Silvana Lima daria um livro. E dos bons. A avassaladora estreia da cearense na Gold Coast certamente não será o final dessa bela história. Vem muito mais por aí. Mas Silvana não precisaria de mais nada para, num país sério, ser tratada com a deferência de uma legenda biografada.
No início do ano passado, quando lançaram o projeto de crowdfunding “Silvana Free”, escrevi sobre essa fantástica cearense. Publiquei um depoimento dela para um livro sobre a história dos esportes de prancha, ainda não publicado, que sintetiza de modo sincero a sua vida e nos aproxima definitivamente do Brasil real, sem grana, sem filtros e sem medo.
“Comecei a surfar aos sete anos. Eu morava na beira da praia, num quiosque em frente à onda de Paracuru, no Ceará. Minha mãe tem uma venda ali até hoje. Meus irmãos já surfavam, então acabei indo na onda deles. Minha primeira vez foi com um pedaço de tábua, uma coisa quadrada, porta de armário mesmo. Muitos surfistas humildes começaram assim lá no Ceará. A gente fazia uma quilha e prendia atrás para a tábua não escorregar tanto na onda. Aquilo, para mim, era como uma brincadeira de criança, uma diversão. Isso fez diferença na minha vida.”
Nada pode parar o talento. Essa mesma menina, em poucos anos, chegaria a dois vice-campeonatos mundiais, em 2008 e 2009. Mas nada é fácil para uma nordestina de origem humilde – e isso precisa ser realmente assimilado, e não esquecido, para entendermos melhor o tamanho de seus feitos. Em 2012, ela sofreu uma séria lesão nos joelhos e, pouco depois, perdeu seu principal patrocinador.
Seria um final triste, compreensível para alguns, para uma bela carreira. Muita gente achou que ela tinha acabado. Mas, nesse roteiro, esqueceram que aquela surfista baixinha é feita de uma fibra resistente, genuína do Ceará, que enverga mas não quebra.
Em 2014, brilhou na divisão de acesso. Dias atrás, na primeira janela de sua volta à elite, Silvana aterrorizou o mundo do surfe feminino com uma performance exuberante, muito superior à de suas adversárias, na primeira fase de Gold Coast. Aplicou uma combinação humilhante na lenda Stephanie Gilmore, hexacampeã, que surfava em casa. Os comentaristas não sabiam o que dizer, a WSL teve que fazer um vídeo sobre a sua volta brilhante.
Estão todos atônitos. Já pensam – ou deveriam pensar – na possibilidade de rever seus mirabolantes planos de marketing. Como enquadrar esse furacão de 1,53m de altura no mercado?
Ela pode vencer o evento ou perder na próxima fase eliminatória. Não importa. Silvana escreverá muitas páginas de sua história. Com patrocinador ou não, ela vai fazer o mundo engolir a seco a salgada carne de sol que ela preparou.
Nota da redação – O site do projeto de crowdfunding Silvana Free está sofrendo alguns ajustes, mas as pessoas intereressadas em apoiar a atleta podem fazer doações pelo site Paypal.