Com direção e edição de Bruno Tessari, assista o mais novo curta-metragem de Lucas Silveira em primeira mão aqui no Waves. Um retrato da última temporada havaiana recheado de ação e ondas pesadas, que vai muito além do que aconteceu durante as 6 semanas de Triple Crown, para onde estava voltada a grande maioria das lentes e holofotes.
Com imagens de André Portugal, Marcelo Garcia, Keale Lemos, Henrique Pinguim, Leandro Dora e do próprio Bruno Tessari, o filme traz um olhar apurado sobre as performances do atleta durante o recém-terminado inverno no arquipélago, com narração do próprio Lucas Silveira e uma trilha sonora de encher os ouvidos de alegria.
Recentemente tivemos o grande prazer de receber a ilustre visita deste jovem e grande talento do surfe brasileiro em nossa sede do Waves em São Paulo, além da oportunidade de sentar relaxadamente e sem pressa, longe da correria das viagens e competições, para um longo e sincero bate-papo, que você confere a seguir.
Como você resumiria tua última temporada havaiana?
Como ela é bem longa, nos últimos anos eu tenho dividido ela em duas partes. A primeira é a época da Triple Crown. Depois viajo com a família para relaxar e volto no início do ano para o Volcom Pipe Pro. Nos treinos fico mais focado em Pipeline, onde tento pegar o máximo de tubos possível.
O começo desta temporada foi irado. Consegui muitas ondas boas em Haleiwa e Sunset. Nos campeonatos eu também passei algumas baterias. Mas o mar que mais me marcou rolou naquele mesmo swell que colocaram o campeonato de Jaws, talvez o melhor da temporada. Peguei um Himalayas épico. Vários locais caíram na água e o Dave Wassel, que é um salva-vidas casca-grossa, disse que o pico estava na melhor condição que poderia ficar. Disse que já tinha visto igual àquilo, mas nunca melhor.
A onda quebra em um outer reef que faz você se sentir pequeno dentro do mar. Imagine um outer reef No Havaí. Você tem que remar pra caramba e tomar na cabeça pra varar a arrebentação, com o tamanho no limite e algumas já fechando o canal. Longe de tudo. Surfar um outer reef desses é uma situação bem bizarra. É até difícil de ser filmado também. No geral você está ali pela paixão mesmo. Eu estava sozinho ali e fui porque vi os caras entrando também, mas não tem um canal definido pra sair da areia, então até descobrir o caminho certo não foi fácil.
Mas no fim das contas deu tudo certo e eu peguei altas ondas. Acho que esse foi o ponto alto da minha temporada.
Depois fui embora e voltei pro Volcom Pipe Pro. Eu ia um pouco mais tarde, mas vi que tinha um bom swell entrando antes, com Pipe clássico e antecipei minha ida. Logo no primeiro dia infelizmente já sofri o acidente. A primeira queda da manhã foi irada e peguei altos tubos. Na primeira onda da segunda queda eu tava muito deep dentro do tubo e fiquei atrás de uma bolha, depois só lembro de eu subindo do fundo para a superfície. Felizmente nada mais grave aconteceu, mas foi uma pancada muito forte, que abriu aquele corte e ainda fraturei a escápula, mas pra minha sorte foi bem no meio do osso e não nas articulações. Isso me deixou um bom tempo fora d’água.
Desde muito novo você sempre chamou atenção e se destacou por suas performances em ondas mais pesadas. Em que momento você percebeu que tinha esse diferencial e que realmente gostava disso? E como você lida com o fator do medo?
Primeiramente, dentro de você é necessário que realmente goste disso de verdade. Tem vários outros caras que por serem competidores natos, entram no CT, têm que puxar os limites e aprendem a gostar e surfar bem essas ondas. Mas se formos falar de ondas realmente grandes e de peso, por exemplo, aí já é outra coisa, eu diria até que quase chega a ser outra modalidade.
Desde que eu era muito pequeno, sempre fui um pouco precoce em relação a isso. Eu morava no Rio antes, e com uns 9 ou 10 anos de idade eu morria de medo de surfar na Barra da Tijuca quando passava de um determinado tamanho, porque lá é chato pra passar, você toma muita onda na cabeça. Eu morava no Posto 7. Eu tinha medo, mas entrava, mesmo tomando as séries na cabeça. Isso foi me calejando. A onda do Rio é muito forte, principalmente pros moleques que estão começando.
