Leitura de Onda

Jornalismo mentira, surfe verdade

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Surfe progressivo é tema de matéria polêmica no site da WSL às vésperas do início da perna de ondas prime do tour. Na foto, Filipe Toledo decola rumo ao topo da etapa em Gold Coast, Austrália. Foto: Bruno Sergole

O título foi roubado do slogan do programa de entrevistas “Séries Fecham”, produzido por excelentes surfistas e, embora neguem, jornalistas genuínos. A frase também cai como uma luva para qualificar a chamada de uma matéria que ocupou a página inicial do site da World Surf League: “Does Progression Belong in Pro Surfing?”, o que numa tradução livre, seria algo como “Manobras progressivas pertencem ao surfe profissional?”

Na matéria, o editor selecionou opiniões de leitores com três matizes distintos: as que defendem a permanência dos “playgrounds de surfe progressivo”, as que criticam os grandes eventos em ondas medíocres e, por fim, as que acreditam no equilíbrio entre o surfe nos tubos do Taiti e nas rampas de aéreo do Rio.

Não há crime algum em selecionar opiniões de leitores para construir uma história em tempos de jornalismo colaborativo, embora fosse mais produtivo – caso a intenção fosse realmente discutir a questão – ouvir diversos especialistas no esporte. O tiro n’água está na escolha do título e na circunstância em que a matéria foi espetada na página da entidade máxima do surfe mundial.

Perguntar se o surfe progressivo pertence ao universo do surfe profissional é, como disse o leitor indignado Matt Pritchett, o mesmo que indagar se skatistas devem dar “ollies” ou se bikers devem saltar com suas magrelas. Os donos do surfe de competição já ousaram, em décadas passadas, banir do repertório das provas do esporte as manobras modernas. Diante do atual cenário, com novos freaks surgindo a cada dia nas praias do mundo, jamais fariam isso novamente.

A questão é ainda mais crítica diante das circunstâncias de 2015, ano em que despontou aquele que talvez será um dos grandes surfistas progressivos da história do esporte, Filipe Toledo. Retroceder seria o fim.

A WSL sabe, claro, que a solução é equilibrar em doses justas as duas pontas – o clássico e o progressivo. E a matéria do site, mesmo com um título digno do infame “jornalismo mentira”, provocou o efeito desejado pela entidade, com mais de 200 comentários de todos os tipos. Quase uma mesa de bar.

De todo modo, não é surpresa que essa história tenha sido contada às vésperas do início da perna de ondas prime do circuito, com Fiji, África do Sul e Taiti em sequência. Há um recado velado aí, como se fosse possível ouvir uma voz misteriosa gargalhando e dando boas vindas ao “surfe verdade”.

Ano passado, um brasileiro ouviu a tal mensagem e fez sua parte: venceu em Fiji, ficou em quinto em J-Bay e voltou a vencer em Teahupoo, na mais épica das provas do WCT. Gabriel Medina atropelou a perna prime, sem se preocupar com o surfe progressivo das manobras aéreas. Ali, minou resistências, afogou as dúvidas em torno de seu nome, deu o recado definitivo ao mundo de que estava pronto para ser campeão mundial em todas as ondas.

Há um exemplo a seguir.

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".