Espêice Fia

Saquá não nega fogo

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A terceira etapa do Brasileiro Master da Confederação Brasileira de Surf rolou neste último fim de semana, na praia de Itaúna, Saquarema (RJ). Palco de diversas competições nacionais e internacionais, a expectativa era grande pela enorme ondulação que estava marcando nas previsões para entrar justamente na data do evento.

Eram esperadas ondas de mais de 3 metros e talvez isso tenha acarretado em cancelamento de 18 inscrições. Tanto que o evento, marcado para começar na sexta-feira, teve seu início mesmo no sábado. Com a entrada do forte vento sul, as ondas subiram rapidamente e ficaram storm já na sexta à tarde. De fato o pico do swell foi naquela virada de noite, mas ao sábado de manhã, séries de 8 pés eram vistas nas primeiras baterias do dia já com a mudança do vento para o quadrante sudeste com mais influência de leste.

Muitos atletas levaram semi guns, mas outros simplesmente não tinham pranchas maiores que 6 pés. O evento começou com um dilema para os competidores e vida difícil para os juízes, pois alguns decidiram surfar no canal de direitas mais ao inside, e outros as “bombas” no outside. O problema foi que nas primeiras disputas não era tão notória a maior valorização das ondas que eram surfadas ao fundo, pois, no inside, os atletas que ali decidiram ficar pegavam alguma parede aberta e conseguiam nota.

Chegar ao outside às vezes era complicado, pois se entrasse a série na hora da transição no canal passava-se sufoco. Permanecer no pico também não era tarefa fácil, pois os pontos dos drops não eram distintos, e se ficássemos parados a corrente nos levava rapidamente para o meio da praia. Mas a tática de quem entrava era de pegar uma onda e, se conseguisse chegar ao inside, voltava correndo pela areia para entrar pelo canal, que, por sua vez, dependendo do estágio das notas na bateria, estes atletas procuravam fazer suas segundas notas ali, também no inside. Mas outros realmente seguiam para o outside em todas as oportunidades.  

Vale ressaltar que as condições no inside também não estavam fáceis, pois a espuma forte, aliada ao balanço do mar, fazia a turma ter que suar a camisa. E aqueles que buscavam as ondas grandes tinham dificuldades no inside pelo tamanho da prancha, que no geral eram em torno de 6’3 e 6’6”. Então as coisas estavam difíceis mesmo pra todos.

Neste mar, o físico da galera foi posto à prova. Quem estava com mais fôlego se soltou mais. Mas de forma alguma critico aqui aqueles que ficaram no inside, pois este evento trata-se de outra coisa, trata-se de atletas com idades avançadas e sem tanto tempo disponível para manter a forma 100%, pois todos têm seus outros afazeres, suas profissões paralelas, e muitos só surfam no fim de semana, ou seja, encarar um mar storm com cerca de 8 pés não é fácil.

E para os juízes também não estava fácil. No decorrer daquela manhã, as notas se alinharam e as coisas foram se encaixando. Tudo se acertou, como também o mar, que no fim da tarde já bombava altas ondas! Esquerdas longas e fortes, porém difíceis de serem encontradas. Naquela noite de sábado, confraternização em um pico bem transado chamado Casa da Praia. Homenagem muito legal e justa para três ícones do esporte. Um era o surfista local Mica, os outros dois, os eternos Ricardo Bocão e Rossini Maranhão, o Maraca. Ambos contaram algumas histórias da década de 70 e acabaram se emocionando e emocionando a todos. Presença da prefeita Franciene Motta e do Deputado Paulo Melo, ambos empolgados e satisfeitos com os rumos de investimentos no esporte para aquela cidade, muito famosa pelo palco que é a praia de Itaúna, denominada de Maracanã do Surfe.

Naquela noite, presenças também de Carlos Mudinho e Zé Mudo, que possivelmente também serão homenageados em outra edição. No domingo, o mar amanheceu muito bom, coisa linda eram aquelas paredes que marchavam na linha de baixo da laje até o inside. Com certeza o dia raiou para um belo dia de disputas, compensando assim a dificuldade do sábado. Depois do meio do dia iam sendo conhecidos os campeões da etapa. Todas as categorias foram muito disputadas e com destaque pra muita gente, independente das colocações. Dando uma geral, vi ondas grandes surfadas pelo local Michel Angelo com sua gun vermelhona, boas ondas surfadas por Mica, que, com uma virose, fez esforço pra competir. Vi uma rasgada excelente de Rosaldo Cavalcanti (à la Tom Carroll), que chegou à semi na categoria Kahuna, abaixo de sua idade, já que ele é um Grand Kahuna (atletas de 50 em diante).

