Previsão de Ondas

A ameaça de El Niño

Oceanógrafo Heitor Tozzi fala sobre a volta do El Niño e como isso pode afetar a formação das ondulações oceânicas pelo planeta, inclusive em etapas no mundial de surfe.

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Os ciclones perderam o gás em meados de abril, não tivemos mais nenhum ciclone forte em latitudes médias, e sim chuvas. Aqueles que já acompanham os ciclones a mais tempo, devem ter se perguntado, o que ocorreu para haver uma mudança tão radical?

El Niño é a resposta que trago para vocês! Uma ameaça velada na geração dos ciclones em 30-35°S. Isso porque, enquanto em La Niña temos a água fria subindo da Antártica na corrente do Peru, durante El Niño temos uma água quente que causa a evaporação junto a costa leste do Pacífico, provocando chuvas no Chile e Peru e Equador, assim como, invadindo o continente com umidade. Uma ameaça inclusive para a etapa do campeonato mundial de surf (WSL) no Brasil.

O padrão de circulação de ventos e geração de ondas é completamente alterado por estes fenômenos climáticos. El Niño traz chuvas para a região sul e sudeste, diminui a intensidade dos ventos e a ocorrência dos ciclones bomba.

Os ciclones do Oceano Antártico não vão parar, isso com certeza, mas a geração de ondas e aquela ondulação power dos ciclones de latitudes médias, ficam sem energia. As frentes frias transitam com mais lentidão pelo continente, e assim não temos gradientes fortes de temperatura para geração das bombas.

Imagens dos ciclones passando no Oceano Antártico e Malvinas, o qual gerou ondas para este sábado.

Isso vai permanecer até a etapa da WSL no Brasil? Ainda é difícil de afirmar, mas estamos há três anos com a La Niña, e o tal El Niño veio quase que inadvertidamente. As águas quentes acumuladas do lado Oeste do Pacífico “resolveram brotar” no lado leste.

Os cientistas estudam estes fenômenos há muito tempo, mas para se ter uma ideia da bronca que é, nunca tivemos antes três La Niñas seguidas e, agora, o El Niño chega invertendo tudo.

No fim de semana da Páscoa deu para perceber a mudança com as chuvas finas e constantes durante três dias. Não atrapalhou a geração das ondas, pois tivemos ciclones extratropicais bastantes fortes passando pelo Oceano Antártico, e tivemos um ciclone ocorrendo na região sul do Brasil.

Todavia, o padrão de ventos mudou bastante de lá pra cá, e isso foi observado também pela falta de vórtices frios passando sobre os Andes.

A chegada de uma ondulação vinda das Malvinas ainda coloca uma pressão no swell no final desta sexta (14/04) e sábado (15), baixando no domingo. O modelo prevê ondas de no máximo 2 metros no sábado e período pico de 12 segundos, misturadas a ondas de 6 segundos geradas por ventos locais. Mar agitado e ondas não muito grandes.

Os ventos ficam entre fracos e moderados e com muita influência de maral. Isso também é característico de uma situação de frente fria mais lenta, causando chuvas no litoral Sul e parte do Sudeste.

Durante a próxima semana, as ondas ficam fracas, com período mais curto e altura significativa na faixa de 0,5 a 1 metro. Os ventos nestes dias serão de sul, como uma brisa marinha, e influência de ventos locais oscilando entre os quadrantes Sul e SE para a região Sul. No litoral do Rio de Janeiro tem predomínio de ventos de Leste e NE, sendo mais fortes no período da tarde.

No Nordeste, os ventos também ficam mais fracos e constantes de NE, inibindo a formação de ondas maiores e a chegada das ondulações de sul. Ondas melhores podem chegar de sul/sudeste, no domingo a segunda, mas o mar sobe e desce rapidamente.

Na costa norte, El Niño diminui as chuvas e afasta a Zona de Convergência Intertropical para fora do continente, aumentando a incidências de ventos e a geração de ondas de NE-N na direção da costa.

Praias como Titanzinho (CE), Paracuru (CE), Brangança (PA) e até Mosqueiro (PA) podem receber ondas de boa qualidade com essa nova fase climática.

Na terça para quarta, o modelo está prevendo um novo ciclone na região sudeste, vinculado a frente fria e/ou ZCAS. Ainda é um pouco incerta esta previsão, mas caso se confirme, este ciclone vai gerar ondas com direção de SE, altura significativa de 1,5 a 2 metros e período de aproximadamente 11-12 segundos, para sexta-feira (feriado de Tiradentes), sábado e domingo.

Carta de pressão ao nível do mar para terça-feira dia 18 e quarta-feira 19 com a previsão de ciclone na região sudeste do Brasil, ondulação prevista para a próxima sexta-feira dia 21 de Abril.

O mês de abril começou nervoso, mas a mudança na circulação oceânica e atmosférica provocada por esta bombada de El Niño na costa do Chile e Peru, mudou toda a configuração das tempestades do Atlântico Sul. Agora teremos que esperar mais uns 15 a 30 dias para saber se o El Niño fica definitivamente, e então sabermos o quanto poderá afetar as ondas para a etapa do mundial.

Na Austrália, por incrível que pareça, a situação se inverte, e as ondas que foram ruins e fracas nos anos de La Niña, passam a ter mais força para a etapa da Gold Coast.

Poderemos ter uma condição muito favorável para as etapas do QS e CT, com ondas acima de 2 metros no litoral australiano.

Heitor Tozzi
Oceanógrafo e Mestre em Estudos Costeiros, trabalha com morfodinâmica de praias e impacto de tempestades na costa desde 1991, quando fez parte do 1º grupo de Sentinelas do Mar (Watching Waves in Brazil). Como pesquisador já embarcou em navios de Norte a Sul do Brasil, Golfo do México, Angola e Indonésia. Velejador e surfista nas horas vagas, atualmente é pesquisador do doutorado em Meteorologia no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), onde estuda os processos de Interação Oceano-Atmosfera para geração dos Ciclones.