No mês de novembro é celebrado uma das mais importantes datas brasileiras, o Dia da Consciência Negra. O dia 20 traz a reflexão e exaltação do povo preto do Brasil. Para celebrar os grandes nomes negros do esporte brasileiro e seus feitos históricos, o Waves preparou uma série especial de entrevistas.
Nesta primeira, temos um grande personagem da história, precursor de umas das manobras mais importante no cenário competitivo da nossa atual geração: Luis Otavio Oliveira dos Santos, o Luis Neguinho, pai do aéreo.
A manobra foi fundamental para que a maioria dos campeões mundiais brasileiros conquistassem seus títulos. Nossos atletas atualmente são os mais habilidosos nesse quesito e Luis Neguinho tem papel primordial nessa história.
Nascido no Rio de Janeiro, mudou-se para Santos (SP) com apenas 6 anos de idade, onde mais tarde iniciou no surfe e foi um dos primeiros a conseguir mandar a manobra no Brasil. Oriundo do skate, levou a movimentação para dentro d’água nos anos 80, época em que os juízes soltavam as notas para outra linha de surfe.
Segundo o próprio Neguinho, a galera da época achava que o movimento não fazia parte do surfe e Luis dizia que a manobra era o futuro da modalidade. Aos 18 anos serviu o exército em Praia Grande (SP), onde diz que adquiriu seu preparo físico, e aos 19 mudou-se para Florianópolis (SC).
Neguinho venceu a primeira edição do Festival Olimpikus de Surfe em 1982, prova nacional mais importante da época. Ele foi também tricampeão catarinense (82/83/85) e vice-campeão paulista (83/84).
Hoje, aos 61 anos, Neguinho é professor de skate na praça Palmares, em Santos (SP), e tem uma filha que é professora na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Ele nos conta um pouco de sua trajetória, a alcunha de pai do aéreo, desafios na carreira, títulos e mais. Confira a seguir.
Você, querendo ou não, ajudou a moldar o surfe atual com suas manobras progressivas. Como você enxerga isso tudo? Você entende que a revolução no esporte começou com você lá atrás?
Começou com o garotinho que se encantou pelo esporte. Comecei a treinar de verdade e com o tempo fui vendo que eu tinha condições. Depois que saí do quartel, ganhei um campeonato brasileiro. Daí eu consegui ser campeão brasileiro, campeão paulista, vice paulista duas vezes, correr etapas do mundial. E tudo nessa daí, a partir de um sonho pequeno.
Como foi a ideia de levar manobras do skate para o surfe? A execução é a mesma? Como foi o processo para isso?
Eu tinha um amigo que era campeão brasileiro de skate, o Junae Ludvig, e ele pegava onda também. A gente se encontrava na Joaquina surfando e ele que botou na minha cabeça: “Luis, tu dá uns aéreos canyon, cara, por que você não tenta dar uns aéreos com a prancha?” E aí eu comecei a tentar, tentar, tentar… Na época me chamavam de peru louco, peão voador, urubu sem asa, e tiravam maior onda porque ninguém entendia. Eu tive que ‘catequizar índio’, então, você imagina como é que era.
Quando você começou a mandar aéreos nos campeonatos, como foi a aceitação? Os juízes realmente não davam notas boas?
A primeira vez que eu mandei um aéreo em um campeonato, foi na Praia do Tombo. Eu tinha entrado para a expression session, peguei uma prancha emprestada do Zé Paulo e mandei um aéreo de Ollie Air sem a mão. Um aéreo que é de skate.
Aí, o Sebastian Rojas fez foto sequência e fez uma página inteira na revista Fluir. Mas, na época ninguém entendeu nada e os juízes deram para o Jair Oliveira porque ele deu um aéreo com a mão na borda. E como os caras não tinham treino de percepção de diferenças de aéreo, eles achavam que um aéreo com a mão na borda era mais difícil do que um aéreo no hands.
Essas coisas que não davam as notas que era o certo. O que deveria ter sido feito, que hoje em dia vale.
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Nos eventos que corria no seu auge e nas conquistas, você chegou a reparar olhares de discriminação?
No meu podcast eu conto a história toda. A única vez que eu sofri preconceito foi lá no Rio Grande do Sul, no campeonato que fui correr. Na época eu estava no auge, corria contra Dadá Figueiredo, contra os caras assim. Fui para correr contra os gaúchos, os caras eram até infantis perto de mim, aí eu comecei a ganhar, ganhar, ganhar…
No final, ganhei o campeonato e os caras rasgaram nota, mudaram tudo. E apareceu um louco lá, sei lá da onde, e chacoalhou o palanque inteiro com todo mundo dentro, que parecia o Hulk, e reclamando: “é por isso que os gaúchos não vão pra frente, eles ficam com esses preconceitos idiotas, esse bairrismo. O cara veio aqui e ganhou na cara de todo mundo, tá todo mundo vendo aqui. Quem ganhou foi o Luisinho”.
E aí eu falei para deixar isso para lá. Mas já aconteceu.
Para você, qual seria a “receita perfeita” para ter mais profissionais negros no mundo do surfe atualmente?
Velho, é difícil tirar do subconsciente das pessoas uma escravidão de anos. Faz muito pouco tempo, cara. Então, “nego” pensa que as coisas ainda são à moda antiga. Quando a gente tiver oportunidades e, principalmente quando o governo começar a olhar para pessoa negra como um cara capaz, as coisas vão mudar e muito. Mas, sabemos que não é fácil, que é passo a passo, step by step. Porque a gente mora no Brasa, velho.
Na sua carreira, incontáveis baterias foram disputadas, desde o momento em que você decidiu que ia em busca de seu sonho. Qual foi a disputa mais memorável para você em tanto tempo de competição?
O campeonato sul brasileiro, que era o Floripão na época, eu ganhei na final do Picuruta, do Almir, do Tinguinha e do Ricardo Toledo. Quem é que pode dizer isso? Os caras nos anos 80 eram os melhores. Eu enfileirei eles na Joaquina com 2 metros de onda.
Na minha opinião, foi mais difícil fazer isso que ganhar o Festival Olimpikus, que foi o brasileiro que eu ganhei também na Joaquina.
São muitos anos dentro d’água em picos e mares completamente distintos. Apesar do quintal de casa sempre receber um carinho especial, ao olhar para todos os locais em que você já surfou, qual foi a sua onda favorita e por quê?
Quando me mudei para Joaquina me identifiquei direto com a onda, era tudo que eu sonhava e aí a gente quando vive e anda num sonho, a coisa funciona melhor.
Você tem um dos títulos mais importantes da década de 80, o Festival Olimpikus de Surfe. Como foi para você levantar esse troféu?
Foi onde começou a minha carreira. Porque eu estava no quartel, saí do quartel, fui para Floripa correr esse campeonato, acabei ganhando e fiquei morando na cidade catarinense por causa disso e estou muito feliz por ter conseguido.
Depois, fui tricampeão catarinense, vice paulista por duas vezes, corri três etapas do mundial, fui até o evento principal em todas.