Leitura de Onda

As pedras de Trestles

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Trestles é chamada de pista de skate, e é de fato uma onda muito afeita a manobras progressivas. Mas, desde sempre e ainda hoje, o julgamento na onda de San Clemente pontua muito o carving e as curvas bem executadas. Foto: ASP / Rowland
 

O líder do ranking mundial é uma estrela na pequena e simpática San Clemente, cidade que abriga Lowers Trestles, a festejada onda da etapa do WCT que começou nesta terça.

 

Nas ruas, se descobrem que você é brasileiro, dizem que é da terra de Gabriel Medina. Não de Pelé, ou de Neymar. No simpático outlet da Rip Curl localizado no caminho do pico, além de pôsteres enormes de Medina, para nos lembrar da importância do feito do surfista de Maresias, há um quadro informando o nome do vencedor da última etapa do WCT e o do atual líder do ranking mundial.

 

Não bastassem todo o astral conspirando a favor e a confortável liderança no ranking, Medina já venceu – de maneira avassaladora, diga-se – um disputado Prime naquelas ondas, em 2012. Na ocasião, ganhou afagos de todo mundo, inclusive de seu principal adversário na corrida pelo título do WCT de 2014, Kelly Slater. O americano foi claro, no seu velho jogo de xadrez: “Eu só terei que competir com você por alguns anos. Tenho pena dos surfistas de sua geração.”

 

Sabem o que tudo isso quer dizer? Pouco.

 

A leitura de favoritismo exacerbado joga a pressão da vitória sobre Medina, e isso, claro, é o que os adversários querem. Especialmente Slater.

 

Trestles é chamada de pista de skate, e é de fato uma onda muito afeita a manobras progressivas. Mas, desde sempre e ainda hoje, o julgamento na onda de San Clemente pontua muito o carving e as curvas bem executadas.

 

Basta lembrar de alguns vencedores do evento do WCT, numa lista que inclui Kelly Slater, Taj Burrow, Mick Fanning, Joel Parkinson e até Bede Durbidge. Entre 2010 e 2013, depois da invasão de aerialistas no tour, deu três vezes Slater e uma Burrow. Nada de novos surfistas super freak, de gerações mais jovens.

 

Slater, ele mesmo, disputou oito finais, sendo que cinco seguidas, e venceu nada menos que seis vezes a etapa. Domina a bancada.

 

Outros nomes que jamais venceram a etapa também se sentem muito bem em Lowers: Jordy Smith, Kolohe Andino (local de San Clemente), Owen Wright (vice de Kelly em 2011) , Adriano de Souza (eliminou o próprio Medina em 2012) e Miguel Pupo (vencedor do Prime em 2011).

 

Aos goofies, mais um tabu a ser quebrado: o primeiro e único vencedor “gauche” do WCT de Trestles foi Luke Egan, no distante 2002.

 

Sabem o que tudo isso quer dizer? Alguma coisa.  

 

Sorte da torcida brasileira que o Medina de 2014 parece um surfista preparado para adaptar rapidamente o seu surfe às condições exigidas. Este ano, deu provas reiteradas de que domina todas as técnicas exigidas no tour. Em outras palavras, será capaz de impor seu carving se assim for exigido.

 

Ainda assim, apostaria que seus aéreos serão especialmente valorizados este ano, depois que ele mostrou ser capaz de vencer na mais épica das condições do WCT e, claro, ampliou a vantagem na liderança do ranking mundial. Não parece lógico, mas julgamento tem uma pitada importante de deferência.

 

Mesmo com todas as pedras pelo caminho, Medina tem pela frente uma oportunidade de ouro: ampliar decisivamente a vantagem da liderança e se aproximar de maneira definitiva do sonho do título mundial.

 

A briga não será fácil, mas a prancha está no pé e a cabeça, no lugar. A ver.

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".