Espêice Fia

Impressões da Barra

0

Desde o início do ano, vinha recebendo convite para participar da locução da internet em português nas etapas do circuito da WSL. As chamadas se confirmavam em cima da hora e por um motivo ou outro acabava não indo, mas finalmente e justamente na etapa Brasil, eu estava lá. Parece até trocadilho, mas #euestavalá. E tudo agora é hashtag, #oscambaus…

Interessante mesmo foi no domingo final do evento, quando fui fazer um surf matinal e olhei para o topo da fachada do hotel em que estava hospedado na Barra da Tijuca, logo atrás da megaestrutura do evento. Havia um banner enorme com o #Go77. “Vai 77” é a numerologia caseira que Filipe Toledo estampa em sua camiseta de competição e que, na finalíssima com os 33 da camiseta do Bede Durbidge, dava 10, somando-se apenas um número de cada atleta. E essa foi nossa empolgação quando Filipinho (ainda Filipinho, mas ainda vai “crescer” muito!)  entrou com aquele aéreo absurdo.

Nessa transmissão não tínhamos um monitor ligado direto em mensagens, mas através da transmissão casada entre a WSL e ESPN recebíamos algumas mensagens dos coordenadores e também pelos nossos “zap zap’s”. Só vi a mensagem depois, mas o ex-competidor e atualmente free surfer profissional Junior Faria, que nos acompanhara, relatou terem dado um 10 muito cedo, pois diante do potencial do Filipe, não teriam como expandir a nota caso ele aprontasse mais alguma. E ele aprontou com outra onda fazendo dois aéreos, um pra começar e outro pra finalizar, quase conseguindo média máxima. Que final! Bede foi muito eficiente até aquele momento, mas contra Filipe, à exceção de alguma zebra, não teria a menor chance. Aliás, naquela condição, dificilmente outro atleta iria vencer. Mesmo se também estivessem em seus melhores dias, pois Filipe, além das manobras, estava com velocidade acima da média.

Que momento brilhante para o filho do bicampeão brasileiro profissional pela ABRASP, Ricardo Toledo. A tradição no surf agora bate em nossa porta e já faz um tempinho que o legado vem se invertendo, pois agora o momento é de pai do Filipe, pai do Miguel, pai do surfista tal e por aí vai… Fazia um tempo que não estava presente na etapa do Brasil, mas já imaginava como as areias do Postinho estariam. Foi o que vimos, um público absurdamente enorme. Em dia ensolarado, víamos que o público era 100% envolvido, diferente de outras praias que, por serem frequentadas por diferentes pessoas sem ligação com o esporte, fazem parte do volume. A estrutura com cerca de 200 metros ou mais espalhada na beira da praia, nos dava ideia de estar em camarotes e arquibancadas de um estádio e, sendo no Brasil e no Rio, a comparação com o Maracanã é sempre inevitável. Foi incrível ver Filipe alarmado com os torcedores e fãs que o esperavam na areia. E tome jet-ski dar volta pra ver se conseguiam organizar a saída do campeão da água.

Festa total, líder e vice-líder absolutos do ranking até o momento. O surf mundial não poderia estar em um melhor momento. Momento de mudança, momento de troca de guarda, onde os veteranos máximos se seguram e se empolgam, estendendo assim suas carreiras. A mídia internacional precisava disso, apesar de o surf brazuca estar batendo na tecla há um tempo, o momento veio contudo. E nós aqui internamente não poderíamos estar melhor. Digo no quesito empolgação, no quesito divulgação do surf em todas as mídias, diariamente e a qualquer hora do dia.

Bom, parece que as coisas irão se encaixar novamente, mais um QS se confirma para a praia do Santinho, em Floripa, pinta também a volta do SuperSurf, enfim, espero mesmo que o Brasil volte a crescer internamente e que respingue pra todos os lados, incluindo para o surfe feminino, pois também temos a eletrizante Silvana Lima, que, talvez com um acompanhamento psicológico esportivo mais intenso, bote seus resultados no patamar que faz jus às suas performances.

Voltando à transmissão, pra mim foi adrenalizante no começo, mas depois ficou bem divertido. Renan Rocha e Tiago Brant são ótimos âncoras e muitas vezes atentos a deslizes dos convidados (eu, por acaso!). Pedro Müller vinha da perna australiana e estava com as análises perfeitas, sempre calmo e preciso. Fazia um tempo que não participava de um evento in loco, aliás, raramente assisto a uma transmissão completa, mas digo que após a vitoria de Gabriel no Tahiti, no ano passado, já estava bem mais atento e empolgado. Quando parei de competir, não aguentava nem estar presente em eventos escutando voz de locutor, mas depois de um período a vontade renova e renova justamente quando tem empolgação. E quer empolgação melhor que esta Brasil no topo?

Sei que Gilmore quebra há muito tempo, e infelizmente por contusão não veio ao Brasil desta vez. Mas, ao vivo, fiquei chocado com o surf feminino, pois, à exceção de Margaret River, vinha acompanhando pouco. As meninas evoluíram muito, estão fortes, concentradas, muito profissionais. Algumas vezes tive a oportunidade de estar ao lado de algumas delas enquanto fazia uma esteira na academia do hotel. Com preparador físico, pelo menos umas três treinavam à tarde vários exercícios de propriocepção.

Fazer transmissão não é fácil, tive uma semana em que tive de estar bem atento. Fazíamos três baterias e folgávamos durante três. Neste espaço de tempo, acabava fazendo um pit-stop na área de convidados e ali encontrava muita gente. Entre um encontro e outro, sempre o olho no mar, no monitor e nas notas. Muito legal encontrar muita gente que não via há tempo e assistir às disputas ali acabava ficando coisa difícil, pois sempre havia conversa rolando e logo voltava pra cabine pra ter uma melhor visão e acompanhar também os comentários dos parceiros.  

