Espêice Fia

80 & Tal na ilha

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A década de 80 foi de grandes festivais de surf espalhados pelo Brasil, principalmente em Floripa. Não peguei a época dos Olympikus, estes só vi pelas revistas. Mas tive a oportunidade de participar do OP Pro em 86 e 87 (em 88 foi no Quebra-Mar, Rio de Janeiro).

Já no Hang Loose 86, grande volta do circuito mundial ao Brasil, me faltou verba (ainda não tinha grandes patrocinadores) e ainda cursava o ensino médio, logo não podia ficar afastado da escola por duas semanas.

Em resgate a essa época maravilhosa e ainda carregada de enorme romantismo, o Canal Off vem gravando sua segunda temporada (a primeira foi o 70 & tal) sobre parte da história do surf no Brasil. A turma já passou pelo Nordeste (Alagoas e Pernambuco), litoral paulista (litoral norte e Guarujá) e no mês passado veio a Santa Catarina. Ainda serão gravadas cenas de surf no litoral carioca e localidades no exterior visando simular cenas de surf trips da época.

Tive a oportunidade e a honra de ser um dos entrevistados para o programa e foi maravilhoso relembrar muitos fatos desta marcante década. Como de praxe, a turma do Grupo Sal, sob direção geral de Rafael Mellin, procurou reviver muitas das passagens daqueles tempos e em muitas vezes seguindo à risca a cultura de uma época bastante luminosa, tendo em vista as cores florescentes usadas nas vestimentas, tanto em terra como na água, que foi também o caso das pranchas de surf.

Participei na água muito em função de meu título mundial em Porto Rico, no ano de 88. Por acaso, na época me liguei em guardar a prancha da vitória e desde que retornei ao shape room venho fazendo algumas réplicas dela, originalmente shapeada por Rogério C Bastos, das pranchas Custom, meu patrocinador na época. O surfista “espetacular” Junior Faria sempre foi um cara ligado em todo tipo de prancha, vive a áurea do esporte. Há alguns anos ele encomendou uma réplica destas e neste documentário gravamos sessões de surf juntos, onde usei também a original.  

Junior me impressionou bastante ao vivo, pois simplesmente vem surfando muito com esta réplica que, apesar do outline antiquado, em seus pés desenvolve tal como uma prancha dos dias de hoje. Algumas trocas de bordas eram incríveis! Interessante ter surfado com a Custom original e a réplica. Ainda com os antiderrapantes da marca Atomic, mesmo passando parafina em cima, a crosta de mofo criada ao longo dos anos me causou escorregões. Foram poucas ondas surfadas com esta, pois como era uma prancha de competição, era mais fraca e a resina depois de velha ficou um pouco quebradiça e acabei fazendo alguns buracos na base traseira.

Para completar as imagens, usei também minha réplica e me diverti bastante, pois as lembranças foram muitas e até mesmo em virtude do long john especial que a Mormaii confeccionou. Parece brincadeira, mas senti até o cheiro do neoprene da época. E nessa de recriar coisas de épocas, a Insane também confeccionou algumas roupas de borracha e luvinhas, que na época muita gente usava pra ganhar aquela remada extra. No circuito mundial era muito usada por Ritchie Collins, Brad Gerlach e Glen Wilton, o famoso Mister “X”. Também usei um bocado e lembro bem do carioca Fernando Bittencourt, qye tinha uma jogatina de braços eu seu estilo e acabava chamando atenção a mais para as luvas.

Ver Ícaro Ronchi surfando com estas luvas foi muito legal. Aliás, Icaro é filho do legend Ledo Ronchi (já falecido), criador da extinta Revista Inside, que bombava naquela época. Fuçando coisas antigas na casa de sua avó, Icaro encontrou uma prancha shapeada por seu pai na década de 80 e simplesmente surfou de forma muito graciosa com ela. Ver alguns tubos e laybacks de Icaro com aquela prancha e com as luvinhas me emocionou bastante.

Além de Junior Faria e Ícaro, uma galera de peso participou aqui em Floripa: Andrew Serrano, Gabriel Pastori, Dennis Tihara e Fernando Fanta. Morria de rir quando essa galera postava coisas em um grupo de Whatsapp criado para a organização das gravações, pois todos tiveram que limpar parte de seus visuais, fosse de uma simples barba rala ou visuais exóticos com apetrechos metálicos. Quando as fotos chegavam, era todo mundo de cara lisinha, tipo bunda de neném. Já na água, a personalidade era original. Andrew, também com sua desenvoltura pra surfar com todo tipo de prancha fazia mágica; Pastori e Tihara atacavam no base lip forte e Fanta em suas curvas suaves e prolongadas. Nas duas sessões em que participei, a turma em volta prestava muita atenção, pela performance em geral e pelas roupas e tipos de pranchas que eram usadas.

Apareceram muitas relíquias como pranchas do saudoso Wanderbill, Geraldo Rinaldi e Geoff Mccoy, que era de Cheyne Horan quando o havaiano veio disputar o Hang Loose Pro Contest 87 e deixou com José Filomeno Neto, o famoso Netão, chefe de equipe de surf da Mormaii. E alguns modelos retrôs confeccionados por outros shapers brasileiros estavam mágicos. Tinha uma Zampol, uma Hennek e uma Joca Secco, que emplacou até seda das antigas HidroJets. Galera também arrebentando com os “fucinhos” coloridos devido aos remetidos protetores solares da época, leia-se Zinka. Tinha verde limão, amarelo “cheguei”, rosa “shock”, laranja “florescente” e por aí ia…

E retratando a época, modelos foram contratadas para usarem modelitos, fosse moda praia e tudo que envolvia o life style dos anos 80. Talvez até tenham exagerado um pouco no colorido, mas sem dúvida foi fruto de uma época alegre, época onde os logotipos das marcas eram avantajados e muita coisa retratada no documentário simplesmente tem estado presente nos últimos dois ou três anos, ou seja, os anos 80 e tal deixaram realmente sua marca e fico ansioso pra ver todo o material indo ao ar, até porque a turma envolvida estava muito antenada nas captações.

Quatro câmeras estavam sempre presentes em ângulos diferentes diante das pilotagens de Rafaski (água), Mark Daniel, Pedro Castro e Pablo Aguiar, só bicho fera e direcionados pelo diretor Marcelo Garcia e da coordenadora de figurino Moira Lynch.

Serão 13 episódios de 25 minutos e um filme longa metragem de aproximadamente 70 minutos. Apesar de a estreia não estar bem definida, o provável é que na virada do ano aconteça. Aguardem.

Fábio Gouveia
Campeão brasileiro e mundial de surfe amador, duas vezes campeão brasileiro de surfe profissional e campeão do WQS em 1998. É reconhecido como um ícone do esporte no Brasil e no Mundo. Também trabalha como shaper.