O atleta de Ilhéus, Marcelinho Alves, estava surfando bem, como também Fred Vilela, de Alagoas, Odato Castro, do Ceará, Betinho Dengue, do Rio, e Claudio Marroquim, de Pernambuco. Douglas Lima, o “Pen”, era um dos big riders brasileiros na época dos circuitos amadores e profissionais nas décadas de 80 e 90. Apareceu no evento depois de muito tempo sem competir a nível nacional. Pegou altas, mas não chegou ao pódio.

O evento teve também a presença de Victor Ribas, que estava surfando muito, mas também não chegou à final de sua categoria. De fato, competir em Itaúna mesmo em horas boas não é fácil. Às vezes as séries demoravam, às vezes vinham mais ao fundo e às vezes mais ao inside, onde as intermediárias também eram uma boa opção de encaixe para mais manobras.

Na finalíssima da Grand Kahuna, Ricardo Bocão mostrou o porquê de estar ainda em destaque (lembram da morra que o Boca pegou em Jaws na última temporada havaiana?). Conhecedor do pico, venceu um difícil e elétrico Sergio Penna, Lucio Costa (Picolé) e Edu Elias, ambos ratos de campeonatos e legends em seus estados de origem. Em finais fora de ordem de categoria, os Grand Masters (40 a 45 anos) entraram em ação e Sergio Noronha, que vinha muito bem, incluindo uma nota 9 na semi, venceu Jojó de Olivença, sempre muito conectado e sólido em suas participações.

O catarinense da praia da Ferrugem, Roni Ronaldo, que também vinha constante, foi o terceiro, e o cearense Rogério Dantas, que evoluiu durante a competição, completou o pódio ficando em quarto lugar. Para a final da Kahuna (45 a 50), Jojó permaneceu na água e tive de trocar a cor de minha camiseta, pois eu iria usar a amarela que estava com ele. Peguei a camiseta preta de Ricardo Bocão, quando o parabenizei por sua vitória. Ao entregar-me a lycra, Bocão a beija e me diz que era a camiseta da sorte. Lembrei bem disso quando no fim da disputa e ainda ainda em espera ao fundo para trocar minha segunda nota (só tinha uma onda boa, meu segundo score era baixo), pois os meus adversários, que pegaram ondas mais abaixo, não conseguiram virar o resultado.

Beto Dias foi o segundo depois de, segundo ele, ter passado seis anos sem vestir uma camiseta de competição. Jojó, mesmo embalado da final da Grand Master, ficou um longo período esperando ondas, mas ainda conseguiu ficar à frente de Joca Junior, na terceira colocação. Com o quarto posto, Joca continua vice-líder da categoria e segue se classificando para o Mundial da ISA, pois à exceção da categoria Grand Kahuna, as demais seguem com dois integrantes para a grande disputa.

Disputa muitíssima acirrada foi o que vimos na Master (35 a 40 anos). Danilo Costa já estava na areia quando comemorou a vitória em cima de Milton Morbeck. Alexandre Almeida e Daniel Hardman, que haviam deixado nas semifinais Marcelo Alves e Victor Ribas com a quinta colocação, foram terceiro e quarto lugares, respectivamente. A entrega de prêmios foi uma festa e muito legal ver Morbeck e Alexandre “Dadazinho” Almeida com os filhos no pódio, coisa que Danilo e Joca já haviam feito no evento de Fernando de Noronha, quando também fizeram finais. Bocão mais uma vez fez discurso e contou história. Se emocionou e foi aplaudido.

Raoni Monteiro, que estava presente, foi chamado para entregar alguns dos troféus, mas no exato momento havia saído. No entanto, o legend  Rossini Maraca e Leo Neves foram também encarregados às honrarias. Com isso, o desfecho final foi maravilhoso e o circuito, que andava, diga-se de passagem, “azarado” com as condições do surfe, teve um domingo digno de Masters que só Saquarema até o presente momento foi capaz de nos proporcionar. Valeu, galera, etapa 10! Até a próxima!

Resultados

Master

1 Danilo Costa (RN)
2 Milton Morbeck (RJ)
3 Alexandre Almeida (RJ)
4 Daniel Hardman (RJ)

Grand Master

1 Sérgio Noronha (RJ)
2 Jojó de Oliveira (BA)
3 Roni Ronaldo (SC)
4 Rogério Dantas (CE)

Kahuna

1 Fábio Gouveia (PB)
2 Beto Dias (BA)
3 Jojó de Olivença (BA)
4 Joca Junior (RN)

Grand Kahuna

1 Ricardo Bocão (RJ)
2 Sérgio Pena (RJ)
3 Lúcio Costa (CE)
4 Edu Elias (RN)

Fábio Gouveia
Campeão brasileiro e mundial de surfe amador, duas vezes campeão brasileiro de surfe profissional e campeão do WQS em 1998. É reconhecido como um ícone do esporte no Brasil e no Mundo. Também trabalha como shaper.