Meu treinador na época, o Jimmy Fernandes, também entrava junto comigo. Eu lembro bem de uma cena em Itacoatiara. Eu era muito pequeno e devia ter uns 9 anos também. Lembro de uma “bomba” que não devia ter muito mais de 1 metro, mas na época eu era criança e as ondas de lá são bem pesadas. Lembro que ele largou a prancha, me abraçou e mergulho junto comigo. Depois que a onda passou ele me jogou pra cima pra voltar à superfície (risos).
E a trips internacionais nesse tipo de onda? Começaram quando?
A primeira vez que fui pro Hawaii, eu devia ter de 11 pra 12 anos e já comecei a me soltar bastante, já caía nos “Pipezinhos” (risos). A primeira vez eu fui com o Binho Nunes, ele é especialista em Pipe. Já caí lá alguns dias, tomei umas vaquinhas um pouco mais pesadas e vi que ficou tudo bem. Fui gostando cada vez mais e foi um processo bem natural.
Acho que este ponto foi um divisor de águas pra mim. A partir daí eu sempre ia pros lugares e gostava quando estava grande. Fui pro México com 12 anos e passei uma temporada em Puerto Escondido. Hoje em dia se eu vejo um moleque dessa idade num mar daqueles, eu fico impressionado.
Uma vez também no Natal de 2009, eu tinha 13 anos na época, caindo num Waimea relativamente pequeno, daqueles que fica maior galera na água. Estava divertido pra mim, devia ter uns 15 pés. Do nada veio uma série que fechou a Baía e varreu todo mundo. Imagine você estar num mar de 15 pés e do nada vir uma série de 30 pés. Todo mundo tomou, não tinha como escapar. E eu com 13 anos tomei também. Posso dizer que foi como uma graduação pra mim. Tinha vários big riders brasileiros na areia que viram e até brincaram: “agora você é big rider” (risos).
Daí em diante começaram a me chamar para pegar várias outras ondas de peso durante a temporada havaiana, até pra alguns outer reefs. Várias vezes, já com uns 15 anos de idade, eu pegava alguma prancha maior emprestada e também remava sozinho pra algum outer reef. Às vezes até um pouco inconsequente (risos).
De todas essas ondas que você já surfou, qual é a tua preferida e por quê?
É difícil falar qual é a melhor, mas a preferida sempre vai ser no pico que já te proporcionou a melhor onda. Nias (na Indonésia) é uma onda que já me proporcionou momentos bem marcantes, então dá pra falar que é uma das minha favoritas.
Falando nisso, no ano passado tivemos aquele swell histórico em Nias, na Indonésia. Talvez o mais pesado já registrado em fotos e vídeos. Como é estar dentro de um mar como esses e como é a tua preparação para isto?
Esse realmente foi um swell histórico. Em situações como essas, o mar forte demais. Um verdadeiro fenômeno natural. Ao mesmo tempo que estamos dentro da água, o mar está invadindo a terra, destruindo barcos, ruas e casas. Em Nias a bancada tem várias pedras pra fora da água. A força das ondas era tanta, que eu vi pedras serem arrancadas da bancada e serem arrastadas.
Só de estar no meio daquela força toda ali deixa a gente bem humilde. O desafio de conseguir pegar uma onda daquelas nesse tipo de condição é a cereja do bolo. A onda boa que eu peguei foi no final de tarde do maior dia. O restante do dia inteiro foi só de vacas, porrada no coral e saí nadando umas três vezes antes de quebrar a prancha, para evitar mais estresses. A sensação é de um dia em uma arena de gladiadores (risos).
Este ano você está concorrendo à onda do ano no WSL Big Wave Awards, com uma bomba na remada em Puerto Escondido, no México. Como foi a onda e o que isso representa pra você?
Essa premiação nunca esteve muito na minha cabeça, não é o meu principal foco deste ano. Meu foco no momento são as etapas do QS, mas sempre que tiver oportunidade eu vou tentar pegar ondas boas. Então foi meio que sem querer, acabei pegando aquela onda boa, que gerou um material pro filme e acabou entrando como indicada na premiação.
