A última onda alemã

A última onda alemã

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O californiano IraMowen é provavelmente o único surfista do planeta que consulta a tabela de horários de um navio para saber como estarão as condições do mar. Há dois anos, ele descobriu uma onda perfeita que quebra uma vez por dia, quando um gigantesco ferryboat que liga a Alemanha à Dinamarca passa por uma pequena enseada no mar Báltico, a 230 quilômetros de Berlim. Nascido e criado em Santa Cruz, Ira se mudou para a capital da Alemanha em 2005. Seis anos depois, em 22 de novembro de 2011, encontrou a onda dos seus sonhos. Bem perto da entrada de um porto, um tubo de mais ou menos 1 metro de altura quebrava perfeito, dependendo basicamente da velocidade com que os navios passavam a poucos metros da praia. Ira decidiu fazer um filme. Começou a gravar suas tentativas de surfar o que chamou de “a última onda alemã”. Não era uma tarefa simples. Além de ter que praticamente adivinhar a posição certa dentro do mar, Ira enfrentava uma jornada contra o tempo. Descobriu depois que tinha apenas seis meses para acertar o drop: o navio que produzia a onda estava com os dias contados e, em breve, seria substituído por outro mais novo, que não fazia nem marola. Em entrevista a FLUIR, o californiano conta como conquistou seu objetivo e detalha o nascimento do filme “A Busca pela Última Onda Alemã”, que tem estreia marcada para o ano que vem. 

Por Bruno Abbud 

Quando você descobriu essa onda?
Foi no dia 22 de novembro de 2011, quando a vi pela primeira vez. Desde então minha vida nunca mais foi a mesma. No verão de 2010, cinco anos depois de me apaixonar por uma garota alemã e sair da Califórnia para morar em Berlim, uma cidade cercada por terra, alguns amigos surfistas tinham ouvido falar sobre um pico de surf a apenas duas horas do centro da cidade. Um dia dirigimos até lá, remamos até o pico de que haviam falado e, para minha surpresa, me dei conta de que estava surfando minhas primeiras ondas na Alemanha. Eram bem pequenas, com meio metro, e as séries duravam poucos minutos toda vez que certo navio passava por perto, vindo de um porto da região. Fiquei amarradão por estar surfando tão perto de casa ao mesmo tempo em que não estava nada satisfeito com o surf medíocre naquelas ondas pequenas. Sempre foi um sonho encontrar um lugar para surfar perto de Berlim, e minha curiosidade me levou de volta àquele pico cerca de um ano depois. Queria ver de perto se as condições poderiam estar melhores. As ondas daquele primeiro dia quebravam a mais de 1 quilômetro do trajeto do navio. Meu pensamento foi que uma onda maior poderia existir mais perto do navio. No fim de tarde do dia 22 de novembro de 2011, a poucos metros da entrada do porto, eu testemunhei uma onda solitária subir, penteada pelo vento terral, e quebrar um tubo perfeito. Fiquei extasiado.

A qualidade da onda depende exatamente de quê?
A onda é muito difícil de ser surfada por várias razões. Embora aquele pico a mais de 1 quilômetro de distância pudesse ter algo em torno de 10 ou 15 ondas pequenas por navio, esse pico tinha apenas uma onda por navio. Estar no lugar e na hora errados significa que você terá de esperar horas ou, às vezes, dias antes de surfar a próxima onda. Outro problema do pico é que o navio nem sempre produz uma onda. Diria que em 95% dos casos a velocidade não é suficiente para produzir uma onda. Só em algumas raras vezes, por uma razão desconhecida, ele entra na área do porto em velocidade máxima e acaba produzindo uma onda linda e perfeita implorando para ser surfada. Por seis meses, durante o congelante inverno alemão, e quando o vento cooperava, eu estava lá pronto para dropar. Nunca me dediquei tanto para surfar tão pouco. Foram 150 tentativas antes de realmente surfar uma onda considerável. É triste pensar que o navio, em breve, vai parar de passar por ali, porque será substituído por outro mais moderno, que não terá capacidade de produzir a onda. Por outro lado, acho que vou dormir melhor sabendo que ele estará longe. 

