Espêice Fia

Barca do Fia

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Há alguns anos escutando histórias sobre Miramar e sem ter tido a oportunidade de visitar o pico e as instalações do Miramar Surf Camp, eis que surge a oportunidade de fazer a Barca do Fia para esse lugar pacato e com altas ondas ao norte da Nicarágua.

Em parceria com a agência TGK Surf Operator e mais cinco clientes, embarcamos rumo a Managua no último dia 27 de maio.

A ansiedade da galera já era demostrada no grupo de WhatsApp criado pelo agente de viagem José Eduardo. Tinha nego que já estava de malas prontas com 3 dias de antecedência! E não posso negar que também arrumei minhas pranchas dois dias antes. É sempre aquela coisa: véspera de viagem, às vezes é melhor salvar o equipamento de uma possível “quebrada”.

O empresário gaúcho Alessandro Olliva embarcou de Porto Alegre e saiu na frente, já que os embarcados em São Paulo – Ian Guedes (também empresário), Bruno Novaes (dentista), Renan Jensen (administrador de empresas), Tom Buser (engenheiro) e eu fomos pegos de surpresa com um cancelamento de voo da empresa Avianca.

Acomodados em outro voo, já perderíamos nosso primeiro fim de tarde, pois em trips pela América Central, o que sempre se espera é pegar onda já no dia da chegada.

Já em nossa primeira conexão em Bogotá e acomodados em sala vip pela companhia – devido ao atraso -, eis que recebo uma chamada de nosso agente de viagem relatando que minha mala havia ficado em São Paulo e estava de posse de outro passageiro.

No momento achei estranho, pois eu havia feito meu seguro de viagem em Guarulhos e colocado etiqueta com todos meus dados, tendo também embarcado a mala junto com a prancha.

Bom, o resumo foi que as malas da Mormaii, que eram idênticas, haviam sido pegas por engano ainda na esteira do voo doméstico. De fato a coincidência foi enorme, pois quando peguei minhas malas para o “transfer”, ambas saíram juntas – prancha e mala.

Uma mala Mormaii é bastante estampada, ou seja, nem cogitei checar. Claro que muitas vezes checo a etiqueta de bagagem antes, mas acaba não sendo uma constante por ter malas mais específicas e ela estava nova ,pois normalmente as velhas já têm danos que ficam familiares.

Contato feito, e faltando 2:30h para o embarque, fui direto na atendente da Avianca para explicar o fato e solicitar uma revisão da mala. No entanto, fui informado que só poderia checar no meu destino final, em Managua, para assim fazer um reporte.

Mesmo um pouco desolado, estava embarcando tranquilo rumo ao meu destino, quando já no portão de embarque a atendente relatou que eu teria de checar minhas malas em outro terminal. Bom, fiquei incrédulo diante daquilo e me recusei a fazer isso, pois certamente iria perder o voo.

Diante disso, um policial foi chamado e fui obrigado a ir até o local para checar as malas, com direito à revista de um simpático cão labrador, me senti nos documentários do Discovery Channel ou NatGeo, “Aeroporto da Colômbia”!

Ao relatar o ocorrido, fui compreendido e liberado. No entanto, mesmo com os esforços da Aduana colombiana correndo comigo de volta pra que eu embarcasse, perdi o voo. Grande sacanagem da empresa, mas não havia mais o que eu fazer.

Fui acomodado em outro voo e tome chá de aeroporto, quando fui embarcado para o Panamá, onde iria pegar uma conexão com a Copa Airlines. Na chegada, e ao checar minhas bagagens na esteira, constatei que só a prancha havia chegado, e quando fui fazer a reclamação da mala Mormaii, fui informado que ela havia ficado em Bogotá. Quanta desorganização!

Quando indaguei se teria que pagar novamente a taxa de pranchas com a Copa, diante da confirmação, pedi que trocassem mais uma vez meu voo para uma aeronave Avianca, pois não poderia pagar duas vezes pelo equipamento. Desta vez, fui prontamente atendido por uma solícita funcionária e pernoitei na cidade do Panamá.

