O portal UOL fez um levantamento nesta segunda-feira (12) de que ao menos 295 políticos eleitos serão diretamente beneficiados caso a PEC das Praias (3/2022) seja aprovada. Segundo o site, a lista tem oito senadores e um governador.
Há ainda 116 vereadores, 65 prefeitos, 41 deputados estaduais e 31 federais, 31 vice-prefeitos e 2 vice-governadores. Também podem ser favorecidos pela eventual mudança na legislação empresas do setor imobiliário, da agricultura e empresários que possuem imóveis nos chamados terrenos de marinha, que pertencem à União.
Ainda de acordo com o UOL, ao menos 410 imóveis em áreas da União estão sob ocupação de políticos. A proposta que está no Senado, sob a relatoria de Flávio Bolsonaro (PL-RJ), prevê alterar a Constituição para transferir o domínio pleno das áreas a estados, municípios e proprietários privados — o que implicará aumento no valor do patrimônio e possibilidade de exploração econômica desses locais.
O levantamento do UOL considerou apenas políticos com CPF cadastrado na Secretaria do Patrimônio da União. Não foram buscados imóveis em nome de empresas de políticos. Os dados foram obtidos a partir do cruzamento de informações da secretaria, pertencente ao Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, com as do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Os prefeitos da lista têm 93 imóveis e são responsáveis por uma área da União de mais de 1 milhão de metros quadrados (o equivalente a quase um Parque Ibirapuera, em São Paulo). Em ao menos 65 das 280 cidades litorâneas do país (23,2%) os prefeitos têm imóveis em terrenos de marinha. Já os vereadores ocupam 132 imóveis — em mais de 1 milhão de metros quadrados. Entre deputados estaduais, 41 ocupam 57 imóveis — já entre os federais, 31 têm 51 imóveis.
Os oito senadores da lista têm nove imóveis numa uma área da União equivalente a 85 mil metros quadrados (o equivalente a cerca de dez campos de futebol). Os dados apontam também que dois vice-governadores ocupam dois imóveis localizados em terreno de marinha.
Dos vice-prefeitos, 31 possuem 65 imóveis. O levantamento não levou em consideração mudanças no decorrer dos mandatos, por exemplo, prefeitos que renunciaram ou estão de licença. Também não foram consideradas áreas de rios, lagos e margens de rios com incidência de marés.
A PEC está atualmente em discussão no Senado — onde precisa ser votada na CCJ e no plenário para entrar em vigor. Se houver mudança no texto, a proposta terá que voltar para a Câmara, onde foi aprovada em 2011. Em razão da polêmica recente de privatização das praias, Flávio Bolsonaro decidiu incluir no texto um artigo que cita as faixas de areia como “bens públicos de uso comum”.
“Uma eventual aprovação da PEC provocaria um benefício gigante para políticos e empresas, com a extinção das obrigações e a valorização das propriedades”, diz Fernanda Fritoli, vice-presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-SP ao UOL.
“O benefício econômico sobre esses terrenos aumentaria a movimentação nessas áreas. Não se sabe o impacto ambiental disso”, fala Sérgio Lazarrini, professor do Insper, que vê falta de capacidade de fiscalização dos municípios.
Senadores favorecidos com a PEC das Praias
O UOL trouxe nomes dos Parlamentares do Senado que têm coparticipação em áreas de terreno de marinha. São eles: Fernando Dueire, Marcos do Val, Alessandro Vieira, Oriovisto Guimarães, Jader Barbalho, Laércio Oliveira, Esperidião Amin e Renan Calheiros.
Contra e a favor
O UOL ainda consultou os oito senadores da lista de 295 políticos que seriam beneficiados pela PEC das Praias, uma vez que o projeto está neste momento no Senado, onde projeto será deliberado.
Alessandro Vieira afirma ser contra PEC, embora avalie que a discussão seja válida. Vieira diz que “sua situação” não condiciona seu voto. “Milhares de sergipanos são proprietários de imóveis que foram edificados e pagam regularmente taxa anual de foro e o laudêmio. No meu caso, é o apartamento onde moro”, afirma.
Fernando Dueire diz ser contrário à proposta, mas classifica a gestão federal da área como “sofrível e ineficiente”. “Cabe uma discussão mais ampla a respeito do tema, pois a servidão pública (uso público) não poderá nunca ser restrita, consentida apenas a poucos privilegiados.”
Jader Barbalho afirma que, “em Belém, mais de 175 mil famílias vivem nestas áreas (de 60% a 70% da cidade)”. Segundo a assessoria do senador, “apenas as sedes dos municípios não são de propriedade da União.”
Laércio Oliveira critica o que chama de “interpretações imprecisas”. “Se a proposta gerou tantas dúvidas, será mais debatida. Com o diálogo tudo será esclarecido.”
Marcos do Val diz não ver conflito de interesses que o impeça de votar o texto.”É um assunto que interessa a toda a população que reside nas áreas à beira-mar, que paga essa taxa sem receber nenhum retorno”.
