Jaime Viudes

Evolução da espécie híbrida

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Jaime Viúdes com sua espécie híbrida. Foto: Silvia Winik.

 

A cena do longboard sempre esteve dividida entre clássico e progressivo. Em geral, os puristas odeiam o progressivo. Já os progressivos não odeiam tanto o clássico, pois todos reconhecem a essência da modalidade. O surf é radical por natureza, e com a evolução das pranchas, quem pode dizer o que é certo ou errado, quando na verdade quem deve escolher o equipamento e consequentemente a abordagem é o mar?

Recentemente a WSL tentou, por algumas vezes, impor a obrigatoriedade do surf clássico nas etapas do Longboard Tour. Pediu esse critério sem obrigar o uso dos Logs, porque os atletas não aceitaram abrir mão de pranchas performance. Não funcionou, afinal o equipamento é fundamental para definir a abordagem, assim como o tipo de onda a ser surfada. Sem um Log tradicional, faltou a fluidez da energia negativa gerada pela inércia, ou seja, o peso da prancha em benefício da leveza do surf.

No entanto, o critério focado na linha horizontal fez com que os surfistas caprichassem nas manobras do noseriding. A abordagem competitiva saiu da linha vertical extrema e voltou para seu lugar de origem, buscando sempre o limite do hang ten e um footwork mais legítimo, elaborado com no mínimo quatro passos, drop knee e knee turns. Isso equalizou a situação.

Muita gente passou a buscar pranchas mais ecléticas, que atendessem em diferentes condições de mar, afinal competição é sempre uma incógnita. Mas, muito além disso, pranchas que funcionassem bem não só no bico e na rabeta, como também durante a transição entre esses dois pontos.

 

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Jaime Viúdes com seu segundo modelo híbrido. Foto: Silvia Winik.

 
Basicamente foi preciso misturar conceitos. O shaper Marcelo Carbone vem sendo bastante requisitado por clientes que buscam esse tipo de equipamento. “O conceito do longboard híbrido se resume em aliar características do longboard clássico, como largura no centro e pouco rocker de bico, com as características do progressivo, como linha de edge na rabeta e kick tail acentuado, com adaptações de acordo com o peso e estilo de surf da pessoa”, diz Marcelo.

Outros detalhes podem ser trabalhados, como um outline mais paralelo ou um dome deck menos acentuado para ter mais estabilidade, fazendo com que a prancha não oscile lateralmente durante a caminhada. Também deixar a prancha um pouquinho mais pesada para ter o mínimo benefício da inércia. A maioria dos competidores prefere não abrir mão do sistema de quilhas 2+1, caixa central com estabilizadores laterais, resultando assim em um modelo intermediário entre um Log e uma progressiva.

Também teve surfista que não mexeu em nada, continua com modelos altamente progressivos, mas são muito bons tecnicamente e dão conta de impor, mesmo assim, uma abordagem eclética. Mas fica a pergunta, será que uma prancha modificada para híbrida não potencializaria suas capacidades para se enquadrarem melhor no critério?

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Enquanto muitos tops bateram de frente e reclamaram do resgate de um critério de julgamento mais tradicional, Phil Rajzman ficou quieto e foi experimentar. Foto: WSL / Hain.

 
Gosto muito do exemplo de Phil Rajzman, que foi campeão mundial pela primeira vez em 2007 com um surf explosivo e vertical, que parecia ter decretado de vez com a morte da abordagem clássica tradicional em campeonatos mundiais. Nove anos se passaram e o bicho foi de novo campeão do mundo, só que agora de uma forma que foge da sua essência. Essa transformação não aconteceu num passe de mágica. Começou quando a ASP deu lugar a WSL, há alguns anos.

Exigiu dele tempo, muita dedicação, esforço, técnica, mas principalmente humildade. Enquanto muitos tops bateram de frente e reclamaram do resgate de um critério de julgamento mais tradicional, ele ficou quieto e foi experimentar. Usou de tudo, pranchas e quilhas, testando nas mais variadas condições de mar. Melhorou absurdamente sua linha horizontal e assim que entendeu melhor os critérios das competições, chegou no modelo ideal de prancha. Uma híbrida.