Acho bem difícil que essa onda possa estar na final, ou algo do tipo, mas só de ter o nome indicado já é bem legal. Já tive algumas ondas indicadas a este prêmio algumas outras vezes, como no Chile e em Puerto mesmo. Acho que essa premiação é a maior e mais respeitada plataforma do Big Surf mundial. Uma das coisas que sempre tento é ser um surfista completo e estar indicado em uma premiação deste porte me mostra que estou no caminho certo.
Você prefere estar no mundo das ondas grandes ou das competições? É possível conciliar os dois?
Essa é uma questão que até eu fico me perguntando e tentando resolver. Sempre tem gente que fala comigo com opiniões diferentes. Tem gente que me aconselha a deixar de lado os campeonatos e me incentiva a só pegar ondas grandes, e tem gente que me aconselha a viajar menos atrás das ondas grandes e focar mais nas competições (risos).
Eu acho que tem a hora certa pra cada coisa. Nos últimos anos acho que eu fiquei sem focar 100% nem em um, nem em outro. Acho que se eu estivesse mais focados nos swells que rolam pelo mundo eu estaria mais presente em outras sessions históricas, e às vezes quando eu não vou fico achando que deveria ter ido.
Mas uma das minhas metas para este ano é eliminar este conflito interno e o meu foco agora é o QS, porque depois acho que ainda terei muito tempo na vida para focar no surfe de ondas grandes. Às vezes eu fico muito na pressa, querendo pegar todos os grandes swells que rolam, mas vejo que a longo prazo isso não faz tanta diferença assim, então não tem tanto problema assim perder alguns swells agora que meu foco é entrar no CT e tenho que estar preparado para surfar o meu melhor em todos os tipos de condição.
A vida é assim. Pra tudo o que escolhemos temos que abdicar de alguma outra coisa. Mas com certeza eu vou buscar alguns free surfs de qualidade também.
E neste caso, como você busca essa versatilidade? Afinal são coisas muito diferentes em termos de performance na prática.
Desde pequeno eu sempre tive na cabeça que eu precisava ser o mais completo possível como surfista. Eu sempre achei que tinha que surfar bem em ondas de 3 a 20 pés. Agora que o surfe evoluiu, tem que ser mais de 20 pés até. Hoje em dia a galera tá dropando 20 pés embaixo do lip, já botando pra dentro, e caras como o Chumbinho (Lucas Chianca) estão dando aéreo (risos).
Mas eu sempre tive isso na cabeça e surfar marola é muito divertido também. Às vezes, mesmo que o mar esteja muito ruim, se você conseguir surfar bem, você vai sair da água se sentindo bem. Isso eu aprendi com o tempo.
Como eu comecei viajar muito cedo pra ondas boas, posso até dizer que eu comecei a ficar meio “mimado” em relação à qualidade das ondas. Nos meus primeiros anos de competição como amador, eu fui mal pra caramba, aí comecei a trabalhar isso melhor, de aprender a surfar bem mesmo na onda ruim. Tanto eu consegui superar isso que fui campeão brasileiro amador em um ano, ganhando várias etapas. Pra mim foi uma superação na época. Então, qualquer mar que tiver eu vou estar na água treinando e o mindset tem que ser ajustado mesmo, de acordo com cada condição.
Nas baterias não adianta nada reclamar ou achar que aquele mar não está pra você, porque em qualquer mar um cara vai ganhar e outro vai perder, então tento sempre fazer o possível pra ser o cara que vai ganhar.
E como competidor profissional, quais você considera os teus pontos fortes e os teus pontos fracos?
Acho que em comparação com a maioria dos surfistas do QS, meu ponto fraco é a parte aérea. Muita gente diz que eu sou muito pesado pra dar aéreos, mas isso não existe, porque tem vários caras grandes e pesados que dão aéreos, como o Jordy Smith e o Dane Reynolds, por exemplo.