Oriovisto Guimarães afirma ser favorável à proposta. “Tenho casa para passar temporada de verão. Pago taxa anual para a SPU e IPTU para a prefeitura. Se a PEC passar, vou examinar se vale pagar um valor para a SPU para me livrar da taxa anual ou se deixo como está. Em qualquer hipótese, não haverá alteração no uso do terreno.”
Esperidião Amin disse ao UOL que não vai se manifestar, e Renan Calheiros não respondeu à reportagem.
PEC das Praias prevê transferência total de áreas da União
Para estados: locais onde há prédios de órgãos da administração estadual, áreas usadas por prestadores de serviços dos estados e áreas doadas com autorização de uma lei federal.
Para municípios: áreas que abrigam prédios públicos com órgãos da administração municipal, áreas alugadas ou arrendadas a terceiros pela União.
Para pessoas e empresas com diferentes tipos de contratos: quem ocupa hoje imóveis em terrenos de marinha tem 83% do bem e paga duas taxas à União, que fica com os outros e 17% do bem, mas continua dona da área. A PEC prevê e extinção das cobranças: o foro (pensão anual equivalente a 0,6% do valor total do terreno) e o laudêmio (paga em caso de transferência do terreno e equivalente a 5% do valor total da área). Os proprietários passariam a pagar só o IPTU à administração municipal.
Ficam sob domínio da União: terrenos que têm prédios públicos de órgãos ou entidades da administração federal, usados por prestadores de serviços públicos ou destinados estrategicamente às Forças Armadas
“A tributação do IPTU pode aumentar porque a base de cálculo vai ser maior, não mais de 83%, mas de 100%”, fala Fernanda Fritoli, vice-presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB-SP ao UOL.
Praias privatizadas?
Segundo o UOL, na prática, a PEC das Praias não privatiza as faixas de areia. “As praias não podem se confundir com os terrenos de marinha”, afirma Rosa Ramos, presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB-SP.
A aprovação da PEC, porém, pode limitar o livre acesso às praias, apesar da mudança sugerida pelo relator. “Se uma construtora adquire toda a área que fica em frente ao mar, poderá construir casas ou hotéis. E as pessoas que pretendem usar a praia, como irão usufruir do local?”, questiona Fernanda. “Além disso, as áreas ficarão muito mais sujeitas à especulação imobiliária, e o problema é como garantir o acesso a esse bem comum e público que é a praia.”
Mecanismos e órgãos de controle precisam se fortalecer. Segundo Rosa, da OAB-SP, os tribunais de contas estaduais devem se manter atuantes. “Temos que partir para essa efetividade”, afirma Rosa
Exploração ambiental também pode aumentar nessas áreas. Embora existam as regras de licenciamento ambiental, a especialista em direito constitucional alerta para o risco de que proprietários civis e empresas possam “criar resorts em praias particulares”
Críticas à proposta
Falta transparência e discussão sobre texto da PEC, na avaliação de especialistas. O UOL ouviu economistas e advogados que afirmam que a proposta deixa margem para dúvidas quanto às formas de tributação nessas áreas e consequências ambientais e sociais.
Constitucionalista vê perda de banco de dados nacional, caso a PEC seja aprovada. “Cada município teria um banco de dados e faria a regulamentação de uma forma específica”, diz o advogado Ricardo Ferrari. Ele defende uma parceria entre técnica entre União e as cidades para identificar imóveis ainda não cadastrados — já que os municípios têm mais capilaridade para coletar informações
“São necessárias mais consultas públicas. Se um ente privado assumir essas áreas, ele precisará garantir as prerrogativas sociais”, conta Sérgio Lazarrini, professor do Insper, que aponta falta de capacidade de fiscalização adequada dos municípios.
“Os terrenos de marinha são importantes para proteger a soberania nacional. Não se pode tratar uma questão política como uma questão de direito civil. Por isso, é importante que sejam mantidas sob responsabilidade da União”, diz Ricardo Ferrari, presidente da Comissão de Direito Administrativo da OAB-SP.
Como são administrados os terrenos de marinha
Terrenos de marinha são faixas de terra ao longo da costa (e de áreas próximas a rios e lagos que sofrem influência de marés). Essa faixa tem 33 m contados a partir do mar em direção ao continente — essa demarcação não é embasada na configuração atual do mar, mas na chamada linha do preamar médio, definida pela média das marés máximas de 1831
O governo estima que cerca de 2,9 milhões de imóveis estejam em terreno de marinha — dos quais 568 mil estão cadastrados. Para a secretária-adjunta da SPU, Carolina Gabas Stuchi, haveria um caos administrativo se a PEC fosse aprovada neste momento — isso porque haveria regulamentações distintas.
Um a cada quatro terrenos de marinha cadastrados está cedido a pessoas físicas e jurídicas em regime de aforamento. Isso significa que 151 mil das 568 mil propriedades têm área repartida entre a União e morador, que não é considerado, porém, dono do local. Os dados são do Ministério da Gestão, Inovação e Serviços Públicos.
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Fonte UOL
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