Olimpíadas 2024

Como funciona Teahupoo

Com menos de 100 dias para abertura oficial das Olimpíadas, Waves conversa com geógrafo marinho Eduardo Bulhões, que detalha a onda de Teahupoo, Taiti, palco do surfe nas Olimpíadas.

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Icônica onda de Teahupoo, Taiti, em dia clássico.

Os Jogos Olímpicos de Paris 2024 se aproximam, faltando menos de 100 dias para a abertura oficial. O surfe estreia no dia 27 de julho na icônica onda de Teahupoo, Taiti. O Brasil é o único país a ter seis representantes, três no masculino e três no feminino. Filipe Toledo, João Chumbinho Chianca e Tatiana Weston-Webb se classificaram via ranking da WSL. Já Gabriel Medina, Luana Silva e Tainá Hinckel conseguiram as vagas em Porto Rico, no Mundial da ISA.

Apesar de rolar altas ondas na França, a organização decidiu colocar a modalidade surfe em Teahupoo. A tradicional onda é reverenciada como uma das melhores ondas do planeta, reconhecida por toda a comunidade do surfe. Mas sua fama vem com um aviso: é uma onda difícil e perigosa. Até mesmo os surfistas mais experientes já enfrentaram momentos desafiadores no pico implacável.

Mas quais são os segredos dessa gigante do mar? Como ela funciona? E como será o local onde os melhores surfistas do mundo disputarão a glória olímpica? Para desvendar os mistérios de Teahupoo, o Waves conversou com o geógrafo marinho Eduardo Bulhões, da Universidade Federal Fluminense (UFF). Confira:

Corais de Teahupoo.

Segundo Eduardo, a onda quebra numa bancada rasa de corais afiadas, ao redor da maior ilha vulcânica da Polinésia Francesa, Taiti, no Oceano Pacífico Sul. O que torna essa onda mais peculiar é o relevo do fundo do mar combinado com a chegada das ondulações de sudoeste e sul-sudoeste, formadas por tempestades no oceano Sul. O relevo submarino único de Teahupoo permite que as ondulações se concentrem e intensifiquem no recife de coral, formando tubos perfeitos.

A inclinação do recife de coral amplifica as ondulações que se propagam pelas águas profundas antes delas quebrarem na parte rasa. Além disso, especificamente há uma fenda profunda no reef, provocada pela presença de um canal fluvial, que faz com que essa onda quebre sempre abrindo para a esquerda, até esse mesmo canal onde as embarcações ficam posicionadas.

Caso o reef seja danificado, seja onde a onda quebra especificamente, seja no entorno, para além de ser algo danoso ao ecossistema marinho que precisa ser protegido, há uma mudança na configuração do fundo local, gerando alterações na hidrodinâmica, ou seja, na forma como a água flui nas águas rasas. Isso pode ter impactos diretos no formato de quebra da onda ou na posição do canal, por exemplo.

As condições sobre a onda de Teahupoo não são as condições do dia a dia. Em qualquer praia, o formato da onda, mais regular ou mais irregular, depende da conjugação de alguns fatores como a oscilação das marés, a direção e velocidade do vento, a direção, o período e a altura do swell e obviamente a configuração do fundo. Em Teahupoo, o fundo é a condição fixa, pois trata-se de um reefbreak super raso com menos de 1 metro de profundidade, o que deixa a onda “oca”, mas todas as outras condições variam.

Kelly Slater bota para baixo em Teahupoo.© WSL / Will Hayden-Smith
Kelly Slater bota para baixo em Teahupoo.

E então, as condições perfeitas são dadas pela aproximação de swell com períodos médios e longos (superiores a 11s), direção específica entre sudoeste (SW) e sul-sudoeste (SSW), alturas superiores a 6 pés (1,8m) e vento terral soprando preferencialmente das direções entre nordeste e leste. As oscilações de maré no Taiti são pequenas e não interferem.

A densidade da água do mar depende muito da temperatura, sendo a onda mais “pesada” quanto mais baixa a temperatura da água. Mas isso não acontece em qualquer lugar. No Taiti, por exemplo, as temperaturas da água variam entre 26 e 29 graus o ano todo, o que é considerado quente e maravilhoso para o surfista que absolutamente não precisa de proteção de neoprene.

As Olimpíadas são eventos que não se trata apenas de esporte. Neste caso específico de Paris 2024, consideram-se também questões econômicas (turísticas) e geopolíticas. O Taiti, assim como várias outras ilhas da Polinésia Francesa, são parte dos territórios ultramarinos da França, anexados no século XIX.

Ainda de acordo com Eduardo, quem nasce no Taiti é francês, com todos os direitos e deveres civis e políticos. A manutenção pela França desses territórios na Oceania permite garantir a presença geopolítica nessa área, meio do caminho entre a Ásia e os EUA, para acessar recursos naturais marinhos, para proteger interesses econômicos e estratégicos, e preservar laços culturais e políticos, e promover o turismo local, fonte de renda vital para toda esses territórios.

O professor, além de especialista em oceanos, também é surfista. E ele compreende os fatores esportivos, mas não crê que tenha sido a melhor decisão levar o surfe olímpico para Teahupoo. Os Jogos Olímpicos de Paris 2024 apelam oficialmente pelo mote da sustentabilidade, mas perfuraram mais de uma centena de buracos nos corais para a fixação da estrutura de apoio ao evento no Taiti. Isso gera danos permanentes. Fora isso, serão centenas de voos extras para transportar todo o staff olímpico e espectadores até a ilha, gerando toneladas de CO2 para a atmosfera. Isso são só breves exemplos.

Eduardo vê que o que há de mais incrível em Teahupoo é o fato de apenas poucos surfistas conseguirem surfar na onda tão desafiadora. É uma onda perigosa e possivelmente a maioria dos atletas usarão capacetes e talvez alguns outros mostrando o desempenho esportivo mais baixo que podem. Ele acha ainda que a França continental tinha opções como Hossegor, onde quebram ondas surfáveis mesmo no verão.