Apenas um tipo específico de navio produz a onda?
Existem dois navios idênticos. Na verdade, são ferryboats que levam pessoas e carros da Alemanha para a Dinamarca. Existe uma tabela de horários, um navio leva quatro horas para fazer todo o trajeto. Então, se você tem dois navios, isso significa que eles passam por lá a cada duas horas. O navio que passa às 8h25 produz uma ótima onda, mas o que passa às 10h45 não produz onda nenhuma. É uma boa aposta imaginar que o piloto do ferry das 8h25 volte a produzir uma boa onda às 12h25, quando passa de novo. É claro que só no inverno isso tudo é possível, quando não há trânsito na água, nem gente, nem nada que faça o navio ir devagar. No verão é quase impossível ver uma onda ali, porque a água e a praia estão sempre lotadas. Por isso, evito ir até lá nessa época. Enfim, é possível ver duas ondas num único dia, mas isso quase nunca acontece. Vi as maiores ondas com mais frequência às 8h25, embora a onda que finalmente surfei tenha quebrado às 18h25. A maior onda que já vi foi numa quarta-feira, chamei aquela onda de “Big Wednesday” e em julho fiz uma exposição em Paris com as fotos daquele dia. Não gosto de dizer o local exato em que isso acontece. Mas fica duas horas ao norte, no mar Báltico, perto da cidade de Rostock. 

Como foi surfar a onda pela primeira vez?
Ensaiei na minha mente todos os movimentos necessários para surfar essa onda. Fiz isso muitas vezes. Foi como um aquecimento para o grande momento. É complicado imaginar-se surfando uma onda que você nunca surfou e saber que você terá somente uma chance para dropar, que seu tempo está passando, tudo isso é mentalmente desgastante. A onda começa gorda e devagar, aí fica rápida e, depois de 20 ou 30 segundos, atinge um banco de areia e nos cinco segundos seguintes fica realmente rápida e oca. Se tivesse outra chance de surfar a onda, tentaria ficar dentro do tubo, atravessá-lo até o outro lado e surfar toda a parede até a areia. 

Como o fato de ter descoberto a onda influenciou sua vida?
A coisa que mais amo naquele pico é que não há ninguém lá. É calmo, surreal, e a beleza disso tudo faz com que você nunca queira sair de lá. Por esses seis longos meses de inverno, perdi completamente o contato com a realidade. Minha família, meus amigos, minha namorada, todos ficaram sem notícias minhas, foi tudo muito intenso. Estava tão consumido por minha busca particular que a maioria dos meus sonhos era sobre aquele lugar, aquela onda. E, infelizmente, eles não eram bons. Todos compartilhavam de um mesmo tema, a onda na Alemanha, embora o pior deles tenha se passado em minha cidade natal, Santa Cruz. Estava com meu irmão dirigindo rumo a um dos nossos picos de surf favoritos. Remamos, sentamos no meio do crowd, e, de repente, vi ao longe o navio chegando, meu navio! Comecei a brigar com os outros surfistas por uma boa posição no line-up porque sabia que haveria apenas uma única onda. E então, bem na hora que a onda me alcança, eu acordo, estressado. Foram seis meses muito duros. 

Quais foram as piores dificuldades?
Uma das minhas casas durante o tempo em que estive gravando o filme foi um velho galpão industrial construído em 1910. O espaço tem um pé-direito de 4 metros de altura, 160 metros quadrados e apenas um fogão a lenha. Tinha também janelas enormes e antigas e nenhum ponto de eletricidade. Meu corpo costumava ficar tão frio e estressado por tentar tantas vezes surfar naquela água congelante que eu era forçado a ferver água e até mesmo a cozinhar minha comida naquele fogão para sobreviver. Certa noite, depois de ficar do lado de fora, em um ar de -14 ?C e uma água a 0 ?C, quase tive hipotermia e passei a noite inteira vomitando. Pela manhã era completamente impossível avistar o lado de fora porque as janelas estavam inteiramente cobertas de gelo. Apesar de ter sofrido bastante durante aquele inverno, eu realmente o aproveitei. Acho que me sinto atraído por lugares escuros, frios, silenciosos e difíceis. Talvez o fato de ter crescido no frio nebuloso da costa da Califórnia tenha algo a ver com isso. 

Como foi a rotina da busca por essa onda?
Quando me vi de mudança para Berlim, em 2005, não tinha nem pensado em checar se havia costa por perto. Eu me apaixonei pela cidade e por uma garota, e tive a sorte de meu local de trabalho, em que produzia vídeos para a revista “Vice”, ficar a apenas algumas quadras de uma das poucas surf shops de Berlim. Fiz amigos e passei a frequentar estranhos campeonatos de remo em pranchas de surf na cidade de Cologne. Em 2008, comprei com minha namorada uma pequena casa de campo na frente de um lago, e comecei a remar pelos lagos e rios de Berlim, à procura de um banco de areia que pudesse estar bem localizado, no rastro de um dos navios de contêineres que costumam passar por ali. Mas não tive sorte nessa minha pesquisa. 

Confira abaixo o trailer do filme.