No mundial da China em dezembro passado, quando trouxe seu segundo caneco para o Brasil, ele já era um surfista híbrido. Do jeito dele, fez com muita competência noseridings sólidos e um footwork absurdamente criativo, mesclando com curvas mais potentes com as bordas cravadas na água. Com sua mente campeã, construiu sua trajetória vitoriosa em cima de surfistas que já eram naturalmente híbridos. Mesmo que não tenha enfrentado diretamente alguns deles, se destacou frente a caras como os irmãos Delpero e o havaiano Kai Sallas, que sempre mostraram essa versatilidade entre o surf performance e o tradicional, tanto na abordagem, como nas suas pranchas.

O campeonato da Papua Nova Guiné, primeira etapa deste ano, o que consegui assistir – quando a internet não caía – foi que o critério estava um pouco mais relaxado na exigência da abordagem clássica. Achei bem natural, uma vez que a onda de lá é bem para frente e permite uma pegada mais moderna. Apesar de os juízes terem sempre valorizado as manobras de nose, “round house cutbacks” foram executados exaustivamente, sendo uma manobra altamente progressiva, caracterizando ainda mais que a performance híbrida é a bola da vez.

Chloé Calmon deu um show. Desde o ano retrasado dava para perceber o quanto ela vinha evoluindo. Ano passado já era a melhor surfista do campeonato da China, mas o título escapou nos detalhes que fogem da parte técnica. Eu já comentava com amigos e em alguns posts nas redes sociais que ela estava prestes a amadurecer mentalmente para conquistar seu primeiro título mundial, e com potencial para colecionar quantos mais ela quiser. Em Papua Nova Guiné mostrou que chegou lá. Estava com a técnica impecável e mentalmente forte, trabalhando muito bem a parte tática. Mesmo quando parecia em apuros, teve sangue frio e confiança para fazer bem suas ondas e vencer de forma inquestionável todas as suas baterias.

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Chloé Calmon provou que vem em constante evolução. Foto: WSL / Hain.

 
O título mundial está coçando na mão de uma surfista que vem se mostrando a mais completa de todas. Claro que a peça de cima é o que mais importa, mas não por acaso, seu modelo de prancha é híbrida. Seu shaper atual é Neco Carbone. Tenho sorte de surfar com as pranchas dele há bastante tempo e conheço bem esses modelos.

Em 2006, fui competir no Rabbit Kekai na Costa Rica e pedi uma prancha que me desse mais conforto no nose para as ondas de Boca Barranca, sem perder a pegada progressiva. Ele fez um modelo híbrido que me colocou na terceira colocação num evento paralelo ao Mundial, o Guy Takayama World Noseriding Series. Ainda replicamos esse modelo em outra oportunidade quando fui para Califórnia em 2008, no Mundial da Oxbow.

Foram pranchas marcantes para mim, não só pela performance nos campeonatos, mas por toda diversão que me proporcionaram nas mais diversas condições. Neco parte do conceito dos modelos clássicos, principalmente nas bordas do meio para o bico, esboçando um 50×50. Na rabeta, como disse Marcelo, acentua o rocker e coloca um pouco mais de edge nas bordas.

Falando em competições que definem um título mundial, o tempo mostrou que o surf clássico é “cool” demais para tanta gana de vencer. Parece combinar mais com os festivais. Sem falar que tem grana em jogo, fazendo com que a galera entre na água com a faca nos dentes, fomentando a agressividade. A história do próprio surf competitivo e a retomada dos pranchões mostram isso, através de comportamentos que culminaram na busca por equipamentos mais versáteis. Porém, chegou num ponto de progressividade extrema, que o bico parecia queimar o pé do surfista. Noseriding virou um mero complemento, com todo foco na verticalidade, descaracterizando completamente o surf de longboard.

Por ser adepto de pranchas híbridas, quando estou na dúvida se uso minhas clássicas ou as progressivas, meu problema se resolve logo. As híbridas também são excelente opção para quem vai viajar e não quer levar muitas pranchas, afinal elas atendem em qualquer condição de mar.

Para a WSL pode ser a salvação. Nem muito clássico, nem tão progressivo, para a paz entre gregos e troianos.