Que mar difícil, quanta perícia dos surfistas. Vi momentos incríveis. John John, Kelly, Guigui… No dia do day off, com ondas grandes e balançadas devido às correntes e ao vento aumentando sua força no decorrer do dia, Medina foi rebocado pelo jet e pegou uma esquerda de uns 300 metros. A ondulação, que mudara pra leste, fazia a onda correr rapidamente. Com o cancelamento, pensei se um dia a turma vai usar o jet pra rebocar os competidores e evitar um day off em casos extremos. Poderiam gerar controvérsias, mas se um único surfista fosse por vez e o mesmo jet levasse ambos, poderia dar certo. Um segundo jet ficaria tomando conta do resgate. Gabriel passou varias seções balançadas e botou pra dentro de um canudo longo. Não saiu, mas a ação tinha sido bem interessante, pois quase ninguém estava achando boas ondas.

A laje do Postinho não parava de bombar. Fui lá conferir no dia seguinte. Drop bem divertido e difícil até que se pegasse a manha. O caldo ali também é intenso. A onda tem um poder de arrasto e segura o camarada por um bom período embaixo d’água. O que não tava legal era o odor da água. Esgoto puro. Uma turma ficou com diarreia. A minha foi tão forte que tive dia e “noiterreia”. Bom, não comi nada de estragado ou estranho. Não posso afirmar, mas que aquela água estava suspeita, estava.

David do Carmo poderia ter mudado a história de sua primeira bateria se não tivesse perdido milésimo de segundo tentando botar as mãos pra trás fazendo style. A onda do Postinho não perdoa. Acabou não saindo de um belo tubo. Se saísse, o resultado seria outro. Na repescagem tentou entubar, mas não deu certo. Às vezes as chances passam e não voltam. Com certeza vai ficar mais esperto. Alex Ribeiro surfou bem, mas teve uma bateria com virada contra no final. Valeu pelo wildcard também e o que ficou foi a lembrança da performance em Saquarema, onde virou em cima de Jeremy nos segundos finais.

Acho que não comentei baterias de Alejo. Não seguiu adiante, mas já tem vaga também em Fiji. Não pode deixar a primeira divisão tirar seu foco no ranking qualificatório. Essa posição pode ser boa ou ruim, logo tem que ficar esperto e focado na reclassificação, que, ao meu ver, é garantida pelo nível de seu surf. Gugui está muito veloz nos treinos, poderia ter indo mais adiante. O bom é que ele transparece vontade. Miguelzinho vou ficar devendo, pois não lembro agora de suas performances. Conversei com ele e sua família na área dos atletas e ele parecia tranquilo e equilibrado. Samuel, o irmão caçula, acompanhava tudo atentamente. Jadson está embalado e raçudo. Perdeu para o pupilo, agora “de maior”, Italo.

Mineiro, sempre muito focado, deu show na estreia. Infelizmente não seguiu como queria, mas o Rio foi seu descarte, paciência. Continua líder, não deve se abalar. Medina ainda não encaixou este ano. Bom, agora segue pra Fiji e tem tudo pra mudar o rumo, já que ali também ficará mais tranquilo e talvez com menos compromissos. Bom, no meio do mar vai estar, né Especulações mil, só ele poderá dar a resposta na água.

Ricardo Christie chegou ao Brasil famosinho. Saiu famosão, sempre era parado para as selfies. Parko saiu “amuado” do “pinote”. Os jets tiveram semana difícil. Estava complicado pilotar com pouco intervalo entre as ondas. Caras pesados como Owen e Wilko davam trabalho para o equilíbrio. Esses dois se destacaram e mostraram surf polido.

A área de convidados dos competidores estava lotada. Varias situações envolvendo credenciais e pulseiras. Soube que no Brasil é onde a WSL tem mais trabalho. Bom, não queria estar na pele de um organizador em um momento desses. É muita gente e são muitos conhecidos pra pouco espaço, mesmo com a megaestrutura. O surf mudou muito, lembro que na década de 90 só tínhamos água na área de atletas. Agora sim, todos são tratados como estrelas, de paparicos em geral a grupos esperando na saída do evento e porta de hotéis. Aliás, alguns dos fãs simplesmente madrugavam à espera da turma sair para o treino matinal. E nunca tinha visto tanta torcida organizada. Era turma do Adriano  pra cá, do Medina pra lá, do Filipinho pra acolá… E tinha a da tempestade brasileira, e essa era bem animada. Momento incrível foi a bandeira brasileira sob as cabeças da torcida e sombreando a passagem dos competidores quando na frente do palanque iam em direção às baterias.

O comentarista de praia, Strider, não acreditava, e seus comentários eram sempre bem humorados. Visitas ilustres como a de Luciano Hulk. Mídia de tudo quanto foi tipo simplesmente bombando. Gente pra cacete, show do Suricato e Blitz!

Enfim, Courtney Colongue cativou com seu surf forte e preciso e ao desfilar com a nossa bandeira depois de emplacar a sua segunda vitória consecutiva. E “Holly” Toledo campeoníssimo em mais um evento que ficou pra história. #euestavalá ,#vocêestavalá, ao vivo ou pela net. #acunhabrasil!

Fábio Gouveia
Campeão brasileiro e mundial de surfe amador, duas vezes campeão brasileiro de surfe profissional e campeão do WQS em 1998. É reconhecido como um ícone do esporte no Brasil e no Mundo. Também trabalha como shaper.