No primeiro dia do ano de 1995, um fato até então inédito aconteceu ao largo da costa da Noruega.
Naquela tarde, 25 anos atrás, uma onda gigantesca – e totalmente fora dos padrões da região – atingiu a plataforma de exploração de petróleo Draupner, e, pela primeira vez, uma massa d´água aquela altura pode ser medida e o fenômeno das ondas gigantes no alto mar cientificamente comprovado.
A onda que atingiu a plataforma Draupner, batizada pelos cientistas de “Onda do Ano Novo”, mediu assustadores 26 metros de altura, mais que o dobro da média das ondas naquele dia, que não passavam dos 12 metros.
A medição foi feita pelos equipamentos da plataforma e não deu margem à duvidas: as ondas gigantes existiam de verdade. E eram realmente enormes.
O dia que tudo mudou
Até então, ondas colossais que surgiam do nada e sem nenhum aviso no mar aberto, eram consideradas quase lenda, fruto da imaginação de velhos marinheiros.
Eram, também, impossíveis de serem medidas com precisão, porque dispositivos flutuantes colocados em certos pontos dos mares do planeta onde havia suspeita da ocorrência do fenômeno acabavam invariavelmente destruídos pelas próprias ondas gigantes.
Naquele dia, tudo mudou. E as ondas gigantes viraram fato inquestionável
As “ondas loucas”
Chamadas de “ondas loucas”, “superondas”, “ondas anormais” ou “ondas traiçoeiras”, as ondas gigantes são autênticas muralhas de água, com mais que o dobro da altura das demais (a que atingiu a plataforma era equivalente a um prédio de dez andares), que surgem de maneira repentina e aleatória – portanto, impossíveis de serem previstas.
Até o episódio da Onda de Ano Novo, um quarto de século atrás, até testemunhas oculares das superondas eram raras, porque poucos sobreviviam a encontros desse tipo – e os que escapavam não eram levados a sério em seus relatos.
Mais alta que o navio
Uma exceção foi o que aconteceu com a tripulação do navio militar americano USS Ramapo, em fevereiro de 1933, quando navegava entre as Filipinas e os Estados Unidos.
Naquela ocasião, o USS Ramapo foi atingido por uma onda colossal no meio do Pacífico, e só não foi a pique porque conseguiu manobrar a tempo e abordar o vagalhão de proa, ou seja, de frente, escalando assim a montanha d´água.
Na época, os instrumentos de navegação eram rudimentares demais para poder dimensionar o tamanho da onda que atingiu o USS Ramapo, mas uma observação feita pelos marinheiros que estavam na sala de comando mostrou que o vagalhão era mais alto que o mastro do navio, que beirava os 30 metros de altura.
Através de cálculos trigonométricos, a tripulação do USS Ramapo estimou que a onda que atingiu o navio tinha 34 metros de altura.
Poucos, porém, acreditaram nisso, já que ondas gigantes estavam muito mais relacionadas ao folclore marítimo do que a um fenômeno natural real.
Mas todos estavam enganados.
Inspirou até filme
Descrença igual viveram os tripulantes do ex-luxuoso transatlântico Queen Mary e os 16 mil soldados americanos que estavam sendo transportados nele rumo a guerra na Europa, em dezembro de 1942.
Durante a travessia do Atlântico, o navio foi atingido por uma monumental parede de água, estimada em 28 metros de altura, e adernou apavorantes 52 graus – apenas mais três graus e ele teria capotado.
Mas tarde, o incidente com o Queen Mary inspirou a criação do livro – que, depois, também virou filme – Posseidon, que narrava o drama de um imenso navio virado de cabeça para baixo por uma espantosa onda no meio do oceano – uma onda louca, embora, naquela época, a ciência ainda duvidasse da existência de tal anomalia.
Ninguém sobreviveu
Menos sorte tiveram os 84 operários que trabalhavam na plataforma de petróleo Ocean Ranger, fincada em alto mar, a 270 quilômetros da costa do Canadá.
