O debate não é novo. Em 2012, a pentacampeã brasileira Babi Brazil, que é colunista do SUPCLUB, escreveu um brilhante artigo para expressar a insatisfação das atletas do SUP race em relação à diferença de valores nas premiações entre homens e mulheres. Para elaborar o texto, que pode ser lido aqui, Babi conversou com ícones do esporte feminino, como Andrea Moller e Fernanda Keller, mostrando que essa era uma realidade presente em outras modalidades esportivas chegando à conclusão de que se tratava, no final das contas, de uma questão de gênero.
De lá pra cá algumas medidas foram tomadas e essa diferença foi, aos poucos, sendo reduzida. Mas nas últimas semanas atletas de SUP tem mostrado que não estão satisfeitas com o atual cenário e reacenderam o debate.
E assim, como era de se esperar, as mídias sociais trouxeram à tona uma questão que é bem mais complexa do que parece. Facebook é uma faca de dois gumes e um campo fértil para demagogos de plantão, sempre ávidos a criticar e dar palpites. Reclamar e apontar falhas é tarefa que qualquer um pode fazer e há o risco eminente de se banalizar uma causa que obviamente é justa, mas que não pode ser decidida na base de grito e muito menos na pressão contra atletas que não estão de acordo com a maneira pela qual esse tema está sendo conduzido.
Há muitas variáveis que incidem nessa realidade e transcendem a questão de gênero: a crise pela qual o país atravessa, a escassez de patrocinadores e o fato de que há muito mais homens competindo do que mulheres.
Tomamos como exemplo o Aloha Spirit Festival, realizado em Ilhabela (SP), que em 2016 bateu o recorde brasileiro de competidores de SUP em uma mesma prova, com mais de 300 remadores, de acordo com a organização.
Sucesso de público e crítica, a organização do Aloha também teve que lidar com uma realidade presente em todas as competições profissionais de SUP: o número de homens inscritos é muito maior do que o de mulheres. Na categoria Elite Masculino dessa prova largaram 32 atletas contra 7 atletas na Elite Feminino. A premiação, em dinheiro, foi dada em maior quantidade para os homens, sendo os três primeiros de cada categoria premiados.
O Circuito Brasileiro da CBSUP segue a mesma lógica. Em 2016, das quatro etapas que foram realizadas ao longo do ano, tivemos 24 homens competindo em pelo menos três etapas e 10 mulheres competindo em pelo menos três etapas. No entanto, se compararmos a proporção entre número geral de participantes, sem considerar aqueles que efetivamente viajam ao longo do ano para correr todo o circuito, a disparidade fica bem maior, com 16 mulheres na Profissional contra 77 homens.
Dessa forma, sob a ótica matemática pura e simples, em 2016 o circuito teve a “contribuição” de 77 homens e 16 mulheres pagando as inscrições.
Pois bem, com essa informação em mente, tomei conhecimento de que foram premiados, ao longo do circuito, os 16 primeiros colocados no Profissional Masculino e as quatro primeiras colocadas no Feminino. Sendo que a premiação foi maior para o primeiro colocado masculino do que para a primeira colocada do feminino e assim sucessivamente. Isso porque as mulheres receberam 30% do valor da premiação de R$ 10 Mil, por etapa, divididos entre as quatro primeiras colocadas. Os outros 70% foram destinados aos homens.
Essa proporcionalidade foi baseada em relação aos atletas que correram todo o circuito. Se a divisão fosse baseada apenas nos participantes ao longo do ano, ou seja, nos 77 homens x 16 mulheres, a porcentagem das mulheres cairia para 16% dos R$ 10 Mil.
Ainda, sob a ótica pura e simples dos números, igualar a premiação, ou seja 50% / 50%, também significa premiar menos de 30% dos homens enquanto 50% das mulheres seriam premiadas.
Essa constatação nos traz mais uma pergunta: Se temos mais do que o dobro de homens competindo e “contribuindo” financeiramente com o valor da inscrição, é justo equiparar os valores de premiação “ipsis litteris”?
Por outro lado, mantendo a premiação das mulheres inferior a dos homens, não estamos correndo o risco de afastar novas competidoras da categoria profissional, uma vez que o valor das inscrições é o mesmo?
Em entrevista ao SupClub em dezembro último, a atual campeã brasileira, Lena Guimarães já havia tocado no assunto mostrando que esse descontentamento vinha crescendo entre as competidoras, apesar de reconhecer que a situação está melhorando ao longo dos anos: “A coisa melhorou muito desde o primeiro ano de Brasileiro, é verdade, mas temos que evoluir mais. A reclamação mais comum entre as mulheres é sobre o valor da nossa premiação. Claro que isso não é uma coisa simples de se mudar, mas esse é um assunto que não pode sair da nossa pauta”, disse (leia a entrevista completa aqui).
Nessa mesma entrevista, Lena toca numa questão fundamental para que essa questão encontre um final feliz: “É uma coisa que não basta partir só das mulheres. Os homens também precisam entender isso”, disse.
Creio que ela acertou em cheio ao fazer essa observação. Mais do que organizadores e federações, nesse ponto, cabe fundamentalmente aos homens da categoria Profissional fazerem o fiel da balança para que isso se concretize. Afinal, tendo em vista a colossal crise econômica e política enfrentada pelo Brasil, nem o mais otimista dos organizadores acredita que irá encontrar um patrocinador disposto a dar mais dinheiro para a categoria Feminina, mantendo a Profissional Masculina nos mesmos padrões de premiação.
Ou seja, se uma competição tem 10 mil de premiação em dinheiro e vamos equiparar esse prêmio entre os gêneros, será necessário “tirar” dos homens para “dar” às mulheres.
O Kopa – King of Paddle, um dos eventos mais comentados positivamente no ano de 2016, optou por igualar a premiação em dinheiro. Ou seja, homens e mulheres da Profissional ganham a mesma quantia, porém, a premiação em dinheiro é aplicada somente até a terceira colocação.
Há, no entanto, mais uma ressalva feita pelos organizadores: “As remunerações em dinheiro só serão pagas apenas caso seja alcançado um número mínimo de atletas participantes”, que no caso do SUP race será de 20 homens e 10 mulheres. As regras para a competição podem ser lidas AQUI.
Seria essa uma solução para o Circuito Brasileiro, competições estaduais e circuitos independentes de âmbito nacional como o Aloha Spirit? Sim, seria uma opção. Resta saber se os homens realmente estão dispostos a apoiar as mulheres abrindo mão de parte de sua premiação.