Janeiro de 2022, o ano começou marcado pelas ondas no mundo. Não estou falando do Covid-19 como a maioria, mas sim da temporada havaiana que mostra-se muito forte.
Neste período do ano, o mundo do surfe se volta ao arquipélago do Havaí. Ondas fortes, recifes de corais afiados associados ao imenso crowd da região são uma perigosa combinação favorável a graves acidentes. O texto desse mês vai trazer uma polêmica discussão sobre o uso (ou não) do capacete no surfe.
Um dos primeiros capacetes para o surfe foi projetado em meados da década de 1980 pelo surfista local de Margaret River, Ricky Gath. Durante anos, ele sofria de fortes dores de ouvido causadas por muitas horas surfando em condições de clima frio. Garth também frequentemente visitava seu médico às custas das diversas vezes que cortou sua cabeça ao se colidir contra a prancha.
Sendo assim, o surfista australiano observou a necessidade de projetar um capacete para proteger-se dos traumas e do frio. O design inicial combinou o ajuste confortável de um capuz de roupa de mergulho com um escudo protetor de plástico leve e que incluia uma viseira para proteção contra o sol.
Os moldes foram esculpidos à mão por Ricky em seu galpão em Margaret River e um ano depois de iniciar o conceito do design, o primeiro protótipo do capacete Gath estava pronto para testes.
Muitos anos se passaram desde os primeiros modelos do Ricky Garth e a adesão a este equipamento ainda é muito baixa, mas qual será a explicação? Antes de responder essa questão é importante saber o porquê usar essa proteção no surfe.
De acordo com todos os estudos científicos epidemiológicos realizados com a população surfista, um dos locais do corpo que mais frequentemente traumatizada durante o surfe é a região cranioencefálica (30 a 45%). Não importando a condição do mar ou o nível do surfista, os trabalhos mostram que a cabeça é facilmente atingida durante a prática. O mecanismo mais frequente é o trauma contra a própria prancha (70%), principalmente após uma vaca.
Por tratar-se de uma modalidade aquática, o risco de afogamento é eminente, e após um TCE (trauma cranioencefálico) esse aumenta muito, podendo até levar a morte.
Locais de alta concentração de surfistas também merecem atenção especial, uma vez que não só a própria prancha, mas a de todos que estão ao redor oferecem risco.
A população praticante infantil é uma forte candidata ao uso do capacete pois além de oferecer uma proteção ao trauma da cabeça, o capacete protege o ducto auditivo dos ventos e do frio.
É importante lembrar também das piscinas, ondas fortes num local raso. Eu mesmo, assim como muitos amigos surfistas, quando tive a oportunidade de surfar lá, bati a cabeça no fundo.
Porque não usar capacete? Debatendo com alguns surfistas experientes, existem algumas razões:
1 Perda da sensibilidade auditiva: esse estimulo é muito importante para o surfista em relação ao seu posicionamento e deslocamento. Com o capacete, essa percepção fica muito diminuída, afetando na capacidade e performance do surfista.
2 Repuxo: apesar dos modelos mais recentes apresentarem uma tecnologia de escoamento, o capacete ainda oferece grande atrito e arrasto na água, dessa forma, quando o surfista cai ou fura onda, ele sofre uma força contrária ao seu deslocamento, causando um desconforto muito grande, além de estressar a região cervical.
3 Alto custo: ainda a maioria dos capacetes são desenvolvidos com muita tecnologia importada e muito cara.
4 Baixa adesão dos surfistas profissionais formadores de opinião.
5 Escassez de campanhas educativas.
6 Não obrigatoriedade.
Simpósio discute o tema
Mesmo que conseguimos enumerar mais motivos para não usar do que para usar, vale ressaltar o tema. Casos de surfistas famosos como Owen Wright e Jeremy Flores, que passaram a ser adeptos deste equipamento somente após um grave acidente, pouco foi comentado pela mídia e pelos próprios órgãos do surfe profissional.
Esportes como KiteSurfe e até mesmo snowboard, a cultura do uso (e muitas vezes a obrigatoriedade) faz com que a sua presença seja muito mais comum que no surfe.
Acredito que ainda não chegamos num design ideal, porém, além de aprofundarmos nos estudos tecnológicos do melhor modelo de capacete, penso que devemos estudar melhor os critérios e condições de seu uso. Uma das funções da medicina do surfe é essa: buscar maneiras e estratégias para manter o surfista seguro e salvo.
Em 2022 o pessoal do SID (Surf Information Data) irá promover o VII Simpósio de Saúde & Medicina do Surfe, o qual irá abordar e discutir o tema do capacete, dentre muitos outros, vale a pena participar.