Sabe quando a pessoa acorda e parece que teve um sonho? Foi assim que me senti ao voltar pra casa depois de dez dias alucinantes em Kuda Huraa, ilha no arquipélago das Maldivas.
Nessas horas eu vejo a importância dos títulos que conquistei de campeão mundial amador em 88 e de campeão do WQS em 98, pois ser convidado para um evento como o Four Seasons Maldives Champions Trophy é um ótimo reconhecimento.
Já vinha ligado no evento desde a participação de Phil Rajzman e reforçado pelo ingresso de Pedro Henrique no ano passado. Fiquei pensando que a minha vez talvez chegasse, e ela veio mais rápido do que imaginava. A turma indicada para o evento deste ano era ótima! O campeão do ano anterior sempre tem cadeira cativa, e foi o caso do norte-americano Taylor Knox. Da Austrália vieram David Rastovich e do Hawaii foram convidados Sunny Garcia e Rochelle Ballard. Para completar, o bicampeão mundial de longboard Taylor Jensen, da Califórnia (EUA).
O evento teve a cobertura do Waves. O editor-global Ader Oliveira acompanhou tudo, e quem acessou o site pôde ficar por dentro das notícias, fotos e vídeos de todos os dias.
No geral, não me saí bem. Havia treinado com todos os tipos de quilhas e estava bem esperançoso. Mas na prática foi diferente, pois a turma estava simplesmente arrebentando e encaixada na “vala”, nas séries, enfim, no evento. Foi muito legal compartilhar as ondas de Sultan’s com apenas mais cinco surfistas em uma harmonia que realmente não era fácil de existir em um passado muito competitivo.
Por mais que estivéssemos em confraternização, no fundo, no fundo com certeza existia uma competitividade. Rastovich talvez fosse o mais largado, pois precocemente deixou as competições pra se tornar um dos mais emblemáticos freesurfers do mundo. Mas não se enganem, pois na finalíssima, quando os atletas poderiam usar qualquer configuração de quilha, Rasta – amante das monoquilhas e biquilhas – optou pelas thrusters (triquilhas), já que, com esse gênero, Taylor Knox estava arrebentando e era favorito a ganhar pela segunda vez o evento.
Mas Rasta estava iluminado, tanto no ato de surfar bonito como no encaixe das séries. A finalíssima não poderia ser outra, pois ambos foram os que mais surfaram, e Rasta, com certeza, foi o melhor. Sunny também surfou muito forte, e em qualquer rasgada que dava o leque que abria era sinônimo de nota alta. Tive dificuldade para ter uma boa segunda nota em todas as baterias. Existia uma marola proveniente das embarcações que passavam à frente do pico que persistia em me prejudicar em momentos oportunos e cruciais, mas no geral surfei melhor mesmo no freesurf.
O longboarder Taylor Jensen também surfou bem melhor no freesurf. Não lembrava de ter visto o cara surfar no passado, nem no long e nem, é claro, na pranchinha. Mas o cara surfava de forma formidável. O bicho é grandão, e em uma de nossas sessions, ao passar no round house cut back próximo a mim, os pingos foram tão fortes que a minha cabeça doeu.
A pequenina Rochelle Ballard está em plena forma, surfando muito. Deu batidas, belas rasgadas e pegou tubos. Seu biotipo, com certeza, vai lhe dar muita longevidade e foi um prazer vê-la surfar até em outros gêneros de pranchas, pois, segundo ela, nunca tinha surfado com outro a não ser as triquilhas.
E o evento foi ótimo para analisar as pranchas da galera. Sunny estava com uma monoquilha linda shapeada à mão pelo legend Ben Aipa. Uma stinger, com o duplo edge, que também deixou suas pranchas famosas no passado. Rasta estava com uma shapeada pelo filho do Sultão da velocidade, Terry Fitzgerald. Os shapes do Joe carregam uma pitada forte das influências de seu pai e, é claro, Rastovich ama isto. E Taylor Knox carregava nada mais, nada menos que a sua emblemática twin fins shapeada pelo legend tetracampeão mundial Mark Richards. Que prancha! Como estava surfando Taylor com aquele modelo. Analisando bem, logo percebi como MR estava à frente de seus oponentes quando usava esta prancha, pois era uma réplica idêntica a da era em que as twins reinavam.
E pra falar a verdade, gostei tanto de surfar e ver a turma surfando no dia das disputas das biquilhas que cheguei a dar uma pilha no Rasta e no Taylor antes da finalíssima para que usassem suas biquilhas. Mas, como disse, ali ninguém era bobo, pois ambos foram de triquilhas. No dia da final, rolou também a decisão de um evento com locais das Maldivas. Fiquei impressionado com o nível de surf atual apresentado. Acho que 2008 tinha sido a última vez que havia ido nas Maldivas, e de lá pra cá, com certeza a evolução da turma foi enorme. A linha de surf apresentada por todos era decente, e Iboo, tal como em versões anteriores, com seu lindo backside venceu mais uma vez.
O Four Seasons Maldives Champions Trophy é realmente um evento para não esquecer, desde o formato de disputas – cada surfista tem direito de surfar baterias com metade de sua idade, estendendo-se aos gêneros de quilhas. Mas, além disso, a confraternização é um show, pois cada atleta tem o direito de levar um acompanhante, e na maioria das vezes, é claro, a turma opta pelas esposas. Quer uma segunda lua de mel melhor? Luxo e mimo total eram o que todos encontravam. O resort tem a arte de deixar os hóspedes se sentirem únicos.
O evento rolou em quatro dias e bastava apenas duas horas em cada um deles. Nos intervalos, outras atividades rolavam, tais como visitas ao spa e mergulhos exóticos. Tivemos a oportunidade de ver muitas espécies marinhas, incluindo alguns tubarões “galha preta”. A cena do bichano vindo das profundezas era coisa de filme. E ao fim de todos os dias, rolava um sunset cocktail, com direito ao set do DJ e produtor Jason Kabuki, “importado” de Dubai para o nosso “private lounge”. Pense num negócio chique!
Este evento vem tendo ótima repercussão. Do Brasil, três veículos especializados distintos estavam fazendo a cobertura, representados por Julio Adler, Jair Bortoleto e o já citado Ader Oliveira. E para esta turma, um trabalho como esse é uma oportunidade imensa também de curtição, pois além de tudo, a galera pega altas ondas. E foi isso que fizeram nos intervalos. Marinheiros de primeira viagem, Ader e Jair estavam maravilhados. Marinheiro de terceira ou quarta vez, não sei ao certo, Julio – que já venceu eventos da Abrasp e foi competidor até de WQS – estava solto nas ondas de Sultan’s, Honkys’ e Jail’s. Aliás, Julio foi fonte de informação a todo momento, pois foi o pioneiro na cobertura deste evento e tem uma excelente relação com todos os envolvidos, principalmente, é claro, com o pessoal da agência Tropic Surf, que faz toda a organização junto ao Four Seasons Resort.
Aliás, o pessoal tem uma vibe especial, deixando todos muito à vontade e sempre dispostos a nos ajudar quando preciso. Foi uma semana de muita diversão, troca de informações e muitas risadas. Sorte de Dave Rastovich, que no ano que vem estará de volta. E boa sorte ao próximo brasileiro convidado. O recado é que aproveite, pois é um evento único e isso que está sendo legal no surf: outras formas de competições e vitrines para atletas que fizeram parte da história no esporte.