ficar muito tempo no jet, pois ali se enjoa bem mais que em qualquer outra trip que tenha feito em embarcações.

 

O volume de água se mexendo é grande e o melhor mesmo era ir pra água, até porque Fabiano Tissot já estava remando com seu “navio” rumo ao meio do oceano. Uma série na direita entrou com uma onda pequena na frente e uma maior atrás que rodou um tubo. “Ôpa, parece que tem umas ondas, galera. Vamos passar pro lado da direita pra analisar melhor”, dispara Thiago Jacaré.

 

Fabiano buscava as esquerdas e uma série maior entrou no momento em que eu buscava me posicionar pra remar nas direitas. Umas duas ondas passaram com bastante volume, mas eu estava perdido e não conseguia um bom posicionamento ao mesmo tempo que esperava ver qual o real tamanho do swell. As séries iam aumentando quando uma de uns 6, 8 pés dobrou em cima do “cabeço” de pedra. O lip jogou longe e tentei remar ao lado, mas não consegui entrar. Esperava que Thiago ou qualquer outro da turma viesse a remar junto comigo, mas naquela ocasião a direita estava mais propícia mesmo era para o tow-in.

 

Jacaré logo apareceu rasgando o outside, rebocando André Paulista. A sintonia dos dois parceiros é notada logo na primeira onda de responsa que entra. André solta a corda, e dando aquela “estilingada”, faz a curva por trás do pico. Acompanho a ação a poucos metros dali e só vejo aquele lip grosso dobrando seguido dos urros da galera no canal.

 

Consegui um bom drop ao lado da pedra, e o tubo que foi rodado por ela em minhas costas jogou um forte spray. Neste momento, Capilé já estava puxando Sapão e o trânsito no curto line up aumentava. Não consegui me concentrar muito pra tentar um posicionamento melhor pro drop e fazer a onda que eu queria, mesmo com a dificuldade da cabeça de pedra que faz a o lip jogar à frente em questão de segundos. Mas segui tentando os drops, quando Capilé veio em seu jet a milhão em minha direção. O Sol ofuscava sua vista, e por via das dúvidas aceitei logo o alerta enviado por Tissot para que saísse dali.

 

Já tinha visto umas duas paredes de Tissot para a esquerda. Seu big “SUP” funcionava como uma enorme gunzeira e sua facilidade era incrível. Cheguei a vê-lo se posicionando e remando forte para uma da série que deveria ter uns 10 pés de face. A onda era verde e no mesmo momento já mudei a atenção para mais uma onda quadrada de André Paulista. O cara tem a manha. Vem bem de trás com um ótimo posicionamento. A brincadeira parece muito fácil. Sapão também veio na de trás fazendo uma bela curva, mas, como na maioria das vezes, só escutava os urros da galera nos outros jets, já que a onda passava por mim em fração de segundos. Minha primeira investida na esquerda foi divertida. Um intermediária com um drop confortável. Mas logo entrou na parte funda e encheu.

 

Fabiano Tissot veio na de trás manobrando bem, apesar do tamanho do seu SUP. Voltamos remando juntos quando ele seguia me dando muitas dicas. E eu atentamente ia escutando e pensando nas sessions que já vi em fotos e vídeos dessa galera dropadora de morras. Eu e Tissot na esquerda e a turma solta no tow-in nas direitas. A cada série apontada, a aceleração era acionada e a turma passava voando ao nosso lado. Em uma dessas, Thiago Jacaré, que já havia trocado o posto com André Paulista, pega uma grande direita. Capilé puxa Sapão, que vem na mesma ondulação, e como a prioridade era de Jacaré, ele veio para a esquerda quando Tissot já estava dropando atrasado.

 

Por pouco a turma não colidiu, e logo depois deste episódio acabei perdendo a melhor onda que poderia ter pego na caída. Uma esquerda grande veio atrás e já dobrando, mas, pra minha infelicidade, Fabiano vinha voltando rente à zona de impacto e possivelmente iria soltar seu SUP no meio da parede. Freei nas últimas e ainda bem que não fui, pois também iria correr o risco de colidir. Outras ondas vieram, Julinho também foi puxado e só via ele engatando em seu backside no trilho da direita.

 

Peguei outras boas, em especial uma que correu um pouco mais e deu pra dar um viradão na base seguido de uma boa curva acima da parede. Mesmo com uma 10’4”, o jogo de quadriquilha facilitava a virada. Luciano Burin, que estava posicionado para as direitas, teve de abandonar a session e voltar pra praia, pois Marcos Cabral, que movimentava o jet, enjoou bastante e não aguentou nem fazer o tow. 

 

Mas Lucas Banis, videomaker habitual da turma da Atow Inj, estava ali pra seguir documentando. Capilé acabou apenas puxando seus parceiros, pois acho que não se instigou. Na real, o mar apesar de estar com um tamanho nas maiores séries, estava pequeno para os padrões da laje e da turma. Thiago e André sempre me pilharam para que eu pegasse umas ondas no tow, e eu, pela resistência de nunca ter feito, ficava sempre na desculpa de que não queria aprender em um lugar casca-grossa, com uma pedra no meio do caminho. Resisti à primeira chamada e acabei voltando atrás quando a galera disse que partiria, pois, segundo eles, as ondas ali na direita já não estavam tão boas.

