DNA Salgado

Filmes de surfe

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“Tubular Swells”, indicado pelo saudoso Paulo Tendas, foi o primeiro filme comprado pelo colunista e até hoje é o seu favorito. Foto: Reprodução.

Para a grande maioria do surfistas que moram longe do mar, os filmes de surfe são, e sempre foram, uma forma de estar perto das ondas.

Transmitindo através de suas imagens as melhores sensações do esporte, eles são um parceiro inseparável, e hoje vou falar um pouco sobre este assunto.

Minha paixão por filmes de surfe começou bem no início dos anos 80, quando ganhei minha primeira filmadora super 8 Kodak e comecei a fazer meus primeiros filmes no Guarujá.

Logo em seguida, conheci um dos melhores surfistas que já passaram pelo Guarujá e veio a ser um dos meus idílios até hoje, o Rony Carrari, que havia acabado de voltar de uma surf trip para Porto Rico com Anésio Amaral e Cuca Leão. Eles filmaram a viagem inteira em super 8. Quando me mostrou o filme pela primeira vez, fiquei maluco com tudo aquilo e acabei “sequestrando“ o filme por muitos meses.

Naquela época não se conseguia adaptar os sons como trilha sonora e eu, apaixonado por filmes e música, fiz minha própria trilha sonora toda embasada no Carlos Santana, especialmente do disco Caravanserai.

Aquilo tudo me fascinou tanto que comecei a pesquisar (naquela época tudo era muito precário e distante) sobre filmes na Califórnia e Austrália.

Meu mentor Paulo Tendas, que era outro apaixonado por filmes, havia me falado de um tal de Tubular Swells. Através de idas e vindas de cartas pelo correio, consegui comprar uns dois ou três filmes em meados de 1981 e 82, e o primeiro filme que comprei foi o Tubular Swells, ainda hoje um dos meus favoritos. Não me lembro quanto tempo demorou para chegar pelo correio, só sei que foi uma eternidade.

Me lembro como se fosse hoje do dia em que chegou uma carta dos EUA; era o aviso do correio americano que havia um pacote para retirar em São Paulo. Foi uma loucura até descobrir onde eu retirava a encomenda. Finalmente descobri que era no correio central, no centro de São Paulo, e lá fui eu de bumba. Chegando lá, mesmo estando no meu nome, não pude retirar, pois eu tinha apenas 15 anos e era necessário pagar algum imposto por alguém maior de idade (já naquela época éramos extorquidos). Voltei para casa e quase de joelho pedi para minha mãe ir lá comigo. Nunca me esqueço do sermão que ela me passou durante o caminho, me fazendo prometer que este filme não atrapalharia os estudos, eu respondendo “claro, mãe”, mas na verdade só pensava nas cenas que poderiam estar no filme.

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“Mad Wax”, de Bruce Raymond. Foto: Reprodução.

Era uma fita de VHS com uma capa de plástico preta e um papel bem mal xerocado e com algumas partes pintada a mão. Não lembro ao certo quanto paguei, só sei que me custou algumas mesadas (risos)!

Além disso, fiz uma verdadeira revolução na minha casa para convencer a comprarem um vídeo cassete, pois ainda não tínhamos um, até que finalmente minha madrinha comprou e me presenteou. Não me lembro a marca, só lembro que era gigante e pesado. Às vezes eu ia de ônibus para o Guarujá e levava comigo, assim podia assistir em casa com meus amigos. Em alguns anos, essas sessões na minha casa se tornaram tradicionais.

Tubular Swell já era um clássico na época, filme foi dirigido e produzido por dois australianos, o Dick Hoole e o lendário Jack MaCoy, em 1975, com surfistas como Shaun Tomson, Rabbit, Peter MaCabe, Michael Petersen, Wayne Lynch, Cris Byrne, Mark Richards Gery Lopez e muitos outros. As cenas eram perfeitamente combinadas com as trilhas sonoras, algo mágico, revolucionário para a época!

A trilha sonora parecia mais um concerto de rock de alto nível, bandas como Carlos Santana, Peter Tosh, Bob Marley, Supertrump, T.Rex e muitos outros. Naquela época não se precisava pagar direitos autorais para as bandas.

Este filme estava muito além do nosso tempo e de qualquer possibilidade de produção parecida. Eu assistia dez vezes ao dia (até hoje sou assim). Aquele momento sem dúvida influenciou toda a minha vida e paixão pelo surfe.

Outro filme que marcou época e ao mesmo tempo trouxe para as telas uma forma diferente e muito descontraída foi o famoso Mad Wax. Produzido pelo genial Bruce Raymond e Quiksilver, foi uma revolução na época, 1987. O filme conta a história de um surfista (Ross Clak Jones) que trabalhava limpando lojas. Em um belo dia ele estava limpando uma vitrine e encontrou um livro sobre parafina mágica. Não vou contar o resto do filme, tenho certeza de que vocês irão curtir muito. Além de muito diferente do convencional, tinha a trilha sonora da banda australiana Gang Gajang, um dos sons mais surfe já tocados.

Não podemos falar de filmes de surfe sem mencionar o genial Bruce Brown. Bruce foi e ainda é uma referência como filmmaker e produtor, com uma visão para lá de avançada para a sua época. Com uma sensibilidade incrível, ele trouxe alguns estilos de filmagens usados até hoje. Produziu um dos filmes mais conhecidos e que virou referência mundial, o The Endless Summer, uma viagem aos sonhos de qualquer surfista daquela época e dos dias de hoje. Sem dúvida inspirou várias gerações de produtores e filmmakers.

