Suellen Bezerra Nobrega, mais conhecida como Swell Nobrega, fotógrafa aquática e documental, também longboarder, de 38 anos, mãe solo de dois filhos, que vive em Maresias, São Sebastião (SP) há 5 anos bate um papo exclusivo ao Waves sobre sua história de vida e na fotografia, além dos seus principais projetos.
Swell é filha de mãe branca nordestina e pai negro paulista, nascida em periferia. Seu pai começou a ter muitos problemas com bebidas alcoólicas, o que fez com que se tornasse agressivo e a mãe se separasse dele para evitar o pior, tendo que cuidar de Swell sozinha.
A fotógrafa teve uma infância muito lúdica e suas brincadeiras favoritas era dançar e fotografar, sua mãe também adorava fotografia. Já sua adolescência foi muito difícil, esteve envolvida com coisas erradas, o que a faz se sentir perdida.
Engravidou cedo do seu primeiro filho e acabou tendo uma maternidade mais solo, devido ao acidente que o pai da criança sofreu, o deixando em condições de cadeira de rodas.
Após um período, Swell voltou à comunidade para trabalhar em projetos sociais, mas a fotografia ainda era um hobby. Achava que não podia trabalhar e viver da arte. Mas desde criança gostava de documentar seus amigos.
Trabalhou como coordenadora de cultura na comunidade, com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, estudou serviço social e trabalhou em uma ONG na comunidade como assistente técnica desenvolvendo vários projetos sociais e acabou desenvolvendo projetos com mulheres adolescentes. Suellen começou a perceber que era muito difícil presenciar certas coisas neste trabalho, então acabou saindo e trabalhou com equoterapia em cavalos.
Depois encontrou outra pessoa e engravidou do segundo filho, o que fez precisar sair do trabalho com os cavalos.
Começou a fazer autorretrato grávida e começou a receber propostas para fazer ensaio.
Sua história com o surfe começou quando morava na comunidade, tinha amigos surfistas e pedia para surfar junto com eles. Depois em seu aniversário de 16 anos, pediu a sua mãe, uma prancha. Assim que ganhou a prancha, passou a fazer bate-volta e surfar com uma amiga. E nesses momentos percebeu que era algo que queria viver na vida dela.
Durante sua segunda gravidez, acabou ficado um tempo distante do surfe, mas voltou a surfar com seu ex marido. Porém, começou a sofrer violência doméstica por parte dele e de repente ele ficou desempregado. Então seu trabalho com a fotografia passou a suprir a casa e as necessidades da família.
A surfista começou a acompanhar muitas imagens de surfe, e nesse momento, veio o desejo de ser fotógrafa aquática. E como ela mesma revela: “aconteceu tudo como mágica, tudo muito rápido, fui autodidata e recebi várias oportunidades”.
Após conseguir se inserir nessa profissão, surgiu a oportunidade de fazer um curso com o renomado fotógrafo de surfe Sebastian Rojas. E nesse momento, teve certeza que queria a fotografia para sua vida.
O início não foi fácil, passou por vários obstáculos, além também de ter percebido que tinha mais espaço trabalhando com o público feminino, onde até hoje tem mais procura e mais conexão também.
A fotógrafa fez muitas conexões e viagens com mulheres pelo Brasil e fora do país, tudo com o principal propósito de fazer seu trabalho através da fotografia documental, com intuito de retratar as coisas como elas são e retratar mulheres em processo de autoconhecimento.
Sua história representa força, resiliência e paixão pelo que faz. O que contribuiu de certa forma para sua sensibilidade e identidade humanizada no seu trabalho em registrar histórias através da fotografia. Como é dito por ela, “Tudo se encaixa para a minha fotografia ser da forma que ela é”.
Em entrevista exclusiva ao Waves, Swell Nobrega conta sobre seu trabalho, técnicas usadas, principais projetos e desafios da profissão.
Como começou a ideia de contar histórias através da fotografia?
Começou da ideia de contar a minha mesmo. Porque como eu me fotografava muito e documentava a minha vida, via o quanto aquilo era mágico e o quanto a fotografia é uma ferramenta de autoconhecimento e as vezes o tempo passa e a única coisa que a gente tem para falar daquele tempo, é uma fotografia, um retrato. Então acho que a fotografia vem desse lugar de contar a minha própria história.
Eu me vejo muito como espelho e vejo outras mulheres como espelho. Acredito que se eu consigo fazer isso na minha vida, eu poderia fazer isso na vida das pessoas também.
Seu maior público alvo é mulher? Qual o principal motivo dessa escolha?
Sim, meu principal público é mulher. E o principal motivo dessa escolha é uma necessidade mesmo. Primeiro por ver que uma fotógrafa como eu, não tem espaço no público masculino. Então foi uma escolha de sobrevivência mesmo, trabalhar com as mulheres. Até para o meu trabalho ganhar visibilidade e ganhar espaço e também por conta da minha história, da minha mãe, que teve que fazer tudo sozinha e da minha história como mulher com meus filhos. Então eu via a necessidade e vejo tantas amigas que precisam as vezes de um resgate.
Gosto de trabalhar com os homens também, porém vejo que a minha demanda é muito mais feminina.
Como funciona a criação de cada projeto?
Sou muito intuitiva, gosto de me conectar com a natureza, com as histórias, de ter vivência com as pessoas. Então acho que o meu processo criativo vem muito de inspirações da vida mesmo. Minha vida e de outras mulheres que conheço, que se conectam comigo através da fotografia.
Acho que a minha criação vem desse lugar, de inspirações, tanto da minha vida, de outras mulheres, da minha mãe, da minha avó, das minhas amigas e das mulheres que cruzam o meu caminho.
