Larry Bertlemann

À frente de seu tempo

Kemel Addas Neto conta a trajetória de Larry Bertlemann, um dos surfistas mais geniais de todos os tempos.

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Larry “The Rubberman” Bertlemann em Sunset Beach, uma de suas ondas preferidas.Dan Merkel
Larry “The Rubberman” Bertlemann em Sunset Beach, uma de suas ondas preferidas.

Neste texto, coloco minha visão e admiração por este surfista genial, que desde as minhas primeiras remada já ouvia falar – e muito! Se podemos chamar alguns dos melhores surfistas da história de “Deuses do Surfe”, com certeza este é um dos mais importantes deles: Lawrence Mehau Bertlemann, ou simplesmente, Larry Bertlemann!

Nascido em Hilo, Big Island, Havaí, em 1955, Bertlemann fazia artes marciais e pescava durante a sua infância. Quando seus pais se divorciaram, ele mudou-se com a mãe para Honolulu, onde começou a surfar aos 11 anos.

Bertlemann morava a alguns quarteirões de Waikiki, onde desceu as primeiras ondas. Nos primeiros dias, ele alugava uma prancha por horas. Surfava em um pico chamado Kaiser, onde evoluiu rapidamente. Ali já se via um garoto determinado, sem medo do desafio, e com uma segurança acima da média. Três anos depois, ele fazia a sua primeira final na categoria Júnior do circuito havaiano amador.

Com uma criatividade ímpar, Larry fazia manobras que nem nome tinham na época. Isso o levou a se destacar rapidamente no mundo das ondas. Mas Larry também sempre foi ousado, falador e abusado. Um belo dia, foi abordado após uma sessão por Mr. Ben Aipa, o principal shaper havaiano da época, que estava à procura de um jovem talento para a sua equipe. “Quando o conheci ele era falador, mas ao entrar na água você via que ele era um surfista acima da média”, comentou Aipa.

Larry foi até a fábrica de Aipa e naquele momento começava uma parceria que revolucionaria o surfe mundial. O surfista tinha em mente uma stinger-swallow. Ben fez a prancha e o resultado foi incrível. Piloto de testes dessa e de outras pranchas mágicas, a parceria entre eles durou uma eternidade. Além disso, proporcionou a Larry a oportunidade de shapear pranchas, o que ele faz até hoje.

Larry também tinha ideias ‘fora da caixa’, como deixar a quilha de sua prancha (na época monoquilha) mais solta, para facilitar os cutbacks e a troca constante de bordas. Isso funcionava como as quilhas flexíveis de hoje em dia. Além de surfar muito para a sua idade e época, ele tinha um estilo lindo, com cutbacks e bottom turns alucinantes – que são reconhecidos até os dias de hoje.

O mais incrível, para um surfista do meio dos anos 70, era a sua leitura de ondas e manobras até então inéditas. Você poderia imaginar alguém dando aéreos com pranchas de tamanhos entre 6’6’’ e 7’0”? Pois é, Larry já voava naquela época. Aquilo era tão novo que os juízes não sabiam como pontuar, e menos ainda o nome da manobra. Na época, todos chamavam esses aéreos de Alarryo, era impressionante!

Larry praticamente sacramentou aquilo que chamamos nos dias de hoje de “troca de direção da prancha” durante uma manobra. Naquela época, ele já invertia a direção de forma agressiva e muito veloz.

Quando perguntado se havia alguma manobra impossível de realizar, ele respondia na lata: “anything is possible” (tudo é possível). Isso virou o seu slogan, sendo usado até hoje. Com certeza Larry é uma das maiores influências do surfe moderno, referência por várias gerações no quesito estilo e manobras progressivas.

Pouco se comenta aqui no Brasil, mas a sua influência no surfe é gigante. Surfistas da época como Dane Kealoha, Buttons Kaluhiokalani, Mark Liddell, Michael Ho e centenas de outros foram tocados pelo seu estilo e personalidade. Até Kelly Slater, onze vezes campeão mundial, já falou que assistia aos filmes de Larry e ficava impressionado com as suas “manobras impossíveis”.

Outra influência importante foi a geração californiana de Dogtown, berço do skate na Califórnia. Larry era uma espécie de “Deus” para os garotos do time, que tentavam imitar o seu famoso cutback nas ondas de cimento. A equipe dos Z-Boys tinha nomes como Jay Adams, Stacy Peralta, Tony Alva, Allen Sarlo e muitos outros.

Como profissional, Larry colecionou resultados no mínimo interessantes para um garoto que começou a competir muito cedo. Aos 15 anos, em 1972, ficou em sexto lugar em ondas sólidas de 10 a 12 pés em Sunset Beach. Em 1973, venceu as etapas de Huntington Beach e Ventura, na Califórnia (EUA), de um dos campeonatos mais importantes da época, chamado Cutback Surf Off. Nesta época, ele ainda era pouco conhecido fora do Havaí e em uma das baterias acabou surfando contra Mike Purpus, um dos nomes mais fortes da época. Larry simplesmente esmagou o cara na bateria, vencendo o campeonato!

Com um surfe pra lá de inovador, Larry ganhou o apelido de “The Rubbermann”, por ser extremamente flexível. Ele colocava a prancha onde queria – e o mais legal – com um estilo lindo. Assisto aos filmes com Larry pelo menos uma vez por semana, e continuo descobrindo coisas incríveis, como a sua versatilidade em ondas de 1 a 25 pés.

Larry sabia vender a sua imagem como poucos na época.

Larry também era obcecado pela imagem e queria monetizar isso. Fez contratos com empresas que jamais haviam patrocinado o surfe. Acordos com valores altíssimos, em uma época em que mal se sonhava com o surfe profissional. Ele chegou a ter patrocínios de empresas como United Airlines, Pepsi, Lightning Bolt, Aipa, OP, Hang Ten, dentre outras.  Estas empresas apostaram em campanhas de alto nível com Larry, que são inesquecíveis.

Com isso, ele praticamente deu sentido e amplitude à visão de patrocínio no surfe., contribuindo fortemente com o desenvolvimento do esporte profissional. Para quem nunca viu Larry surfar, ou mesmo para os que sabem bem quem ele é, seguem algumas sugestões de filmes: Super Session, Go For It e A Matter of Style.

Pessoalmente, acredito que Larry Bertlemann teria sido campeão mundial por muitas vezes, se realmente tivesse se dedicado às competições. Ele estava muito, mas muito à frente de todos na sua época! Suas “loucuras” e teorias aquáticas fizeram dele um gênio.

Textos como este me fazem acreditar cada vez mais que o surfe é muito maior que uma lycra de competição. É gigante, fascinante, incomparável e, principalmente, nada usual! Até breve, Aloha!