Sem dormir direito, tive que despertar às 3 da manhã para só então voar para Managua. Mas nem tudo foi azar. Durante esse período, e também por coincidência, um grande amigo estava embarcando em São Paulo. Consegui com que a pessoa que havia pegado minha mala por engano a entregasse e ele estaria chegando praticamente no mesmo horário que eu na Nicarágua.

Bom, a canseira continuou, pois seu voo também fora cancelado, e uma vez relocado, o brother só chegou 5 horas mais tarde. E haja mais chá de aeroporto, pois era mais fácil espera-lo do que ir para Punta Miramar e voltar pra pegar a mala.

Quando o cabra chegou, foi uma festa, e ao último raio de luz já estava tomando minha primeira “Toña” (cerveja local). Viva, galera, cheguei! E matando o calor e tirando também o ranço da longa jornada, brindamos ao mesmo tempo em que eu escutava a história do dia de surfe.

Mal podia esperar que clareasse o dia seguinte, pois o visual do fim de tarde com esquerdas entrando era de cinema. Alguns despertaram antes das 5, aliás, o Tom já estava remando no canal de Punta Miramar na primeira luz. Paredes de 3 a 4 pés passavam bonitas, mas fui preparando meu equipamento e fazendo uns aquecimentos sem muita pressa, pois parecia que as condições estavam melhorando.

Quando o sol saiu, todos da barca já se encontravam na água, e sendo assim, ia conhecendo os níveis de cada um. Ian Guedes já mostrava intimidade com as ondas. Seus amigos ja relatavam suas performances em outras ondas, e na primeira onda já deu pra ver que o cara tinha a manha do trilho. Com uma prancha sem bico e dotada de concave profundo, o goofy vinha mais de trás do pico, passando seções.

Tom, outro enaltecido pelos amigos, virou em uma da série e botou pra dentro de backside com as mãos na borda. Nesse momento, pensei “Poxa, legal, o nível de surfe tá turma tá bom!”. Mas, diante de sua alta estatura (o cara tem quase 2 metros), Tom acabou sendo esmagado pelo lip dessa esquerda.

Bruno Novaes, um mineiro residente na Paulicéia que havia ingressado no surfe há cerca de seis anos, tinha nível menor, mas estava disposto e remando bem. Deu alguns drops atrasados com sucesso e vacou em outros.

Renan Jensen se mostrou metódico ao aparecer no pico com uma GoPro na boca e um equipamento de captação de movimentos na água, um tal de Trace.  O monitoramento era feito em grande escala em vários aspectos. Extensão percorrida, calorias gastas, número de manobras, ondas, etc. Um apetrecho animal, interessante, mas muito pra mim. Falta-me paciência pra ter um bicho daquele.

Admirei Renan por isso e foram várias explicações sobre o equipamento. O cara também fazia uma dieta sem carboidratos e estava “no quilo”, facilitando assim seu surfe, que vinha em terceiro na lista dos cinco, em nível.

O gaúcho Alessandro havia feito contato comigo via mídia social antes da barca. Na ocasião, indagou que era marinheiro de primeira viagem e não tinha experiência. Bom, havia relatado que a trip seria pra todos os níveis, mas fiquei surpreso ao constatar que aquela estava realmente sendo sua primeira trip internacional e já o encontrei com as canelas raladas devido a um “retoside” na bancada de pedras.

Foi nessa hora em que vi o quanto fui prejudicado em não chegar junto com os clientes da “barca”, pois passando informações pro cara com antecedência poderíamos ter evitado os cortes. Mas também é válido, pois já ganha-se experiência, mesmo sendo do jeito mais grotesco.

Depois de um cafezão regado a “uevos revoltos”, ”pancakes” e “gallo pinto”, partimos de barco para mais uma session no potente beach break chamado Salinas Grande. E a nossa surpresa foi boa quando pulamos do barco e fomos nos posicionando no lineup. Algumas ondas fechavam, mas outras simplesmente abriam perfeitas. Tom e Ian pegaram boas, inclusive botaram pra dentro de alguns tubos.

Alessandro, por outro lado, estava com dificuldade na remada, perdendo o timming das ondas. Ficamos por ali cerca de duas horas e consegui pegar um tubo bastante longo. Na brincadeira, comparei à piscina do Slater, de tão fácil e perfeito que foi.