Hoje em dia sou um colecionador com uma vasta videoteca com centenas de filmes dos anos 60 até o presente. Os filmes fazem parte do meu dia, como almoçar ou tomar um café. Foi a forma que encontrei de estar mais perto das ondas e ainda aprender sobre lugares, pranchas, estilo de surfe e até moda de diferentes épocas.

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“Around the World in 80 Waves” e “Son of the Last Surf Movie”, produzidos por Chris Bystrom. Foto: Reprodução.

 
Além do Tubular Swells, citado no começo deste texto, existem outros três filmes que, de toda a minha coleção, são os que mais assisto: Adventure in Paradise, The Performers 1 e Blazing Boards.

Claro que os filmes tupiniquins têm seu espaço. Entre tantos já produzidos aqui, destaco dois clássicos que gosto muito: Fabio Fabuloso (Pepe Cesar, Ricardo Bocão, Antônio Ricardo), de 2004, e A Prancha (Wetworks).

Três filmes de diferentes diretores, épocas, estilos e musicas, mas em comum a devoção por Hawaii, Indonésia e ondas mágicas naquela época bem pouco conhecidas, como, por exemplo, o Caribe, mas sempre a preocupação em mostrar os melhores surfistas e estilos daquelas gerações.

Os filmes de surfe são um dos melhores entretenimentos para os amantes da água salgada. Com as tecnologias do presente, podemos assisti-los em qualquer hora e lugar, mantendo assim a inseparável parceria e paixão que temos por este esporte.

Foi através desses mágicos filmes que vi a primeira biquilha e triquilhas em ação. Aprendi e aprendo muito com estes vídeos – não só sobre surfe, mas também sobre moda, comportamento e tudo sobre música! Para nós, amantes deste esporte mágico, assistir a um filme de surfe de qualquer época é sempre uma nova sensação, mesmo que você já tenha assistido ao mesmo filme por muitas vezes!

O surfe é um dos melhores vícios do planeta Terra. Isso faz com que os produtores cinematográficos não parem suas incansáveis procura pela onda perfeita e dos sonhos. O resultado disto: filmes mágicos!

Vai aqui uma sugestão para o surfistas competidores: assistam aos filmes de surfe do passado e do presente, acredito que contribuíram muito para o aperfeiçoamento dos seus estilos.

Não percam mais tempo, ligue o seu computador e pesquise, baixe e assista a estes filmes. Tenho certeza de que você olhara para o surfe de uma outra forma, entendendo melhor o real espirito deste esporte/estilo de vida mágico!

Consultei alguns dos muitos respeitados entendedores de filmes de surfe e pedi que dessem sugestões dos seus 10 filmes preferidos. Olha aí o resultado!

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“A Prancha”, um vídeo de Pepê Cezar. Foto: Reprodução.

 
Junior Faria (freesurfer e jornalista):

1- Endless Summer (Bruce Brown)
2- Enddless Summer II (Bruce Brown)
3- Morning of the Earth (Alby Falzon e David Elfick)
4- Litmus (Andrew Kidman)
5- The Present (Thomas Campbell)
6- One California Day (Jason Baffa, Mark Jeremias)
7- Come Hell or High Water (Woodshed Films)
8- Singlefin Yellow (Jason Baffa)
9- Loose Change (Taylor Steele)
10- Cambitos 3 (Júlio Adler, Marcelus Vaiana e Bomba)

Amaury “Piu” Pereira (Ex-surfista profissional / freesurfer):

1- The Performers I (Henrry Hodge & MC Coy)
2- Bustin Down The Door (Jeremy Gosch)
3- Mad Wax
4- Green Iguana (Jack MaCoy)
5- Beyond Blazing Boards (Chris Bystrom)
6- Sun of Last Surf Movie (Jack MaCoy)
7- Wave Worriors (Herbie Flatcher)
8- Surfers The Movie (Bill Delaney)
9- Around The world in 80m waves (Chris Bystrom)
10- The Search

Júlio Adler (jornalista):

1- Free Ride (Bill Delaney)
2- The Innermost Limits of Pure Fun (George Greenough)
3- Litmus (Kindman, Frank and Southerland
4- Storm Riders (David Laurie, Jack MaCoy e Dick Hoole)
5- The Endless Summer (Bruce Brown)
6- September Sessions (Jack Johnson)
7- Morning of the Earth (Alby Falzon e David Elfick)
8- Cosmic Children (Hal Jepsen)
9- Surfers The Movie (Bill Delaney)
10- Five Summer Stories (Mc Gilivray/Freeman)

Edinho Leite (jornalista)

1- The Big Surf – Bud Browne
2- Salt Water Wine – Alan Rich
3- Super Session – Hal Jepsen
4- Free Ride – Bill Delaney
5- Nas Ondas do Surf – Lívio Bruni Jr.
6- Kelly Black & White – Richard “Wooly” Woolcott
7- Momentum – Taylor Steele
8- Fabio Fabuloso – Pedro César, Ricardo Bocão e Antônio Ricardo
9- Shelter – Taylor Steele e Chris Malloy
10- Riding Giants – Stacy Peralta

Kemel Addas Neto
Designer de moda, fotógrafo e artista plástico há mais de 35 anos, fez parte do primeiro staff da revista Fluir e atualmente é o curador de arte da The Board Trader Show. Surfa há mais de 40 anos, possui uma forte conexão com a Califórnia (EUA), com diversas temporadas na bagagem, e é dono do maior acervo de filmes de surfe do Brasil.