Leitura de Onda

Garoto de Copacabana

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Matt Wilkinson larga na frente no Championship Tour 2016. Foto: Lucas Palma / @skids.com.br.

 

Matt Wilkinson é um desses surfistas idolatrados pelos amantes do surfe original. Talentoso, espirituoso, criativo, o australiano de Copacabana Beach, em New South Wales, parece não ter sido contaminado pela avalanche do politicamente correto, pela “boleirização” do esporte. Na contramão da massa, dá entrevistas sinceras, genuínas, veste roupas espalhafatosas, assume seu gosto pela cerveja com os amigos.

Dentro d’água, sobretudo de costas para onda, como em Snapper Rocks, Wilko é uma máquina pendular de moer paredes d’água. Consegue encaixar movimentos sucessivos de base x lip e, ao mesmo tempo, ser vertical e moderno. A base bem aberta pode ser eventualmente vista como um problema em seu surfe – e ele não é o único no tour com essa característica, sabemos disso. Mas é assim que ele se torna uma potência.

Na primeira etapa de 2016, nas direitas alinhadas de Snapper, confirmou muito do que dele sempre se esperou na elite. Venceu pela primeira vez – com a ajuda do técnico ou midas do surfe Glen Hall, que treina também Tyler Wright, vencedora do feminino – e começa a acreditar que pode ir mais longe no circo do surfe. A seu modo, é claro.

Quando perguntado sobre suas chances na corrida, respondeu, com ironia e o inseparável sorriso: “Eu poderia, também.”

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Kolohe Andino, o vice na etapa inaugural do CT de 2016, fez uma prova silenciosa até alcançar a final. Foto: Lucas Palma / @skids.com.br.

 
Kolohe Andino, o vice na etapa inaugural do WCT de 2016, fez uma prova silenciosa até alcançar a final. O americano é um surfista moderno, capaz de inverter a prancha e executar movimentos aéreos de rotação com extrema facilidade. Assim como Wilko, andou por algum tempo na parte de baixo do ranking, em busca de motivação e um brilho que chamasse a atenção dos juízes. A saída tem sido as manobras progressivas.

A pedra no sapato do orgulho da acolhedora San Clemente, de meu ponto de vista, é uma pressão às vezes insuficiente nos movimentos de borda, talvez por ainda usar demasiadamente o fundo da prancha. O problema fica visível na pouca água levantada em suas manobras. Filipinho Toledo prova que leves também podem jogar leques no céu. O fato é que californiano tem se resolvido bem com um ataque futurista ao lip.

Kolohe construiu de maneira absolutamente justa e convincente o seu espaço na final. Mais seguro e confiante nas próximas etapas, pode avançar significativamente no surfe e, por tabela, na corrida pela temporada.

A final anunciada, que não se confirmou por uma armadilha do destino, era entre Filipinho, o cara que, nas palavras do comentarista Strider Wasilewski, é o “dono de Snapper”, e o aussie Stewart Kennedy, o Stu, um talento de Lennox Head que, em 2013, chegou a trabalhar como jardineiro para manter a mulher e o filho Taj.

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Stuart Kennedy, o Stu, é um talento de Lennox Head que, em 2013, chegou a trabalhar como jardineiro para manter a mulher e o filho Taj. Foto: Lucas Palma / @skids.com.br.

 
Filipinho dispensa apresentações. Em 2016, ele repetiu o modo avassalador do ano passado e, até a contusão na semifinal, tinha o domínio absoluto da prova. Rápido e eletrizante, o garoto de Ubatuba tem combinado, em Snapper, arcos potentes e uma linha sem quebras com o seu já consagrado surfe acima do lip.

A contusão no fêmur, lástima para os torcedores, é um obstáculo no sonho do título mundial, mas nada irrecuperável, ainda que se confirme o tempo de estaleiro – voltando apenas na etapa do Rio. Ele já tem um bom resultado no bolso.

Ano passado, fez um importante quinto lugar em Bells, mas perdeu no round 2 de Margaret. Filipinho está completamente no páreo, sobretudo voltando numa arena em que é mais uma vez o favorito, a Barra da Tijuca.