Em 15 de fevereiro de 1982, uma onda com tamanho e força descomunal fez a plataforma
de petróleo inteira afundar. E ninguém sobreviveu para contar.
O que dizem os cientistas
Quando duas ou mais ondas colidem no mar, pode haver a superposição de uma sobre a outra, e essa somatória de forças pode gerar uma onda fora dos padrões, processo que os cientistas chamam de “interferência construtiva”.
Através de complexas equações matemáticas, chamadas de “modelo linear”, a ciência já avaliou em 0,00001 as chances de alguém se deparar com uma onda de 30 metros ou mais de altura no mar aberto. Ou seja, risco praticamente nulo.
No entanto, ondas oceânicas gigantes, porém menores do que isso, são bem mais frequentes do que se imagina.
Em 2003, técnicos de um projeto chamado Maxwave (“Onda Máxima”) analisaram 30 000 imagens de satélite e concluíram que, em um período de apenas três semanas, ocorreram dez eventos de superondas nos mares do planeta. E todas com altura acima dos 20 metros.
Mas o levantamento também concluiu que elas duravam pouco, sendo logo reabsorvidas pelo oceano.
Outro estudo matemático também concluiu que, em alto mar, por conta da oscilação natural das marés, uma em cada 23 ondulações tende a ter o dobro da altura das outras, ainda que isso, quase sempre, não passe de centímetros.
Já uma em cada 1 175 ondas terá uma altura três vezes maior. E apenas uma em cada 300 000 será quatro vezes mais alta que as anteriores.
Impossível prever
Em outro estudo, quatro anos atrás, engenheiros do conceituado Instituto de Tecnologia de Massachusetts desenvolveram um algoritmo para tentar prever o surgimento de ondas loucas, a fim de alertar os navegantes.
Mas o estudo concluiu que a previsão máxima possível seria de apenas dois ou três minutos, insuficientes para permitir a um navio desviar a tempo.
No caso das ondas gigantes, padrões matemáticos precisos ainda são vistos como controversos. E continuam a desafiar os cientistas. Bem como os próprios oceanos.
“No mar, é preciso ser humilde”, resume um dos cientistas que se dedicam a estudar as ondas loucas. “É um ambiente onde o desconhecido, às vezes, surge”.
Ondas que sugam o mar
O problema das ondas gigantes não é apenas a altura da onda em si, mas, também, a profunda depressão que se forma diante delas, o que se convencionou chamar de “vale”.
Ao avançar no mar, o que pode acontecer a mais de 50 km/h, as ondas loucas “sugam” a água diante delas, e, com isso, tornam a distância entre a superfície e a crista ainda maior.
Também não são apenas altas, mas são também íngremes – autênticas muralhas de água, que, às vezes, desabam, massacrando o que estiver embaixo.
Nem navios aguentam
Navios inteiros já desapareceram, engolidos como se fossem simples canoas. E a explicação está na física.
Quase sempre, navios são feitos para suportar ondas de 15 ou até 20 metros de altura. Não 30, como já aconteceu.
Nesse tipo de onda – raríssima, é verdade, mas não impossível -, a força chega a ser de 100 toneladas por metro quadrado, seis vezes mais do que o casco de um navio geralmente suporta.
Se uma simples marola de meio metro de altura é capaz de derrubar um muro feito para suportar ventos de até 200 km/h, imagine o que uma massa d´água infinitamente maior é capaz de fazer?
Probabilidade mínima
De acordo com a definição acadêmica, ondas são “distúrbios que movem energia de um ponto a outro”.
No caso dos oceanos, são geradas pela incidência dos ventos na superfície, que “empurram” a água até um ponto onde a diferença de profundidade faz erguer as ondas.
Isso, porém, não se aplica às ondas loucas oceânicas, que são fruto muito mais do choque com correntes contrárias, ou superposição com outras ondas, do que consequências de variações na profundidade.
