Leitura de Onda

Miguel voltou a sonhar

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Miguel Pupo, cujo surf já era caracterizado pelo estilo polido, ganhou linhas mais harmônicas e, ao mesmo tempo, pressão e precisão. Foto: ASP / Poullenot
 

Miguel Pupo viveu uma temporada instável, com alguns momentos sublimes. O ano de 2014 serviu, entre outras coisas, para consolidar o seu surfe de backside como um dos mais polidos e verticais do circuito mundial. Pupo fez algumas baterias memoráveis, como nas duas vezes que eliminou o mais incensado e celebrado goofie do tour, Owen Wright, na Gold Coast e na França.

Bati um papo com ele durante uma de suas viagens recentes ao Rio, na areia da Praia da Barra. Além de ter talento, o cara é gente boa e bom de prosa. Depois de rir quando eu brinquei com a facilidade de Wright fazer notas altas, ele falou um pouco sobre a profissão de surfista, sobre a relação com o pai-shaper e o desafio de competir em baterias de quartas-de-final.

Ele reconhece os altos e baixos da temporada. É aquela velha história da zona de conforto. “Comecei o ano tendo o Top 10 como meta. Fiz um bom início de temporada, nos dois primeiros eventos, e acabei relaxando um pouco. Perdi um pouco a pilha. Comecei a surfar por surfar, estava faltando alguma coisa. Ficou claro que, para chegar lá, é preciso trabalhar todos os dias do ano, sem parar. É cansativo, mas esse é o jogo. Dedicação total.”

A decisão de experimentar outros shapers, deixando de usar exclusivamente as pranchas OHP feitas pelo pai – o shaper e ex-surfista profissional Wagner Pupo – foi outra questão a ser superada. “Este ano eu desapeguei. Sei que no início meu pai ficava um pouco chateado, mas viu que era bom até para a evolução dele. Passei a usar sempre o material que, na etapa, estava melhor. Pode ser do meu pai ou de outro shaper”, disse Miguel.

Em Snappers, na França e em Trestles, ele deu a sorte de cruzar com pranchas mágicas feitas pelo shaper Jason Stevenson (JS). Fez suas melhores apresentações no ano. Seu surfe, que já era caracterizado pelo estilo polido, ganhou linhas mais harmônicas e, ao mesmo tempo, pressão e precisão.

Miguel sabe o quanto é difícil passar do funil das quartas-de-final. Ele ainda não chegou à sua primeira semifinal no WCT, mas sabe que trilha o caminho certo. “Se você for pelas estatísticas, verá que tops como Mick Fanning já disputaram dezenas de vezes quartas-de-final. Eu corri poucas (quatro). Passar das quartas é um pouco experiência. Você aprende a passar. É uma fase decisiva, importante.”

Filho de Wagner, que competia muito bem nos anos 80 e 90, Miguel quer aproveitar a bagagem acumulada desde 2011 e a sensível evolução em 2014, elogiada até por Kelly Slater, para deslanchar ano que vem.

Com mais fôlego, graças à intervenção que fez no maxilar e nos dentes para desobstruir as vias respiratórias, Miguel voltou a ter gás para várias baterias num dia. Mas o mais legal mesmo é o que aconteceu com seu sono: “Antes, quando eu dormia, eu simplesmente apagava. Agora, olha que legal, eu passei a ter sonhos à noite.” Na temporada de 2015, Miguel, quem sabe, poderá até sonhar acordado.

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".