Stu, aos 26, apareceu como convidado no evento com uma Firewire excêntrica bancada pelo patrão Kelly Slater. Encontrou um padrão de surfe refinado em Snapper, associando uma linha suave a movimentos explosivos, abusando de bordas enterradas. Atropelou, no caminho, Gabriel Medina e o americano 11 vezes campeão do mundo. Aproveitou a oportunidade de Snapper, ao deixar claro que tem surfe para estar ali.

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A contusão no fêmur, lástima para os torcedores, é um obstáculo no sonho do título mundial, mas nada irrecuperável, ainda que se confirme o tempo de estaleiro – voltando apenas na etapa do Rio. Filipe Toledo já tem um bom resultado no bolso.. Foto: Lucas Palma / @skids.com.br.

 
Kelly, curiosamente, apareceu com a prancha errada na Austrália. Pagou caro.

Gabriel está em plena forma, concentrado, pronto para a briga pelo título. Só perdeu cedo porque deu de cara com a revelação da prova em dia inspirado. Nas redes e nos bares, todos lamentam o fato de o campeão de 2014 ter optado pelo floater, em vez de arriscar o aéreo, em sua melhor onda. A impressão foi a de que ele preparou a arma, mas em cima da hora optou por não puxar o gatilho.

Certa vez, numa conversa com ele sobre um aéreo na etapa carioca de 2014, do qual não voltou por pouco, Gabriel matou o discurso condicional: “Esse negócio de ‘e se’ não existe. Não dá para pensar assim no surfe. Tento simplesmente não errar na próxima.” Está certo. Ele terá muitas outras rampas pelo caminho, ainda em 2016.  

Adriano de Souza, o atual campeão do mundo, confirmou seu poder em Snapper, onda em que sempre se destaca. Seu surfe de borda, com arcos elásticos, e de pancadas firmes no lip é a cara daquela onda da Costa Dourada. Já poderia ter vencido ali.

O quinto, perdendo apenas para o campeão, que surfava em casa, num julgamento para lá de apertado, é um início bem satisfatório para quem, até anteontem, merecidamente, curtia uma conquista histórica. Seu habitual domínio em Bells e, desde o ano passado, em Margaret, o colocam como candidato a mais uma vez sair da Austrália na liderança no ranking. A conferir.

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O quinto lugar de Adriano de Souza, perdendo apenas para o campeão, que surfava em casa, num julgamento para lá de apertado, é um início bem satisfatório para quem, até anteontem, merecidamente, curtia uma conquista histórica. Foto: Lucas Palma / @skids.com.br.

Caio Ibelli, em sua estreia, usou a força para conseguir um honesto nono lugar. Além de Gabriel, outro décimo-terceiro colocado a se lamentar a derrota foi o potiguar Ítalo Ferreira. Não sei que baterias os juízes viram, mas, pelas minhas retinas, o novo queridinho da mídia americana, Conner Coffin, não ganhou aquela disputa. Fica a lição para Ítalo, que terá que voltar ao modo espetacular para ser bem pontuado em 2016.

Jadson lutou bravamente como sempre, mas não resistiu ao apelo estético do surfe de Joel Parkinson. Wiggolly Dantas, depois de estreia avassaladora, perdeu-se na experiência e na polidez de Adrian Buchan. Tinha surfe de sobra para vencê-lo ali.

De volta ao campeão, talvez a terra natal de Matt Wilkinson seja a menos importante das informações para os leitores do Waves numa semana tão conturbada para o Brasil. Mas sempre tive curiosidade sobre a origem do nome Copacabana Beach, em New South Wales, na Austrália. Bingo. O nome foi dado em 1954, diz o site Copacabana Community Website, em homenagem à mais famosa praia do Rio de Janeiro.

Os indígenas australianos chamavam a praia dele de Tudibaring Point, que na língua aborígene quer dizer “o lugar onde as ondas quebram como um coração pulsante.” A cara de Wilko, com seu surfe emocional, de ritmo forte e constante.  

À espera de Bells e, claro, de Mick Fanning.

Tulio Brandão
Formado em Jornalismo e Direito, trabalhou no jornal O Globo, com passagem pelo Jornal do Brasil. Foi colunista da Fluir, autor dos blogs Surfe Deluxe e Blog Verde (O Globo) e escreveu os livros "Gabriel Medina - a trajetória do primeiro campeão mundial de surfe" e "Rio das Alturas".