“Não é preciso haver uma tempestade para gerar uma onda louca no mar aberto”, diz um cientista. “Ela pode surgir por outros motivos, embora a probabilidade de alguém dar de cara com uma delas seja quase desprezível”.
Onde elas mais aparecem
Embora o fenômeno das ondas loucas, felizmente, não seja nem um pouco frequente (no Brasil, não há nenhum registro oficial de ocorrência que tenha resultado em tragédia), em certos locais, como o Atlântico Norte e o entorno da Antártica, pontos de confluências de diferentes correntes marítimas, ele não é tão raro assim.
Nada, porém, se compara a o que costumar acontecer ao longo da costa da África do Sul, no extremo sul do continente africano, onde dois oceanos (o Atlântico e o Índico) se encontram, potencializados ainda por poderosas correntes marinhas vindas da Antártica.
Ali, por conta da Corrente das Agulhas, uma forte correnteza submarina que corre rente a costa, mas no sentido contrário às ondulações vindas do Índico, superondas há muito deixaram de obras de ficção.
Só nos últimos 30 anos, mais de 20 navios afundaram ou ficaram seriamente danificados pelas ondas loucas na costa da África do Sul, por causa do choque entre as ondulações vindas do oceano Índico com a Corrente das Agulhas – uma das rotas marítimas mais movimentadas do mundo.
Foi ali que, em 4 de agosto de 1991, os 571 passageiros do transatlântico de cruzeiro Oceanos viveram momentos de terror, quando o navio foi colhido por uma sequência de ondas gigantes durante uma tempestade, e, após um dramático resgate de todos a bordo, afundou.
O supernavio que foi engolido
Outro caso de vítima das ondas loucas que se tornou tragicamente conhecido foi o do supercargueiro alemão München, que tinha o tamanho equivalente ao de dois campos e meio de futebol.
Na madrugada de 12 de dezembro de 1978, quando cruzava o Atlântico Norte, o navio disparou um pedido de socorro, no qual dizia que estava à deriva, sem motor nem energia, e com uma apavorante inclinação de 50 graus, “após ter sido…” – mas a transmissão foi interrompida antes que o operador completasse a frase, que explicaria o que havia causado tudo aquilo.
Dois dias depois, um sinal automático de socorro foi detectado pelas equipes de resgate, mas no local eles só encontraram a boia que o emitia – e nenhum sinal do navio e seus 27 tripulantes.
O desaparecimento do München se tornou um enigma, até que, dois meses depois, um dos seus barcos salva-vidas foi encontrado parcialmente destruído, boiando no mar, mas ainda preso a um pedaço do suporte que o atava ao navio.
E foi isso que permitiu saber o que aconteceu com o supercargueiro: uma onda descomunal havia atingido o München, a ponto de danificar e arrancar o barco do seu suporte.
Como se chegou à esta conclusão? Porque o barco salva-vidas ficava preso a 20 metros de altura no navio. E a onda chegou até ele.
O caso mais famoso
Ainda assim, o caso mais famoso de vítima das ondas loucas foi o de outro navio: o misto de cargueiro e navio de passageiro inglês Waratah, que desapareceu por completo, sem deixar nenhum vestígio (nem mesmo um simples pedaço de madeira boiando no mar), em 1909, quando navegava exatamente ao longo da costa da África do Sul, com mais de 200 passageiros a bordo.
Como, naquela época, a ciência ainda não havia sido convencida da existência do fenômeno das superondas, o desaparecimento do Waratah foi classificado como um mistério, também por conta de intrigantes detalhes que envolveram aquela história.
Até que, quase um século depois, uma certa onda monumental no dia de Ano Novo ajudou a esclarecer aquele e outros desaparecimentos misteriosos nos mares.
Foi quando os cientistas tiveram certeza de que as superondas não só existiam de fato, como eram realmente enormes. E seguem sendo assim até hoje.
Matéria originalmente publicada por Jorge Porto no site Histórias do Mar.