Nessa caída estava um outro barco, no entanto, a praia era grande e sobravam ondas. Vimos muitas ondas fechadeiras, mas muitas bonitas com a turma do outro barco passando por dentro, incluindo um mexicano que vive ali e toca também um surf camp, mas não lembro seu nome.

Um fotógrafo americano chamado Trent Stevens (@seacollective) estava com ele e acabou capturando dois belos momentos meus dentro de tubos distintos. Uma hora da tarde estávamos pedindo o almoço e a tarde foi de descanso pra alguns, mas não para um instigado Ian Guedes. A essa altura, já dava pra ver que o cara era muito pilhado no surfe, daqueles que passam o dia inteiro na água.

O fim de tarde mais uma vez foi lindo e a galera viu o pôr do sol na piscininha juntamente com os proprietários do Miramar Surf Camp – Rafael e Leandro -, com suas filhinhas Malia (7 meses) e Valentina (3 anos), respectivamente. E diga-se de passagem: duas “principas”!

Enfim, aproveito aqui já pra elogiar a receptividade da turma, incluindo suas esposas Brittany e Daniela, bem como todos os funcionários do hotel, sempre atentos e sorridentes, incluindo boas pitadas de comédia, tanto em piadas como no “portunhol” com sotaque capixaba, pois os proprietários vieram do Espírito Santo para assumir o empreendimento, que não para de crescer e agregar clientes.

No dia seguinte, a cena se repetiu. Surfamos no point da frente e deu pra perceber que ali funciona mesmo com uma ondulação maior, pois as ondas de 3 pés vinham legais, mas posteriormente, quando atingiam o canal, ficavam um pouco fracas. 

Na real, dava pra se divertir, mas o beach break de Salinas Grande nos chamou mais cedo. Só que dessa vez pegamos o barco e fomos fazer um passeio em um belo rio próximo para poder resgatar a videomaker e produtora da @moanafilmes, Lorena Montenegro, e o fotógrafo Gunnar Mcclellan (@calcoastphotography).

Fomos deixa-los na areia da praia para que pudessem captar nossas imagens, já que o rio passava por trás do pico. E ali já começaram as histórias de jacarés que só vieram a dar uma apimentada na galera antes de adentrar em um mangue, para depois sairmos na areia da praia sãs e salvos.

Nesse dia, o mar estava ainda melhor, com séries maiores com cerca de 3 a 5 pés. Algumas ondas vinham bem fortes e rodavam quadradas. Mais tubos foram completados, e outros em que a galera vacou dentro foram punks. Leandro, proprietário do surf camp e que nos “ciceroneou” nessa session, estava kamikaze. Logo deu pra ver sua quilometragem nas redondezas.

Vi bons tubos de Ian, distante um pouco do resto da turma, o que fazia um visual lateral gracioso. Alguns drops atrasados de Bruno, Renan e Alessandro. O vento terral batia forte e dificultava o drop, principalmente para Alessandro, que, mesmo pilhado pela galera, ainda faltava dar uma braçada a mais.

Tom reclamava que não achava uma onda sequer abrindo um bom tubo, mas só foi ele falar que a melhor do dia entrou bem onde estava posicionado. O cara dropou atrasado, entubou e ainda saiu pela dog door. E lembrem-se que o cara tem quase 2 metros…

Empolgado por esta cena, peguei uma onda menor e parecida, no entanto, quando tentava repetir o feito de Tom pela dog door, o lip me pegou e acabei machucando forte o joelho. Pronto, fim da sessão e tome Tandrilax e gelo até o fim do dia. Durante o jantar, a turma combinava de ir para outro beach break, desta vez ainda mais potente.

Os caras programaram para acordar às 3 da matina, pois o pico era a cerca de duas horas de distância. Sem poder me agachar e sem saber se iria conseguir surfar no dia seguinte, abortei contrariamente a minha ida.

Os relatos quando a turma voltou no meio da tarde eram excelentes – tubos e mais tubos potentes, tendo inclusive o Gunnar feito uma foto exótica de Tom – por trás do tubo, o cara clicou a cena Backdoor.