Já nos pontos fortes acho que tenho um surf power, que quando eu consigo encaixar também é diferente da maioria, então acho que o importante é focar no meu jogo. Se eu cair numa bateria contra o Mateus Herdy ou o Samuel Pupo, que são mais leves e mandam bem nos aéreos, às vezes eu fico vendo e quero dar uma aéreo também, mas aí eu tento lembrar que se eu pegar a onda certa e der duas boas manobras bem encaixadas, vou entrar na disputa com eles. Então tento focar no meu jogo.
O que mudou na tua vida desde o título Mundial Pro Junior em 2016?
Muitas portas foram abertas depois desse título, já que é um feito já conquistado por poucos. Apesar de ser Junior é um título mundial e isso tem um grande peso em qualquer modalidade esportiva. As mudanças todas foram muito positivas.
Quem são os nomes que cresceram surfando com você que te influenciam de alguma maneira hoje em dia?
O mais próximo foi o Yago Dora. Nós crescemos surfando juntos. Quando eu mudei do Rio para o Sul com 11 anos de idade, o Leandro “Grilo” Dora pai dele era meu treinador e o Yago nem surfava ainda nessa época. Ele começou a surfar mais tarde que a galera com 12 ou 13 anos. Ele era prego mesmo, nem sabia surfar (risos) e do nada com apenas 15 anos já completou o primeiro backflip (risos), o que foi muito legal mesmo de ver. Como sempre fui muito próximo dele e o acompanhei desde o começo, posso dizer que praticamente somos da mesma família. Ver ele no CT e se dando bem agora, me deixa feliz como um irmão.
Essa geração toda competia comigo nos amadores. O Filipinho (Toledo) também competiu muito comigo nos amadores, ele é um ano mais velho do que eu, então eu vinha pra São Paulo correr o Paulista e com 10 anos o moleque dava aéreo rodando já, era assustador. O próprio Medina também. Eles entraram muito cedo no CT. Acho que essa geração até mudou o padrão mundial, hoje com 17 anos você tem que estar no CT (risos).
O Deivid Silva também entrou no CT agora e fiquei feliz por ele. Durante uma época fomos parceiros de equipe e já viajamos bastante juntos. Então ver toda essa galera com quem eu cresci competindo e chegando lá, dá uma motivação a mais.
Hoje em dia, com as redes sociais a mil, a maneira que os surfistas se comunicam com o público e com seus fãs mudou muito. Qual a tua visão sobre isso?
Tudo tem seus pontos positivos e negativos. O lado positivo é que elas permitem que qualquer atleta faça o seu próprio marketing. Antes você precisava estar ali sempre nos contatos pra sair uma foto na revista, etc. Hoje em dia de você faz alguma coisa bizarra, bota no Instagram e a parada viraliza.
Por um lado é legal, porque te dá mais oportunidades, mas ao mesmo tempo podemos dizer até que é uma nova droga, que pode criar uma necessidade, ou uma dependência.
Eu não sou tão viciado assim no Instagram, por exemplo, mas já me peguei perdendo muito tempo ali, ou me preocupando se perdi ou ganhei seguidores. Hoje reconheço que isso é importante, mas não pode ser tudo na vida.
O contato com público é legal também e recebo muitas mensagens de apoio. Mas também tem aqueles que acho que não fazem outra coisa da vida e ficam ali só querendo encher o saco também (risos). Mas na verdade acho mais engraçado do que um problema.
Mas o lado de poder publicar um conteúdo de imediato é bem legal também!
E o que você diria para os leitores do Waves que estão lendo a entrevista e conhecendo mais sobre você neste momento?
Agradeço a vibração positiva de todos que torcem por mim, pois me motiva e me ajuda bastante!
Quando sai alguma coisa minha no Waves, por exemplo, eu sempre vou dar uma olhada nos comentários (risos). E vejo muitas coisas legais que falam, isso sempre me dá uma motivada.
Nem sempre dá pra agradar todo mundo, mas o espaço está aberto e é legal que falem mesmo e participem. Continuem comentando!
Ficha técnica:
Hawaii, Além das 6 Semanas
Direção: Bruno Tessari
Imagens: Bruno Tessari, André Portugal, Marcelo Garcia, Keale Lemos, Henrique Pinguim e Leandro Dora.
Trilha Sonora:
Red Mess – Illusion
If These Trees Could Talk
From The Roots To The Needles