 

Queria ter ficado remando mais, queria ter pego uma onda tal como a que eu perdera no começo da session. Mas de certa forma já estava de cabeça feita, amarradão de estar ali. André assumiu o outro jet e Jacaré me trouxe uma “lâmina” modelo Jorge Pacelli. No primeiro momento estranhei muito o posicionamento das alças com a base bem aberta, mas Jacaré emendou dizendo que tow in era desta forma mesmo. Rodamos algumas vezes para que eu tivesse uma noção do line up visto de cima, e em poucos minutos lá estava eu deslizando em uma marola. “Essa daí foi fraca, só pra tu conhecer”, dispara Jacaré. “Agora vou te botar numa melhor”, disse ele, quando minhas pernas, mesmo com a pouca ação, já estavam reclamando.

 

É aquela coisa, um tipo de exercício que não estou acostumado a fazer e o “bicho acaba pegando”.  Uma maiorzinha veio e  o “jaca” acelerou. “Calma, não solta a corda agora, não”, dizia ele calmamente, enquanto ia em baixa velocidade. “Vamos, vou acelerar, é agora! Dá aquela estilingada e solta!”, disse ele.

 

E foi o que fiz: puxei, soltei e disparei! A onda dobrou, e quando olhei, o tubo estava lá atrás das minhas costas. A velocidade era tanta que passei longe do tubo e da pedra. “Vamos, Fabinho, é só o começo”, gritava a galera do canal me dando a maior força. E eu já estava era amarradão, querendo ir até embora de tão feliz mesmo com apenas duas ondas.

 

As séries começavam a melhorar e veio outra muito boa. Consegui soltar a corda em um bom momento e fazer uma linha melhor. Era adrenalina misturada com uma felicidade que só me fazia rir. Completei mais uma! A brincadeira tá boa! “Vamos esperar uma maior”, disse Jacaré. E eu pensava: “Agora lascou, vou ter que ir!”. (risos).

 

E a ondulação veio. A onda era da série, quando Thiago acelerou. Acabei não entendendo seu comando, e quando soltei a corda percebi que tinha feito rapidamente em momento errado. Não dei aquela estilingada, e quando vi que não ia passar aquele tubo quadrado que ia começar a virar em minha frente, virei pra esquerda. Na minha frente ia o Tissot em seu SUP, então desacelerei e botei reto, esperando a espuma chegar e rapidamente tratar de me livrar das alças. Recém-recuperado de uma contusão no joelho, não queria me machucar.

 

Assim que subi do espumeiro, Jacaré já vinha num pau da bexiga com uma alça pendurada para fazer meu resgate. Apesar de ser o procedimento de praxe, nada demais tinha ocorrido no caldo. Mas achei engraçado, pois o bicho parecia um “vaqueiro” atrás de laçar um “garrote”. Fiquei rindo da situação, mas ia vendo o que era fazer o tow-in com todos os apetrechos, incluindo os de segurança, muito mais importantes do que se imagina, pois com o oceano, com a natureza, mesmo em momentos não tão extremos, não se brinca.

 

Nesse momento, a cada onda surfada percebia que ia pegando os macetes, e a onda seguinte já fiz com  mais confiança, apesar de ter ficado ainda à frente do tubo. Sabendo que a galera queria voltar à praia, não quis abusar e pedi para fazer a minha última onda. Mais uma vez a ondulação veio grande, mas talvez ela não tenha quebrado direito na bancada. Só sei que fui em alta velocidade procurando conhecer a prancha, tentando traçar uma linha para sentir o equipamento. Achei interessantíssimo, pois minha base dianteira estava posicionada muito à frente do que eu estou acostumado, e quando achava que aquele “sk8” iria embicar, muito pelo contrário, o negócio parecia que ligava um turbo e aumentava a velocidade.

Saí dali muito amarradão e totalmente agradecido àquela  turma de surf de ondão, pois mesmo diante do atual momento na minha carreira, dei um passo na evolução do meu surf e do meu conhecimento em equipamento. Mesmo tendo sido poucas ondas no tow, aquilo foi marcante, novos horizontes abriram-se em minha mente. A volta pareceu mais rápida, mas não menos longa. Aproveitei para pegar uma onda com o gunzeirão no beach break, que, aliás, estava bem divertido. Peguei umas duas direitas longas com cerca de 1 metro e mexendo bem a prancha.

Ao sair, dei a pilha pra Luciano Burin dar uma remada, pois ele disse nunca ter remado em uma 10’4”. E constatei que ele se divertiu ao mesmo tempo em que André Paulista puxava Capilé ali na frente. Só via um aguaceiro depois que sua lycra amarela passava em meu campo de mira. Ao sair da água, Sapão e o resto da turma já tinham organizado uma assada de carne ali mesmo na praia, sob os comandos do escudeiro Fabrício Gaivira – diga-se de passagem, muito divertido, uma comédia. No momento em que a turma fazia o procedimento de guardar pranchas, lavar os jets, eu e Luciano nos despedimos, pois era hora de pegar a estrada de volta a Floripa, onde o trânsito na entrada da ilha era intenso.

 

Enquanto batíamos muitos papos sobre a session e o documentário “A Pedra e o Farol”, até que nossa volta passou de certa forma despercebida, tamanha era a minha felicidade da trip que acabara de se concretizar. Vendo algumas imagens depois, vi a dificuldade que é de se registrar os bons momentos ali. O oceano se move em um alto e baixo frenético e fica difícil captar e transparecer o tamanho real das ondas. Mas no mínimo foi um treino bom também para Luciano, pois, diferentemente de Lucas Barnis, tem pouca quilometragem em captação de imagem na Laje. Como a session que ele busca gravar para o documentário precisará ser épica, quanto mais treino, melhor.

Fábio Gouveia
Campeão brasileiro e mundial de surfe amador, duas vezes campeão brasileiro de surfe profissional e campeão do WQS em 1998. É reconhecido como um ícone do esporte no Brasil e no Mundo. Também trabalha como shaper.