Nos ensaios femininos tenho um processo criativo que eu peço para a mulher escrever uma carta sobre o que ela é, e nessa carta ela já vai se ver de várias formas. Acredito que nesse processo do autoconhecimento, de você se olhar. E a fotografia vem para complementar isso.
Quando a mulher conta a história dela para mim, já me conecto com ela e já vou entender se ela vai gostar de praia, cachoeira, algo mais sensual.
De onde vem essa sensibilidade e olhar para suas fotos?
Acho que vem das vivências. Acredito muito na minha sensibilidade porque eu tive que ser muito resiliente na minha vida, sofri bastante desde criança, tive que me criar sozinha, por falta de estrutura familiar, ver minha mãe sempre trabalhando muito e me deixar com vizinhos ou com outras pessoas.
Cresci vendo muitas coisas, morava em bairro periférico, então tive acesso a muitas vezes, perdi muitos amigos, vi muita gente sendo presa e vi muito sofrimento. Então acho que essa sensibilidade vem desse lugar, de já ter vivido muita coisa, de conseguir ter a empatia, me colocar no lugar das pessoas.
Os meus olhos sempre veem beleza. Então essa sensibilidade acho que vem da vida mesmo.
Como costumam ser os trabalhos envolvendo o surfe?
Os projetos que envolvem o surfe, comecei fazendo junto com o grupo Longarina, voltado para o público feminino, fotografei mais de mil mulheres no surfe iniciante.
Também faço parcerias ou trabalho com marcas para fotografar surfistas profissionais, além de participar de barcas de surfe.
Trabalha no projeto social Águas de Gaia, que oferece aulas e vivências no surfe para mulheres de várias comunidades do Brasil.
O projeto social, a fotografia aquática e a vivência do surfe se uniram. E hoje meu principal trabalhando envolvendo o surfe é voltado para projetos sociais e de surfistas iniciantes. Porém também faço trabalhos com freesurfers, surfistas profissionais e também surftrip.
Qual seu maior propósito com esse trabalho?
O meu propósito acho que é transformar um pouquinho o mundo ao meu redor, transformar minha vida e das pessoas que eu amo, através da arte. É tocar as pessoas. Gosto da frase “se faz sentir, faz sentido”, então se a minha fotografia tocou você de alguma forma, acho que é esse o propósito.
Qual é o principal desafio da profissão?
Acho que no meu caso foi ter o acesso, por ser uma menina de periferia, não tive acesso a cursos, equipamentos. Depois disso, a maternidade solo, não consigo me entregar 100% para o meu trabalho, é difícil conciliar. As vezes está rolando altas ondas e eu podia estar lá desenvolvendo meu trabalho, mas muitas vezes tenho que estar em casa cozinhando ou levando meu filho para a escola, fazendo minhas coisas.
O desafio é ser uma profissão elitizada e masculinizada. E vejo que poucos homens me contratam.
Ser mulher, não branca, periférica, mãe solo de dois e fotógrafa de surfe, acabo não me identificando com outras fotógrafas de surfe porque as histórias são bem diferentes. Acho que é o meu maior desafio. Demorou para eu entender que existe padrão e que não sou uma mulher padrão, então fica mais difícil se encaixar.
Essa questão racial para mim é bem importante, que trago muito na minha fotografia, de entender as nossas raízes quanto Brasil. E por isso que eu também trago esse olhar para mulheres negras, de minorias, invisibilidades e todos os corpos. Minha fotografia não segue um padrão, e o surfe tem muito esse padrão, então tento quebrar isso, porque é uma extensão de mim, começa em mim. Tive que provar para várias pessoas que eu era capaz, para poder ganhar esse espaço.
O que considera mais importante ao contar uma história através da fotografia?
A verdade, a essência. Gosto bastante da fotografia documental, pois vai muito para esse lado natural da verdade. E quero muito saber quem é aquela pessoa, me conectar com a verdade dela, com as alegrias, com as dores, para ter essa empatia e saber olhar para onde ela precisa ser olhada.
Quais foram os seus maiores projetos?
Fazer as viagens internacionais foram incríveis para mim, fui para a Costa Rica, Maldivas e África do Sul agora. Mas os meus projetos sociais com a fotografia são os que mais me pegam, eles vem de um lugar de essência, ancestralidade, uma realidade que não é só minha.
Em São Sebastião (SP) comecei um projeto com mulheres negras, em um litoral que tem uma população muito grande de pessoas pretas, onde você não encontra essas pessoas curtindo a praia ou em posições de receberem um serviço. Elas estão sempre servindo, é a moça do mercado, da farmácia, quem te serve no restaurante.
Então percebendo isso, fiz um projeto chamado Preta Cura, Cura Preta, que é um projeto autoral, onde reúno mulheres negras e faço um ensaio delas com temas específicos. E com esses ensaios recebi convites da prefeitura da cidade para fazer exposições. Esse para mim é um dos maiores projetos porque não tive ajuda e veio do coração.
Qual a relação do seu trabalho com o mar? Como define?
Acho que o mar é minha maior inspiração. Costumo dizer que o mar é minha casa. Inclusive uma das exposições que fiz, chama Útero da Terra e é assim que vejo o mar. Quando estou nele, me sinto em casa, protegida.
Acredito que o meu trabalho tem a ver com uma cultura oceânica e fotografando perto do oceano e acho que o surfe também entra nessa lista. Por isso eu acho que me apeguei tanto ao surfe. Primeiro comecei a surfar e depois descobri que eu podia estar ali dentro fotografando o surfe também. Então não tem como separar o meu trabalho com o mar, é o que me inspira.
Swell Nobrega é uma artista que vive da fotografia e possui uma identidade única em suas fotos. Além de contar histórias através das lentes, seu trabalho se conecta com sua própria história.