“A felicidade só é verdadeira quando compartilhada”. Essa frase – embora já bastante desgastada pelas redes sociais – tem uma representação grande no surfe. E essa ideia se reforça quando a frase veste com precisão uma das mais significativas e simbólicas experiências para um praticante do esporte: uma viagem para surfar ondas de qualidade.
No início dos anos 2000, o filme Surf Adventures retratou com bastante sensibilidade nas telas de cinema – para leigos e amantes do esporte – o desejo insaciável de buscar essas ondas. Naturalmente, para todos que se movem rumo a um objetivo, atingi-lo é um fator determinante no sentimento de êxito. Mas o filme também revela que o processo e as companhias também são parte extremamente relevante nessa equação. Isso fica claro, por exemplo, no capítulo que se passa nas Ilhas Mentawai, na Indonésia. As imagens das ondas perfeitas, em um lugar paradisíaco, são especialmente acompanhadas de boas risadas, som de violão e histórias icônicas de bastidores.
Desde que assisti ao filme pela primeira vez, muito antes mesmo de ficar em pé em uma prancha, essa “receita” ficou na minha cabeça. Passadas quase duas décadas, tive o privilégio de vivenciar o que para mim foi como “um capítulo do filme Surf Adventures”, em uma recente viagem de barco em buscas de ondas.
Às vésperas da viagem, que foi organizada por uma agência de turismo especializada, rolou uma mistura de sentimentos. Em parte, uma euforia e ansiedade pela oportunidade de anos que estava próxima de se realizar. Por outro lado, um certo receio, pois para além da natural incerteza quanto as condições do mar, não conhecia meus companheiros de viagem – aqueles que seriam peça chave no sucesso da expedição.
O time tinha nomes de peso, como um ex-integrante do WCT (Danilo Costa, o coach da viagem) e um dos principais fotógrafos de surfe do país (Henrique Pinguim, o responsável pelas imagens). Entre esses dois polos, surfistas de final de semana, surfista da categoria amadora, surfistas da categoria master e até um surfista que criou e batizou manobra com seu próprio nome (um aéreo layback, intitulado de “layrocha” pelo autor, Junior Rocha, para quem tiver curiosidade).
Trinta e seis anos de vida é o que separava o caçula da barca do integrante “mais vivido”. E os mais de 3.700 quilômetros entre o Sul de Santa Catarina e Natal, no Rio Grande do Norte, davam a dimensão da cobertura regional dos integrantes da trupe.
As diferentes graduações no esporte, faixa etária ou região de residência no país poderiam sugerir alguma desarmonia para os 10 dias que passaríamos embarcados. Mas felizmente, logo no primeiro dia, o surfe mostrou porque é o mais coletivo dos esportes individuais.
Em cada sessão os gritos de incentivo apareciam na mesma intensidade, seja para quem estava se desafiando em uma onda menor, ou para quem dropava uma onda da série. Nas análises das imagens, as falas de “Caramba! Você quebrou na onda”, em reverência e celebração ao parceiro de viagem eram usadas, sem distinção, tanto para os que conseguiam dropar e surfar até o final da onda ou completavam uma manobra básica, como para os que realizavam aéreos com rotação ou saíam de um tubo.
Cada um dos 13 integrantes do barco estava realizando um sonho particular com a viagem. Porém, sem precisar verbalizar, os integrantes revelavam ter entendido que se tratava também de um sonho coletivo. A felicidade estava sendo compartilhada e, dessa forma, potencializada. O resultado não poderia ser outro: sorriso no rosto, novas amizades, belas imagens, evolução, muitas memórias, boas risadas e muita onda boa. E que seja sempre assim. Que transborde para outras experiências de vida.
Bernardo Piquet é advogado e empreendedor. Amante, praticante e observador do surfe.