A grande maioria dos surfistas é fissurada e a busca por ondas não tem fim. Sonhos de todos os tipos fazem parte do cardápio quando um cabra recém ingressa no esporte, mas passados anos correndo em cima de prancha, o cabra também continua na busca da onda perfeita, na busca por picos secretos e inóspitos.
Acho que em muitos locais, surfistas também sonham com uma onda que por ventura possa surgir de um dia pro outro, de um mês pro outro, de um ano pro outro ou até mesmo de uma década para outra. Lendo uma matéria em uma revista especializada onde um aficionado passou anos monitorando o surgimento de um possível pico, lembrei de outras ondas que desapareceram ou ficaram com sua qualidade comprometida, seja pela ação do homem ou da própria natureza. Já vi ambos os casos acontecer, mas minha iniciativa de escrever este texto foi o fato de ainda moleque, por volta dos meus 13 anos, ter presenciado o surgimento de um pico na praia do Cabo Branco, em João Pessoa na Paraíba.
Na ocasião, pouco havia passado de um ano desde quando tinha subido pela primeira vez em uma prancha na praia do Bessa e o fato de estar no Cabo Branco tinha sido em virtude de uma mudança de bairros na orla “pessoense”. Moleque que era e muitissímo aficcionado, aquela parte do litoral sul da cidade tinha muito o que eu desbravar. O mais provável era a divisa com a ponta do Seixas, onde ficava o Farol do Cabo Branco, cujo ponto turístico relata o ponto mais oriental das Americas. Viajava naquela extensa bancada de pedras, onde marolinhas corriam por longa distância fazendo minha mente viajar nas possibilidades de surfe. Por ser pequeno e novo, tudo aquilo era uma maravilha e qualquer maré alta (o fundo era raso) com ondas acima da cintura era sinônimo de muito surfe.
Alguns dias surfados ali foram inesquecíveis e não me cansava de olhar para a pista asfaltada que subia para o farol, no intuito de ver algum surfista que pudesse se juntar a mim. Os points de surf na época eram realmente o Bessa e o Dique, na vizinha Cabedelo, mas não conseguia entender como ninguém aparecia pra surfar ali. Pra mim aquilo era o sonho, sonho de criança que não tinha ainda muita noção das coisas que envolviam o surf, noção do potencial das ondas, manobras… enfim, eram muitos os quesitos.
Ali bem em frente havia um bar chamado Buzios, de propriedade do Aldo Grise se não me falha a memória. Por ser surfista e mais tarde veio a ser um dos meus primeiros apoiadores (acho que pagou a inscrição do meu primeiro evento local), Aldo volta e meia organizava encerramento de eventos da Associação de Surf da Paraíba (ASPB) no local. Pouco antes de ter totais noções disto, sempre procurava surfar ali aos fins de tarde a fim de ver se algum surfista famoso da época aparecia por ali. Na real, mal sabia eu que as condições eram bem inferiores que em outros locais e se ali estivesse bombando, é claro, os picos citados estariam muito melhores. Mas no vai e vem de minha inquietação,fiz para mim e mais alguns surfistas amigos que iniciaram no esporte por minha causa, novas descobertas.
Uma foi o potencial de uma “crôa” (banco de areia) que, na maré seca, rolavam altas ondinhas com ótima extensão. Nossa, como surfávamos ali! Quase sempre havia umas marolas boas, mas a descoberta mesmo foi durante a construção de um pequeno quebra-mar de contenção ao avanço das ondas. À medida que aquele conglomerado de arames com pedras ia sendo postado na beira da praia, ia formando-se um banco raSo mesmo na maré cheia, que durante a mesma era quase sempre impraticável devido à profundidade, ou seja, as ondas ficavam empapuçadas. Havia observado esta ação sem muita pretensão, mais pelo fato de curiosidade da estrutura do que um possível surgimento de um pico de surfe.
Certo dia, passando em direção à ponta do Cabo Branco, visando surfar em frente ao Buzios bar, vi que umas direitas de cerca de meio metro quebravam rente ao fim do quebra-mar. Aquilo apareceu como um passe de mágica e quando parei pra observar melhor, várias outras ondas entraram. A alegria fora enorme quando entrei e constatei que estava melhor do que olhando da beira da praia. Aquela sessão se estendeu por pelo menos duas horas e não foram poucas as vezes que eu olhava para a pista para ver se algum surfista passava por ali e visse as ótimas condições. Lá pelas tantas, avistei um Golzinho branco com prancha no rack e quando o carro estaciona era Luiz Henrique, fera do surfe da Paraíba na época. Esse cara surfava com um estilo exótico, joelhos pra dentro, pernas juntas e ao mesmo tempo agachado. Executava bonitos cutbacks e 360’s com maestria. Aliás, esse cara era uma de minhas referências nesta manobra que na época era tão valiosa como qualquer outra espetacular dos dias de hoje. Luiz Henrique parou, analisou, mas pra minha decepção, partiu. Não seu se pra ele o mar pareceu ruim, o que pra mim gerava incredulidade, pois aquilo era tão clássico quanto qualquer dia clássico nos dias de hoje podia parecer. E é muito engraçada esta perspectiva, pois quando você começa a pegar onda, tudo é maravilhoso, tudo é mágico e qualquer coisa nova gera uma satisfação enorme. Perspectiva de tamanho de ondas então era uma coisa absurda. Nunca falou ou ouviu falarem a máxima de que “antigamente dava bem mais onda”, elas eram bem mais fortes e bem maiores? Bom, por ser uma cidade de ondas pequenas, pode até não ser verídico, mas pra mim era muito melhor!
De fato, depois que cresci entendi sobre o porquê das ondas não aumentarem, pois o fato é que a Plataforma Continental breca as grandes ondulações naquela parte da costa. Mas de qualquer forma, as percepções do passado permanecem e se naquela época era desta forma, hoje busco as mesmas formas de emoções, sempre atento a ondulações e possíveis locais que possam surgir uma onda de uma hora pra outra, seja na cidade em que vivo ou em qualquer outro local que venha no futuro, explorar.
Ps: Sim, o pico do quebra-mar citado funcionou por apenas algumas semanas, pois o mesmo foi alongado e o ótimo banco que havia se formado na ponta fora aos poucos dando lugar a grandes backwashes.