Bom, dos males o menor. Consegui surfar sem forçar na manhã seguinte no pico de Pipes, logo ao lado de Punta Miramar. Com a maré baixando, me dirigi pra perto de Alessandro. Se por um lado perdi um surfe tubular, ganhei em uma prazerosa session com o novo amigo, pois até então ele estava sem conseguir se soltar direito e ali, com alguns toques e pilha durante sua remada, aos poucos ele ia se soltando.

No fim de tarde, me preservei e fui apenas acompanhar a session da galera também em Pipes. A brisa de maral que havia entrado dera lugar a uma calmaria no fim de tarde. Um incansável Ian Guedes corria bem em valas de esquerda sob um pôr do sol magnífico. Muito visual.

Para o dia seguinte, o mar, que estaria baixo, nos proporcionaria um surfe na praia de El Transito, beach break muito legal a uns 40 minutos de barco. Triângulos de 3 a 4 pés foram surfados por todos durante umas três horas ou mais.

A galera se esbaldou e também foi legal de ver nessa praia muitos moleques surfando bem. No entanto, a promessa local (não lembro o nome) havia quebrado o braço e não estava ali. Naquela tarde, a galera se guardou, pois era muito sol na “lata”.

Durante o jantar, escutamos com alegria a possibilidade de conhecermos mais um pico, desta vez a cerca de uma hora e meia do Miramar. Rafael e Leandro estavam empolgados em nos mostrar essa onda de qualidade, rasa, rápida e tubular para esquerda. No entanto, tratava-se de um pico mais perigoso e difícil de surfar, logo a barca se dividiu – os mais capacitados foram em busca dos barrels e os que não eram tanto foram para Pipes e outra onda próxima. Essa turma fez a mala e nós nos esbaldamos nos tubos.

Rafael e Leandro mostraram conhecimento e sempre vinham nas boas. Aos poucos, eu, Ian e Tom íamos nos acertando. A maré começou a baixar rápido, e como o “buraco” estava ficando mais embaixo, aos poucos fomos saindo. No entanto, de cabeça mais que feita… Tomando côco de coqueiros anões, admirávamos aquela bela paisagem para depois tocarmos de volta para Punta Miramar.

Naquela tarde, surfamos em Pipes e relato aqui a chegada de outro fotógrafo pra residir no hotel. Douglas Cominski era o nome da fera. Criador do Shot Spot, Douglas se dividiu entre pegar umas ondas e fotografar. Tomou uma vaca, deu boas rasgadas e fez boas fotos, ou seja, tava “inaugurado”.

Jantar regado a deliciosas pizzas e algumas geladas “Toña’s” fecharam nossa trip. Imagens e fotografias eram vistas com grande alegria. A expectativa do último surfe antes de ir ao aeroporto no dia seguinte nos fez despertar às 4:30 da matina. A ondulação havia subido um pouco e estava lisinho.

Entramos eu e o Tom em Punta Miramar e algumas séries demoradas vinham. Pegamos umas duas razoáveis, mas sentimos que o tamanho ainda não estava ideal para ali. Ian Guedes entra, quando dissemos que talvez em Pipes estaria melhor.

A partir daquele momento, peguei uma boa, dei uma boa rasgada na parede e logo depois passei a boiar por longo período. Teria que sair do mar às 6:30, e às 6:50 ainda não tinha minha saideira.

Saí em uma “retoside” para dar tempo de comer algumas pancakes e partir de volta ao Brasil com Alessandro e Bruno, pois Tom, Renan e Ian ficaram por mais dois dias para aproveitar o novo swell.

Despedir da galera não foi das melhores, pois já ficávamos ali com saudades de todos e da semana maravilhosa. Curtimos muito Miramar e a certeza é de um dia voltar.

Muchas gracias, Nicarágua! Até a próxima.

Fábio Gouveia
Campeão brasileiro e mundial de surfe amador, duas vezes campeão brasileiro de surfe profissional e campeão do WQS em 1998. É reconhecido como um ícone do esporte no Brasil e no Mundo. Também trabalha como shaper.